Com plácida indiferença, o economista do mercado financeiro me explica que a sociedade funciona como um pêndulo, oscilando entre a direita e a esquerda em ciclos sazonais. Depois de 20 anos sob o comando de partidos de centro-esquerda, o Brasil rumaria, inexoravelmente, para a direita da curva.
Se esse equilíbrio, de fato, existir, é provável que a inércia pendular reeleja, em 2022, o líder das pesquisas de 2018, emplacando, em 2026, mais oito anos de eleição e reeleição de um de seus filhos ou, quiçá, de uma liderança evangélica. Edir, talvez?
Cumpriríamos assim a parábola, esgotando o ciclo das forças que passaram as últimas décadas na encolha.
Da minha parente que dispara fake news no Face com o furor de um robô eleitoral ao taxista que não perdoa a roubalheira do PT, do pai de família que se sentiu acossado pela militância identitária ao eleitor da terceira via que não aguenta a Gleisi Sheela do Lula Osho, do ruralista farto do Ibama ao cidadão que se sentiria seguro com uma arma na mão, do empresário ao microempreendedor que desistiu de arrumar patrão, engrossamos tanto o peso da bola que ela tendeu para a ultradireita.
Não estamos sozinhos. Turquia, Estados Unidos, a febre é mundial. Na Alemanha, o nazi partido, que conquistou 12,9% das cadeiras em 2017, criou um aplicativo para que os estudantes apontem professores contrários aos radicais islamofóbicos do parlamento.
Aqui, sem nunca mencionar as milícias e o terror do narco-estado, Messias incita a massa a metralhar petralhas, eliminar vermelhos e enquadrar gays, a menosprezar índios, pretos, mulheres, jornalistas, ambientalistas, intelectuais e artistas.
Inimigos do povo, os petistas roubam, os gays seviciam, os índios são preguiçosos, os pretos malandros, os vermelhos perigosos, as mulheres fraquejadas, os jornalistas mentirosos, os ambientalistas xiitas, os intelectuais elitistas e os artistas mamadores das tetas.
É lavagem cerebral. A Revolução Cultural de Mao aplicada ao livre mercado.
O discurso do mama-tetas surgiu nas redes, em meados do governo PT, e foi aprimorado pelo candidato que periga chegar ao poder em janeiro. À possível extinção dos mecanismos de isenção para as artes, se somará a retórica moralizante, avessa à liberdade de expressão.
Desconfiadas de que a renúncia fiscal se transformaria numa arapuca para a classe artística, eu e minha produtora desistimos de trabalhar com a Lei Rouanet dez anos atrás. Agora, a preocupação é de outra ordem.
Por temer os humores das brigadas conservadoras, suspendemos a temporada de "A Casa dos Budas Ditosos", agendada para novembro, na periferia do Rio de Janeiro. Depois de 15 anos em cartaz, a covardia nos fez deixar a baiana libertária de João Ubaldo de molho.
A autocensura já dita regras.
O medo do coronel da reserva, que xinga Rosa Weber de corrupta empoada; do garoto, que sugere fechar o STF com um guardinha de trânsito; o pânico da porrada com barra de ferro, que o estudante levou na cabeça por panfletar por Haddad; do tiroteio para o alto, na praça São Salvador; e dos atentados ao Instituto Chico Mendes, no Pará.
A temporada de caça está aberta. Para andar em segurança, o sujeito vai ter que levar uma blusa do Ustra na mochila e fazer sinal de arminha com a mão, cada vez que o pelotão dos bons costumes passar.
O pêndulo do economista não vai resistir à pressão. A corda vai romper antes de retornar para o centro.
Eu também não queria o PT e creio na responsabilidade fiscal, mas qualquer coisa é melhor do que a teocracia armada.
Texto de Fernanda Torres, na Folha de São Paulo.