Dizem, com justiça, que a esquerda não entende de matemática. De minha parte, vou além: não entende nem quer entender —e isso é terrível hoje em dia.
O problema é que a direita, por sua vez, entende pouco de política. Lembro bem da campanha de Fernando Collor para a Presidência, em 1989. A agenda do PT, naquela época, era bem mais radical.
O medo das desapropriações de terra, dos aumentos salariais, da estatização, do fechamento ao mercado externo levou a que se instalasse no poder um candidato que prometia "não mexer na poupança" e "modernizar" o país no rumo de uma autêntica economia liberal de mercado.
A direita confiou no candidato, sem querer reparar no que ele tinha de populista, de farsesco e de inconfiável.
O resultado, do ponto de vista econômico (nem digo do político) foi um desastre. Uma equipe inexperiente, bisonha e aventureira sequestrou o dinheiro de todo mundo. Abriu depois sem nenhum critério as "torneiras" do crédito, fez o PIB cair 4% naquele ano —em 1991, a inflação chegou a 481%.
Isso não prova que, se Lula tivesse sido eleito em 89, a situação seria melhor. Mas indica como pode ser baixa a confiabilidade de um populista inexperiente, ainda que seu discurso caia no gosto do mercado.
Nada representava mais a direita antipetista, no ano 2000, do que Paulo Maluf. Sua passagem pela Prefeitura de São Paulo, de 1993 a 1996, e a de seu afilhado, Celso Pitta, nos anos seguintes, deixaram as finanças municipais em pandarecos.
Deu-se a vitória da então petista Marta Suplicy —que, com administradores pouco esquerdistas, como João Sayad, pôs ordem na bagunça.
Os tempos eram outros, sem dúvida. Os escândalos de corrupção no governo Lula e o desastre econômico do governo Dilma destruíram a credibilidade do petismo e alimentaram o ódio que hoje dá votos aBolsonaro.
Surge, então, um verdadeiro nó dentro das cabeças matemáticas dos economistas e dos adeptos da responsabilidade fiscal.
Vou ver se explico.
Há candidatos de todas as tendências nesta eleição. Os defensores do mercado e da austeridade podem votar tranquilamente em Alckmin, Amoêdo ou Meirelles.
Tranquilamente? Não, claro que não. Todo mundo sabe que esses políticos não têm chance: a direita e as cabeças "responsáveis" ficam com Bolsonaro.
Em nome da "responsabilidade fiscal", e para evitar os riscos da catástrofe econômica que anteveem com uma vitória de Haddad, estão dispostas a tudo.
Todos sabem que Bolsonaro ataca frontalmente as minorias, defende torturadores, está pouco ligando para direitos civis e liberdades democráticas.
Para os comentaristas "sérios" da área econômica fica feio, naturalmente, dizer que entre uma ditadura e o descontrole econômico, preferem a ditadura. Mas é isso mesmo.
Observo, entre parênteses, que o "mercado" sempre irá preferir uma ditadura. O candidato ideal do mercado será sempre Pinochet —que não teve problema nenhum em implantar a reforma previdenciária sonhada por todos os analistas.
Ao menos ele sabia o que estava fazendo; Bolsonaro e Mourão, nem isso.
Seja como for, não fica bem defender uma reforma previdenciária com mais ardor do que se defendem os direitos humanos, a liberdade de expressão e a ordem constitucional.
A saída é dizer que Bolsonaro não representa nenhum risco de golpe. Invoca-se o mantra de que "as instituições estão sólidas".
Estão? Os partidos explodiram; prova disso é que Bolsonaro mal tem um. O Congresso está totalmente desmoralizado.
O STF está cindido. A Igreja Católica está desorientada e sem lideranças significativas. As igrejas evangélicas, em sua maioria, não ofereceriam resistência ao novo messias da direita.
Quanto à imprensa, abalada financeiramente, e em geral simpática aos decretos do "mercado", dificilmente saberá voltar aos tempos das Diretas-Já.
Não pode negar princípios como a democracia e a liberdade de expressão. Faz-se então a aposta arriscada: Bolsonaro não representa perigo.
Acrescenta-se o tempero: Haddad também é contra a democracia, o PT se equivale a Bolsonaro em desrespeito aos direitos humanos e às liberdades civis.
E quem disser "ele não" —uma bandeira multipartidária— é um radical fazendo o jogo do Haddad.
Eu, radical? Radicais são eles.
Texto de Marcelo Coelho, na Folha de São Paulo.
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