Estamos vivendo um tempo cruel.
Os mais aquinhoados se apegam em duas mitologias para falar do que chamam de realidade: a violência e o crime no Brasil seriam fruto da impunidade. Já a crise mundial se revolveria pela distribuição de riquezas que o capitalismo faz por conta própria. Duas ilusões que tapam a verdade com dedos. Muitos dedos. Cheios de anéis preciosos. Ouço na rua:
– A polícia prende, a justiça solta.
– Por um roubo de celular qual deveria ser a pena? – pergunto
– Sei lá, de cinco a dez anos.
– Regime fechado?
– Claro.
– E por um assassinato?
– Perpétua.
A Folha de S. Paulo publicou neste domingo robusta matéria sobre a situação carcerária brasileira, a quarta maior do mundo, que cresce mais do que corrupção e a desfaçatez de certos políticos brasileiros.
O resumo da tragédia é este: preto pobre preso por pouca droga.
Assim: “O estudo da USP apontou que flagrantes de tráfico em SP ocorrem nas ruas (82%), durante patrulha (62%), e que apenas 4% deles eram fruto de investigação”.
Nega o crime. Vence a palavra do policial.
Nada de investigação. Condenação em 15 minutos.
Uma guerra perdida e injusta. Em editorial, a Folha de S. Paulo pede a legalização do comércio de drogas. Se pode álcool e cigarros, por que não as demais? A repressão mata, gera corrupção, custa caríssimo e não funciona.
Mais: “Pesquisa do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania indica que 72% dos presos por tráfico no Rio em 2013 ficaram presos durante o processo. Depois, apenas 45% deles foram condenados. Em 2/3, os réus não tiveram testemunhas de defesa, apenas de acusação”.
Pode isso, Arnaldo?
De volta ao começo: “’O perfil majoritário do condenado por tráfico é esse: pobre, primário, preso com pouca droga. É o elo mais fraco na cadeia da produção e venda’, diz Vitore Maximiano, defensor público de SP e ex-secretário nacional de Políticas Sobre Drogas”.
Quem entra no sistema prisional brasileiro vira hóspede para a vida inteira. Entra e sai, mas não se liberta.
Tem impunidade? Para quem? Está mais frouxa a repressão: “Em 2005, antes da lei {que mudou regras sobre prisão de consumidores}, 14% dos crimes pelos quais os presos foram condenados ou acusados eram relacionados ao tráfico. Em 2014, esse número subiu para 28% – um incremento da ordem de 349% em números absolutos”.
Prende-se mais quem venda ou carrega drogas do que quem mata: “No mesmo período, entre 2005 e 2014, o número de homicídios no país aumentou 125%, fazendo do Brasil o triste recordista mundial em assassinatos, com quase 60 mil mortes em 2015. O percentual de presos condenados ou acusados de homicídio nas prisões, porém, caiu de 11% para 10%, mantendo-se estável ao longo de uma década”.
Conclusão dos especialistas: “Com isso, o instrumento da prisão não só tem baixo impacto na redução da violência, como tende, no médio prazo, a agravá-la”.
Investe-se na escola do crime: “Pesquisa do Núcleo de Estudos da Violência da USP de 2012 apontou que em 62% dos casos de flagrante por tráfico em São Paulo a pessoa era presa com menos de 100 gramas de droga; 80,6% dos detidos eram réus primários”.
É a solução que satisfaz a mídia conservadora e as pessoas de raciocínio simplório. Só piora. Não funciona
*
Falta mais capitalismo?
Segurem esta. Está na mídia internacional. A Folha de S. Paulo repercute: “Oito empresários, todos eles do sexo masculino, acumulam a mesma riqueza que a metade mais pobre da população mundial, ou seja, 3,6 bilhões de pessoas, disse neste domingo (15) a Oxfam, por ocasião da realização esta semana do Fórum Econômico Mundial de Davos, que reúne a elite política e empresarial. Os oito bilionários são:
- Bill Gates, da Microsoft;
- Amancio Ortega, da Inditex (dono da Zara);
- Warren Buffett, maior acionista da Berkshire Hathaway;
- Carlos Slim, proprietário do Grupo Carso;
- Jeff Bezos, da Amazon;
- Mark Zuckerberg, do Facebook;
- Larry Ellison, da Oracle;
- Michael Bloomberg, da agência de informação de economia e finanças Bloomberg.”
Conclusão acaciana: “A Ofxam publicou um relatório, intitulado ‘Uma economia para 99%’, mostrando que os novos dados disponíveis, sobretudo da China e da Índia, permitem afirmar que “a lacuna entre ricos e pobres é muito maior do que se temia”. Poderia ser outra? Não.
O economista francês Thomas Piketty ficou famoso ao provar que o capitalismo, deixado a si mesmo, concentra riqueza e não o contrário, criando ricos por herança, não por trabalho de cada um. Outro nome para parasitismo.
Por que não poderia ser assim?
Porque um mundo com bilhões de miseráveis implode.
Ou explode.
Será difícil encarcerar todos os descontentes.
Ou convencê-los a conformar-se com o que tem.
É tiro no pé.
O comunismo é a saída?
Claro que não.
Que tal reinventar o Estado do Bem Estar Social?
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