Precisava ver um vídeo de meia hora no YouTube, por isso tirei uma semana de férias. Não é fácil. Antigamente, quem pretendia assistir a um vídeo no YouTube começava por ser sujeito a um de três castigos: ou via um anúncio publicitário de seis segundos, ou via um anúncio publicitário de 30 segundos do qual se poderia livrar ao fim de seis, ou via um anúncio publicitário de 30 segundos até ao fim. O primeiro era uma repreensão curta, o segundo era a repreensão mais longa, de que nos poderíamos livrar se prometêssemos que nos comportaríamos, o terceiro era o clássico "temos de ter uma conversa".
Normalmente, uma conversa sobre a falta que nos faz determinado xampu. Mas agora os vídeos começam com mais do que um anúncio.
Primeiro aparece um que tem no canto inferior direito a indicação: "Este anúncio termina dentro de seis segundos." Findos os seis segundos, quando a gente pensa que o vídeo vai começar, aparece outro anúncio, com a seguinte indicação no canto inferior direito: "O seu vídeo começará dentro de seis segundos."
Ou seja, o primeiro anúncio nos engana. E, no entanto, ninguém pode dizer que ele não diz a verdade: de fato, o anúncio termina após seis segundos. Mas apenas para dar lugar a outro anúncio. É um ardil habilidoso, uma burla impossível de punir.
Por isso, aponto sempre a marca do produto publicitado nesse anúncio, para não adquiri-lo. A seguir, vem o segundo anúncio. Embora honesto na aparência —uma vez que informa, com rigor, que o nosso vídeo começará dali a seis segundos, o que se verifica—, ele participou na fraude. É, até, o que mais beneficia do embuste. Ludibriados pelo primeiro, damos mais atenção ao segundo, porque acreditamos que já é o vídeo que escolhemos.
Por isso, aponto sempre a marca do produto publicitado nesse anúncio, para não adquiri-lo. Depois, começa o vídeo. Que, a certa altura, é interrompido para ser transmitido outro anúncio.
A meio de uma palestra sobre "Hamlet", a que eu estou a assistir para depois reproduzir tudo ao jantar e as minhas filhas pensarem que eu sou inteligente, aparece um anúncio sobre uma bebida que agora também está disponível com sabor a lima. Por isso, aponto sempre a marca do produto publicitado nesse anúncio, para não adquiri-lo. Tenho poupado muito dinheiro.
Texto de Ricardo Araújo Pereira, na Folha de São Paulo.
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