Na última publicação, toquei de leve em um tema que, há tempos, me chama a atenção, mas que costuma ser tratado, no mínimo, como secundário. Nestes nossos tempos de redes sociais e de aplicativos de mensagens, todos passamos a escrever com muito mais frequência, mas sempre preocupados em simular uma fala descontraída com nosso interlocutor. Surge, assim, um registro escrito informal, que vai migrando para outros domínios, aqueles em que, há não muito tempo, cultivávamos algum grau de formalidade.
Nos diálogos escritos, lançamos mão de muitos pontos de exclamação para mostrar entusiasmo pela conversa (Bom dia!) e suprimimos o ponto final para não sermos deselegantes ou grosseiros. Num papo ainda mais informal, simulamos a linguagem das histórias em quadrinhos e fazemos uma longa sequência de vogais para tentar reproduzir a fala (oiii!). Palavras que não imaginaríamos escritas aparecem diante de nossos olhos e ficam registradas para a posteridade: "oie", "tá bão", "óia".
Erros de grafia costumam ser perdoados pelos amigos, pois, afinal, o "corretor" do aparelho deduziu que queríamos dizer "comunismo" quando estávamos prestes a escrever "comunhão" ou quem sabe nos tenha feito dizer algum absurdo como "chave forte por aqui" em vez de "chove"... No meio desses, vão aparecendo outros do tipo "mal gosto" em vez de "mau gosto" – ah, foi o "corretor"! Aos poucos, as grafias mais estranhas se tornam familiares e talvez até deixem de ser percebidas à primeira vista como incomuns.
Os emojis, as figurinhas e os memes, às vezes, substituem as palavras nessa comunicação escrita informal, em que importa ser engraçado e simpático. As frases são curtas, no melhor estilo telegráfico (saberão os jovens o que significa "telegráfico"?). Procura-se mimetizar a fala, que é o referencial dessas mensagens. Daí ser problemático usar o aplicativo para outros tipos de comunicação, que requerem, na vida real, alguma formalidade.
Sim, a formalidade não foi abolida da vida real. Prova disso foi um caso de "demissão por aplicativo", ocorrido no ano passado, durante a pandemia, que foi parar na Justiça.
Como a fala é o referencial, por excelência, das mensagens trocadas nos aplicativos, nos chats e nas redes sociais, passamos a escrever não só como falamos mas também como ouvimos, o que pode nos pôr diante de algumas grafias surpreendentes. Os exemplos que trago aqui não foram colhidos fortuitamente; são, na verdade, cada vez mais frequentes.
Um site de nome "Dicionário Informal" registra a forma "dale", assim definida: "vibração positiva, comemoração, enaltecer algo ou alguém" e seguida de "abonação": "Dale Ayrton Senna do Brasil!" . "Dale", na verdade, é "dá-lhe". Dizemos "dá-lhe" quando torcemos para que, numa disputa, alguém vença o adversário. Algumas pessoas pronunciam o "lh" como "l", o que é muito comum. A grafia, no entanto, é objeto de convenção. Ou era.
O mesmo se dá com a expressão "ainda sim", que mencionei na publicação anterior. Um leitor sugeriu que se tratasse de um erro de digitação. Sim, mas suficientemente frequente para já figurar em sites de dúvidas de português que existem aos montes na internet. "Ainda sim", que tem aparecido em grandes jornais brasileiros, está no lugar de "ainda assim", ou seja, de "mesmo assim", que é uma expressão de natureza concessiva. É fácil perceber que as sequências "ainda assim" e "ainda sim" soam da mesma forma aos nossos ouvidos, mas a expressão escrita requer mais que os ouvidos.
Grafias como "agente" no lugar de "a gente", "afim" no lugar de "a fim", "concerteza" no lugar de "com certeza", "fachetária" no lugar de "faixa etária" ou mesmo "ainda sim" no lugar de "ainda assim" e "dale" no lugar de "dá-lhe" são típicas de uma espécie de "português de ouvido", que revela certa imaturidade no manejo da língua, sobretudo na sua dimensão formal.
Texto de Thaís Nicoleti, na Folha de São Paulo.
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