Romance de Patrick Deville, 'Viva!' celebra a revolução e a vida
JOCA REINERS TERRON
ESPECIAL PARA A FOLHA
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O México, como apontou André Breton, é o lugar surrealista por excelência.
Nos anos 1930, a máxima do poeta francês adquiria ainda mais contundência. Durante a presidência de Lázaro Cárdenas (de 1934 a 1940), revolucionários de todas as extrações –comunistas, anarquistas, republicanos espanhóis–, migraram para lá.
Entre eles estava Léon Trótski, banido da URSS e na clandestinidade desde 1927, quando de sua defecção do comitê central do Partido Comunista. "Viva!", romance de não ficção de Patrick Deville, parte da chegada de Trótski ao porto de Tampico em 1937, explorando seus três últimos anos de vida naquele exuberante zoológico do século 20.
Em paralelo, como se Deville expusesse a vida heroica do revolucionário russo diante de um espelho deformado, acompanha-se a trajetória peripatética de Malcolm Lowry (1909-1957).
Ao escritor inglês pode ser creditado aquele que é o maior romance "mexicano" do século passado, "À Sombra do Vulcão" (1947), relato da via crucis movida a mescal do cônsul Geoffrey Firmin rumo ao inferno em Quauhnahuac, assim como a existência acidentada em busca da transcendência artística do próprio autor, um burguês mantido pela mesada do pai.
Contudo, ao explorar descaminhos do alcoolismo místico de Lowry e da luta pessoal do escritor para realizar algo de belo, Deville encontra o ponto comum entre ambos.
Além da coincidência geográfica que abriga ao mesmo tempo a ambientação da obra-prima de Lowry com o assassinato a picaretadas do revolucionário por Ramón Mercader, há o passo final do cônsul Firmin, em "À Sombra do Vulcão", que termina assassinado barbaramente nos fundos de um bar após o acusarem de ser Trótski.
Para atingir esse ponto, Deville traça –com ritmo sincopado que incluem idas e vindas temporais e a intrusão da presença do autor na trama, vagando por cenários palmilhados por seus personagens, da Sibéria a Coyoacán, conversando com sobreviventes como o filho adotivo de Trótski já octogenário, entre outros– aquilo mesmo que Joseph Brodsky asseverou acerca de Danilo Ki?, "biografias extremamente condensadas e, por isso mesmo, altamente alusivas".
Assim, em decorrência da alta densidade demográfica de personalidades notáveis que se cruzaram nas bifurcações mexicanas daqueles anos convulsivos, é inevitável que, em algumas páginas (poucas, graças ao talento do autor), o leitor se sinta folheando a lista telefônica.
A vantagem é que os nomes listados, sem exceção (independentemente da orientação ideológica de quem lê), propiciariam conversas inesquecíveis.
Em algum ponto entre as "Vidas Paralelas", de Plutarco, e "Vidas Imaginárias", de Marcel Schwob, o romance de Patrick Deville celebra –com um atordoante "viva!"– o México, a revolução e a vida.
Reprodução da Folha de São Paulo.
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