domingo, 3 de abril de 2022

150 anos de resistência


No ano do bicentenário da Independência do Brasil, o clube negro mais antigo do país —a Sociedade Beneficente e Cultural Floresta Aurora— completa 150 anos. Fundado por um grupo de alforriados, além da longevidade há muito o que comemorar. Chama a atenção sobretudo o fato de a iniciativa ser originária do Rio Grande do Sul, onde a questão racial e a participação do negro na formação do povo gaúcho são, no mínimo, negligenciadas.

Pode-se dizer que o estado se orgulha das raízes e das tradições europeias na mesma proporção em que oculta a participação africana em sua composição. Há na historiografia um discurso de negação da presença negra no povoamento rio-grandense.​

E, quando os negros aparecem, a condição de escravizados é atenuada pelo mito da democracia gaúcha, como observou o ex-presidente Fernando Henrique em estudo da década de 1960 sobre "Capitalismo e escravidão no Brasil meridional".

Semana passada, reportagem do jornalista Cláudio Isaías, publicada no Jornal do Comércio do RS, destacou a relevância do Floresta Aurora no contexto histórico nacional. Afinal, em 1872 o país ainda era a maior território escravocrata das Américas, o que ajuda a dimensionar o feito daquele grupo de homens negros.

Ao lado de Porto Alegre, Pelotas e Rio Grande são as cidades que concentram o maior contingente populacional preto e pardo no estado. Mas até hoje as manifestações culturais de origem afro não são devidamente valorizadas, e a influência da cultura negra na formação sul rio-grandense segue pouco estudada.

Os festejos do sesquicentenário da Sociedade Beneficente e Cultural Floresta Aurora, que começam dia 9, parecem um bom momento para a ressignificação da importância negra na sociedade gaúcha, desde a indústria do charque no século 19 —que utilizava a mão de obra escravizada— até os dias atuais. Como dizem estrofes do Hino Rio-Grandense, "Mostremos valor, constância/Nesta ímpia e injusta guerra".


Texto de Ana Cristina Rosa, na Folha de São Paulo

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