sexta-feira, 15 de abril de 2022

Mas tem coisa boa também


Você não vai acreditar como está Ana Paula Arósio hoje! Você não vai acreditar como está a sósia mirim de Ana Paula Arósio hoje! Você não vai acreditar quem é o marido de Ana Paula Arósio hoje! Você não vai acreditar quem é a mãe de Ana Paula Arósio hoje! Quem escreve essas matérias? Quem clica nelas?

Influencers brancas de Pinheiros, com pouca flacidez e uma pequena cicatriz, ensinam tudo sobre autoaceitação e autoconhecimento. Sabe, não é todo dia que ela consegue. E ela precisa ser sincera nesse momento superdescontraído em que seu vídeo fica preto e branco e ela cochicha. Tem dias em que ela se sente um lixo. Caramba! Que força!

Existe uma quantidade indecente de tapeçarias nas paredes, águas saborizadas, begônias maculatas que recebem sagrados femininos uma vez por mês.

E a Covid, o fascismo, os grupos neonazistas, a guerra, o aumento de pessoas em situação de rua, as balas que ainda tiram as vidas de jovens pretas, o aumento da violência contra as mulheres? Calma, coração. Essa é só uma crônica banal sobre chatices e, por isso, você, que toda semana reclama que minha crônica não é tão séria quanto deveria, está devidamente representado aqui.

Existem vários grupos de WhatsApp com uma infinidade de homens solteiros e mulheres solteiras que passam o dia analisando cada frase do Lula e do Alckmin e do Mamãe Falei e de completos desconhecidos do Twitter. E ninguém no grupo jamais flerta ou transa.

Se eu tiver que ler mais um livro de psicanálise pra saber como lidar com a minha filha, eu vou rasgar, morder, atirar pela janela. Se eu tiver que ler mais um livro de psicanálise pra saber como lidar com a minha vontade de fazer isso com os livros de psicanálise para lidar com crianças, eu vou me rasgar, me morder e me atirar pela janela.

Ligo pra ginecologista e pergunto por que ela não me avisou que o DIU com hormônio podia me deixar assim. Ela diz que não é o DIU. O Google inteiro diz que é o DIU. Eu poderia rasgar, morder, atirar pela janela...

Fiz um plano médico empresarial e meti minha família inteira. Ele custava uma moto por mês. Passou a custar um Corsa usado. Esse mês veio a fatura de um apartamento de frente pro mar.

Não sei o que aconteceu com o número do meu celular, mas ele deve estar em alguma central publicitária do descaramento e da desgraça porque o dia inteiro me ligam "Oi, somos de uma churrascaria, queremos convidar você e um acompanhante pra comer aqui até morrer. Bebidas não inclusas. Pedimos um combo de stories e duas fotos no feed". Eu odeio todos vocês.

Eu não suporto mais estar em redes sociais. Dane-se que participei de uma reunião boa, que ganhei uma camisa 100% sustentável, que sou amiga de algum progressista conhecido.

Um monte de apoiador do pior presidente da história se junta pra ficar andando de moto e qual o nome do evento? Acelera pra Cristo. Penso em escrever no Twitter que é exatamente o que eu desejo pra eles. Acelerem bastante, amigos, pra ver logo Cristo.

Tenho um vizinho que canta ópera o dia inteiro e outro vizinho que briga com o marido e berra pela janela: "Eu não aguento mais sofrer por amor, chamem a polícia" e eu quero declarar minha admiração a essas duas pessoas absolutamente estranhas e maravilhosas.

Eu tenho um namorado que anda pela cidade trepando em árvores, que quis melhorar meu guacamole colocando suco de laranja, que diz que tem uma conexão espiritual com aranhas, que come meus restos de maçã com a coluna mais ereta que eu já presenciei na vida e que um dia ficou obcecado pela música "É só o fim", do Camisa de Vênus, e ficava desesperado "por favor, tira isso de mim". E eu quero declarar meu amor infinito a você.


Texto de Tati Bernardi, na Folha de São Paulo

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