'Cidades de tendas' se espalham pelos EUA
Já são cem no país, reflexo da crise econômica; aumento da pobreza é um dos temas da campanha presidencial
Governo estima que haja 244 mil sem-teto morando nas ruas ou em tendas; vagas em abrigos diminuíram
A menos de 80 km dos milionários apartamentos da Quinta Avenida em Nova York, um grupo de 90 desempregados mora em barracas compradas no Walmart, sem luz e água, fazendo xixi em penico e tomando banho em bacias, no meio de um bosque.
Lakewood, em Nova Jersey, é uma das cerca de cem "tent cities" (cidades de tendas) que surgiram nos EUA desde o início da crise, em 2008.
Muitos dos que vivem assim perderam as casas por não pagarem hipotecas ou ficaram na rua depois de serem demitidos e atrasar o aluguel.
Nos EUA, tornaram-se o rosto mais visível do crescimento da desigualdade, um dos temas mais quentes da eleição de amanhã entre Barack Obama e Mitt Romney.
É gente como Marilyn e Michael Berenzweig, casal de NY que mora em Lakewood há dois anos e meio.
Marilyn, 62, trabalhou 35 anos como designer têxtil e ganhava US$ 100 mil por ano. Perdeu o emprego em 2009.
Casada há 42 anos com Michael, 63, foi morar com a filha no Queens. Depois de uma briga com ela, se viram na rua.
Sem dinheiro para aluguel -os dois ganham US$ 1.800 por mês de aposentadoria para pagar tudo, inclusive convênio médico, que sai mais de US$ 500 por pessoa- foram parar em Lakewood.
Ela divide uma barraca com o marido, o gato e alguns dos passarinhos que trouxeram.
"É difícil se manter limpo por aqui, e essas galinhas andando por toda a parte não ajudam", disse Marilyn.
Ela fez um buraco na terra para conservar a comida, já que não tem eletricidade. "Gostamos de morar no mato, mas nunca imaginamos que fôssemos parar aqui."
O casal ainda mantém hábitos de sua vida passada. Marilyn continua lendo o "New York Times" -mas só aos domingos. "Depois uso o jornal para forrar a gaiola dos passarinhos, a qualidade do papel é ótima para isso."
Ao mesmo tempo em que a crise levou a um aumento no número de desempregados, as vagas em abrigos diminuíram, diz Eric Tars, do Centro Nacional de Direito em Pobreza e Falta de Moradia, que fez estudo sobre as "tent cities" com a Universidade de Yale.
Obama implementou programas de ajuda aos sem-teto, mas governos estaduais e municipais cortaram o orçamento na crise. Segundo o Departamento de Habitação dos EUA, há hoje 243.701 sem-teto morando nas ruas ou barracas, e 392.316 em abrigos.
"O número de pessoas na rua deve aumentar porque muitas estão dormindo no sofá de amigos e familiares e não vão poder ficar nessa situação por muito tempo", diz Tars.
A situação econômica também não deve melhorar tão cedo. Hoje, existem 12,1 milhões de desempregados no país -mas gente como Marilyn nem entra na estatística, porque desistiu de procurar.
TEMPESTADE E NEVE
A situação em Lakewood é precária. A tempestade Sandy destruiu dez barracas. No inverno, eles chegam a receber 30 centímetros de neve.
"Antes, a maioria dos sem-teto tinha problema de alcoolismo ou drogas; agora, a maioria deles é simplesmente pobre que não consegue emprego", diz o pastor Steve Brigham, 52, o "prefeito" de Lakewood.
O local surgiu com um grupo de três mendigos há cerca de cinco anos. Com a crise de 2008, o número de pessoas aumentou muito. "Hoje, recebemos três pessoas por semana", conta o pastor.
Segundo o estudo de Yale, há hoje "tent cities" em 41 Estados -a maior parte na Flórida e na Califórnia.
"Este é o país mais rico do mundo e nós estamos vivendo aqui nesta favela, sem acesso a assistência médica. Alguma coisa está muito errada", diz Angela Spencer, 47, há dois meses no local. Ela trabalhou 22 anos na área de saúde, mas hoje vive de aposentadoria por invalidez.
Sua amiga, a enfermeira desempregada Karen Henderson, concorda. "A gente vê na TV os pedidos de doação para crianças na África, mas e a gente aqui?"
Algumas pessoas têm direito a 12 meses de estadia paga pelo governo em um motel, até que possam arcar com um aluguel. "Mas aqui perto a oferta de quartos com aluguéis baixos é muito pequena", diz o pastor.
Há um gerador no centro do acampamento, em que as pessoas carregam celulares, e uma televisão. O local tem também um chuveiro adaptado, mas muitos preferem tomar banho de toalha molhada nas barracas. Todos vivem de comida doada por igrejas e entidades.
"Queremos que o governo construa um abrigo aqui perto ou que aumente a oferta de aluguéis baixos. Até lá, muita gente vai ter que morar em barracas", diz o pastor.
Reportagem da Folha de São Paulo, de 5 de novembro de 2012.
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