O presidente da República passeava pelo jardim do Palácio da Alvorada. Queria mostrar à população que estava se recuperando de uma doença que tirou a vida de 80 mil pessoas no seu país, em parte por causa de sua gestão desastrosa.
Ele se aproxima de uma ema, desrespeitando, mais uma vez, o distanciamento social. Ao tentar alimentar a ave, ela reage com uma vigorosa bicada que o atinge em cheio.
O momento é flagrado por fotógrafos e jornalistas e a ema logo é alçada ao status de ícone antifascista.
Na semana seguinte, tentando provar que o ataque foi um caso isolado, o presidente volta a alimentar as emas, fazendo uma transmissão ao vivo em sua página do Facebook, quando é bicado novamente pelo destemido animal.
Se estivessem vivos, Esopo e La Fontaine certamente ficariam fascinados por esta narrativa com claro propósito educativo, cujos personagens são animais com características humanas —e vice-versa.
É uma fábula pronta.
Quando crianças, aprendemos com o sapo que topou atravessar o rio levando um escorpião no lombo, com a formiga workaholic que estocou mantimentos para o inverno e com a arrogante lebre que perdeu para o azarão da corrida, a tartaruga.
Eis que, na vida adulta, é chegada a hora de aprender com esta ave de grande porte que lavou a alma de muitos brasileiros com sua postura combativa perante um presidente autoritário que tentou domesticá-la oferecendo migalhas.
A ema não é o primeiro animal a roubar a cena no Planalto, e a ensinar uma valiosa lição ao povo brasileiro com suas atitudes.
No ano passado, um cavalo assustado —talvez com os rumos que o Brasil estava tomando— tentou impedir a posse de Jair Bolsonaro, marchando de ré diante do Rolls Royce presidencial, nos alertando para os retrocessos que estariam por vir.
Em mais uma alegoria de dar inveja aos fabulistas, um cachorro mordeu a mão direita do ministro da Economia, Paulo Guedes.
Ainda em Brasília, uma naja desbaratou um esquema de tráfico internacional de animais silvestres ao picar o estudante de veterinária que a mantinha em cativeiro ilegal.
As semelhanças com o caso da ema talvez não sejam mera coincidência.
Ao leitor, é lançado o desafio: qual a moral da fábula?
Texto de Manuela Cantuária, na Folha de São Paulo.
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