Um dos semifinalistas do International Booker Prize, um dos prêmios literários mais importantes do mundo, Paulo Scott tem chegado às páginas de grandes jornais estrangeiros e conquistado críticas elogiosas a "Marrom e Amarelo", seu livro sobre colorismo que ganhou tradução para o inglês.
Entre os aspectos que despertaram a atenção dos críticos está a maneira como o livro, batizado de lá fora de "Phenotypes", escancara a hierarquia que existe no Brasil entre pessoas negras com tons de pele mais claros ou mais escuros, um dilema que o próprio autor vive —ele, amarelo, e seu irmão, marrom.
O livro, publicado em 2019 pela Companhia das Letras, volta à tona agora a partir de sua repercussão internacional —a lista de finalistas do Booker sai nesta quinta-feira, e o vencedor, no fim de maio.
Ganha ainda uma sobrevida entre os leitores no ano em que a lei que criou as cotas raciais nas universidades públicas brasileiras deve ser revista. Isso porque seu protagonista, Federico, é um cientista social que participa de uma comissão que busca definir critérios para a identificação étnica de autodeclarados afrodescendentes que se candidatam às cotas.
"[A indicação ao Booker] é um reconhecimento da minha narrativa. Eu me esforço para ter minha voz. Você pode dizer, como dizem já há muito tempo, que não gosta do que o Paulo Scott escreve, mas você bate o olho e vê que é um Paulo Scott. Posso ir para tumba com esse rótulo de não ter sido alguém relevante, mas ter tido teimosia para cavar o próprio buraco. Se ninguém quisesse me ler ou me publicar, eu mesmo ia me editar."
"A angústia da narrativa é um elemento que as críticas estrangeiras compreenderam de maneira mais clara do que as brasileiras. Isso pode ser mal lido, mas o estrangeiro, que não está contaminado pelo nosso trauma, lê o Brasil melhor. Sabe aquela pessoa que foi abusada quando criança e não consegue encarar o trauma? Você passa isso para o racismo. A escola brasileira é um instrumento de eliminação da autoestima e da subjetividade da comunidade negra."
"Eu tinha cabelo castanho claro e liso quando criança. Sempre tive essa cor caramelo claro. É por isso que meu pai me chama de amarelo, e meu irmão, de marrom. Meu avô, de sangue italiano, indígena e negro também, tinha um modo muito cruel de replicar o racismo. Os primos de pele mais clara eram bastante cruéis com os de pele mais retinta —curiosamente, o de pele mais retinta de todos era o meu irmão. Eu já sentia o racismo, mas foi na escola que compreendi o que é ser um homem negro e que tinha que me posicionar. Na universidade, me tornei um banner contra o racismo."
"Não tem nada mais maligno e cruel do que o colorismo e quando as pessoas negras se querem brancas. As pessoas têm dificuldade de se afirmarem negras porque, quando você é estigmatizado, começa a acreditar que ser preto é um problema, um erro, um pecado. A gente se acomodou na ilusão de que chegamos a um equilíbrio. É nocivo fazer um movimento social se sentir protegido dentro do guarda-chuva de quem está no poder."
"O governo Lula foi o melhor do país, mas ou o Brasil reconhece a sabedoria de quem não está na USP, ou não vai se resolver. Lula teve uma percepção incompleta do momento. Ele conseguiu viabilizar um projeto, mas acabou suavizando uma tensão que é incontornável. O grande erro foi pensar que havia possibilidade de estabilidade nas relações de classe. A minha geração fracassou. No alto da sua arrogância e da sua preguiça mental, as lideranças de esquerda pediram de joelhos para o Brasil chegar aonde chegou."
"Não quero fechar uma régua dizendo que homens brancos héteros não vão ter mais espaço. Pelo contrário. Boa literatura é boa literatura. Não basta ter o tema. Tem que ter uma boa linguagem."
"Não sou um escritor ativista. A leitura política dos meus livros é que os faz terem esse enquadramento. Na minha escrita não tem essa intenção. Só quero contar boas histórias. O ativismo sempre vai ser cristalizado. A arte é inconsequência."
"Tem um debate público forjado que admite novos modos de leitura da produção de autoras e autores negros. Assumimos de forma inédita um espaço que não é condicionado, preconceituoso ou hierarquizado. Mas isso não é uma concessão da elite intelectual branca. Isso é pé na porta. Além do mais, vivemos num momento apocalíptico que não se resolve em narrativas articuladas dentro de um conforto do privilégio branco cercado por uma cultura higienizadora. Precisamos de uma Sueli Carneiro, que explica o Brasil como ninguém."
"É preciso ficar muito atento, porque a Câmara que se formou com o bolsonarismo é a mais desqualificada da história do pós-redemocratização. O que me preocupa é que tenho falado com assessores de políticos de esquerda ou progressistas e [a revisão das cotas raciais nas universidades] não está na pauta. Tem pessoas pagando com a vida por nossa inércia política e por nossa falta de coragem de construir uma nação."
Depoimento de Paulo Scott, escritor, a João Gabriel Telles e e Pedro Martins, para a Folha de São Paulo.
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