sábado, 24 de novembro de 2012

O poder discutido


O poder discutido

A PREOCUPAÇÃO com o possível conflito de autoridade entre o Supremo e a Câmara, no caso de cassação de deputados federais condenados no julgamento mensalão, remete a mais do que a essa divergência já bem exposta, jornalisticamente, por Elio Gaspari e Fernando Rodrigues (Folha de ontem).
O que está em jogo é a essência da Constituição, em parte dos princípios definidores e protetores do seu caráter democrático. Logo, é a própria natureza do regime que a divergência põe em questão.
Quando a Constituinte restringiu à Câmara e ao Tribunal Superior Eleitoral o poder de cassar mandato de deputado federal, sem dar o mesmo ao Supremo, não foi por acaso nem esquecimento. Foi para guardar coerência com o espírito constitucional desejado.
Se o Supremo é visto hoje como a sede da pureza humana, o constituinte de 1988 dobrou-se à história e à percepção do seu tempo: viu no Judiciário tanto a fonte eventual de pressões espontâneas, como o alvo (bem menos eventual) de pressões que o manipulem, originárias do Executivo, das Forças Armadas e outras. Ao longo do tempo, as casas parlamentares têm sido as maiores e mais frequentes vítimas das pressões que se valem do Judiciário.
Conceder à Câmara e ao Senado, com extensão aos similares nos Estados, o direito exclusivo de decidir sobre os mandatos de seus integrantes foi uma proteção dada ao Legislativo como todo. E, portanto, à independência dos Poderes no limite pretendido pela Constituição.
Mas os tribunais eleitorais tinham que ser exceções parciais na relação Judiciários/Legislativos. Vieram atender às necessidades administrativas das eleições e ao seu enquadramento, com os candidatos, às leis específicas. São tribunais com alcance limitado. Ainda assim, não são isentos de pressões -nem de sentenças marcadas por pressões conhecidas para serem tomadas. São exemplos do que poderia se abater sobre Legislativos -o federal, os estaduais e os municipais- sem as cautelas existentes.
O poder de cassar ou não os deputados federais condenados pelo Supremo é da Câmara. Concedido pela Constituição, que não o quis estendido ao Supremo. Aí, porém, com estímulos da Procuradoria-Geral da República, há quem pretenda tê-lo.
A propósito, os clamores pelo fim de todo voto secreto na Câmara e no Senado também desconsideram as razões da Constituinte para instituí-lo. Ou seja, pensando no voto secreto como impedimento para a covardia, esquecem seu valor, em certos tipos de votação, contra as pressões e retaliações. Nesse caso, o voto secreto é fator de liberdade política e opinião.


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