Você já deve ter ouvido a expressão, em geral na negativa. "Conheço o fulano, mas não é meu amigo pessoal." Gosto dessa categoria tão brasileira. Não consigo imaginar a expressão em outras línguas. A busca por "personal friend" no Google revela um serviço de aluguel de amigos. Curiosamente "amigo pessoal" em inglês é amigo profissional.
No Brasil, a categoria confunde porque pressupõe que existam outros tipos de amigo. Parece que dá para contrair amizade sem passar pela pessoa física. "O fulano é meu amigo espiritual. Beltrano? Meu amigo jurídico."
O conceito, no entanto, faz sentido. Nem todo amigo tem uma relação individual com você. Alguns amigos da vida toda nunca ficaram no mano a mano. Todo o mundo tem amigos pessoais e tem amigos coletivos. O fenômeno acontece quando relação não é direta, intransferível, mas mediada por uma turma.
Atenção: o amigo coletivo difere do colega ou do "conhecido", que curiosamente é como chamamos aquele que não conhecemos muito bem. Difere mais ainda do semiconhecido, aquele que conhecemos menos ainda. Existe uma hierarquia: o semiconhecido está abaixo do conhecido, que vem logo abaixo do colega, que vem antes do amigo coletivo, que precede o amigo pessoal.
Do conhecido você sabe o nome, do amigo coletivo você sabe o signo, do amigo pessoal você conhece o funcionamento do intestino. Você sabe o bairro onde o conhecido mora, do amigo coletivo você sabe a rua —do amigo pessoal você sabe o prédio, o apartamento e a senha do wifi— quando não sabe, adivinha.
Puristas da amizade dirão que amigos não pessoais não podem ser chamados de amigos. Discordo. O amigo grupal tem, sim, seu valor. Diverte, preenche, entretém. E o mais importante: é dele que pode nascer, um belo dia, quando menos se espera, o amigo pessoal.
Basta chover um pouco mais. E vocês ficarem ilhados no escritório. Ou basta um porre, uma viagem, um acidente, um pneu furado. O que separa um amigo coletivo de um amigo pessoal, muitas vezes, é um perrengue. Mas pode ser uma carona —de preferência daquelas demoradas, na hora do rush. Se cair um temporal, melhor ainda. Entre um silêncio e outro, você vai abrir uma chaga, e ele vai compartilhar uma memória, você vai rebater com uma esperança, ele vai contar um segredo. Pronto. Ali, na avenida Brasil alagada, sob o abrigo de um palio weekend, o amigo pessoal acaba de nascer.
Texto de Gregório Duvivier, na Folha de São Paulo.
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