Li outro dia uma entrevista com a escritora , autora do livro e criadora da série "Sex and the City". Nos anos 1990 e começo dos 2000 ela foi porta-voz de uma legião de mulheres mundo afora, ganhou rios de dinheiro e hoje pode dedicar-se ao que quiser, sem ter que se importar, como diria Tim Maia, "com esse papo de emprego". Imaginava a verdadeira Carrie Bradshaw como uma mulher realizada. Nada. É um poço de ressentimento. Ela queria mesmo era ser levada a sério pelos acadêmicos de Yale.
Por uma dessas coincidências sem qualquer valor estatístico, mas que dão de comer à crônica, ouvi outro dia um podcast com Tom Hanks. Achei que o Tony Ramos californiano, pelo menos, fosse uma pessoa realizada. Como ator, ajudou a derrotar o nazismo na Segunda Guerra, consertou uma nave espacial em pleno voo e a trouxe de volta à Terra, deu voz ao protagonista da melhor animação de todos os tempos. Tava feliz, o Tom? Nada. Tava caidão.
Não era um poço de ressentimento, mas se via como alguém em decadência, um ator cujo auge estava lá atrás. Imaginei Tom Hanks aflito, zapeando pelos streamings e stalkeando jovens atores nas capinhas dos filmes. Imaginei Tom Hanks no psiquiatra. Imaginei Tom Hanks de samba-canção, no banheiro, tomando Frontal. Aí me deu um alívio: o problema não sou eu, é o mundo.
Todas as pessoas que eu conheço são ressentidas. Todas. As ricas e as pobres, as casadas e as solteiras, as magras e as gordas, as da chefia e as do almoxarifado. Minifábula ready made: "O que é a humanidade?", perguntou o grilo ao sábio da montanha. "A humanidade", disse ao grilo o sábio da montanha, "é uma máquina de foder cucas".
Cês não têm a sensação de que as piores ideias venceram, em todas as áreas? É como se houvesse uma antisseleção natural implacável por trás da história, empurrando-nos do Éden pro murundu. O Éden, aliás, é parte crucial de uma das principais ideias de jerico. Você tinha o budismo e esse negócio bonito pra caramba de estar ao mesmo tempo ultraligado a tudo e ausente de si mesmo. Tinha politeísmo. Umbanda, Candomblé, Grécia Antiga. Deus homem, deusa mulher, deus hermafrodita, deus bravo, deus manso, mamãe Oxum das águas doces, Apolo ensolarado, Dionísio embriagado, um deus pra cada tipo de pessoa. Mas que ideia venceu? Um Deus só, brabo, cujo catatau de 1.567 páginas pode ser resumido a: "Cês erraram grandão lá atrás, agora tratem de sofrer bastante e se eu estiver de bom humor, quem sabe, numa outra vida eu lhes jogue umas sardinhas".
Não satisfeita com essa bela base depressiva, ligada a um trauma insuperável, a humanidade se perguntou: pra piorar, vamos construir o que em cima? A sociedade de consumo, essa fonte incessante de insatisfação, nos fazendo crer que a felicidade tá sempre em outro lugar. É tipo aquele suplício medieval da roda. As cordas das pernas puxam pra depressão, as do braço pro transtorno de ansiedade.
Algum grego ou latino disse que "filosofar é aprender a morrer". Pois as sociedades que chamamos de "primitivas" são universidades de aprender a morrer. São fábricas de sentido. A gente é uma empresa de demolição. Minifábula ready made: "O que é a humanidade?", perguntou o grilo ao sábio da montanha. "A humanidade", disse ao grilo o sábio da montanha, "é dar quase nada à esmagadora maioria das pessoas e dizer a elas que podem tudo: se não conseguirem é porque são incapazes". Candace Bushnell não tá feliz, Tom Hanks não tá feliz e eu confesso que também não me sinto muito bem.
Texto de Antonio Prata, na Folha de São Paulo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário