Mario Soares, líder socialista português no exílio, estava em Berlim no dia 25 de abril de 1974, quando os jovens oficiais do Exército derrubaram a ditadura em seu país. Tomou o trem para Lisboa, via Paris, mas só pôde entrar em Portugal três dias depois, 28 —a fronteira estava fechada, para impedir que os cardeais do regime deposto fugissem. Enquanto esperava para cruzá-la pela aldeia de Vilar Formoso, viu-se cercado por patrícios amorosos. A caravana não parou de crescer até a chegada na estação de Santa Apolônia, em Lisboa, e só então ele entendeu o tamanho de seus sonhos.
Seis meses depois, em outubro, saiu a edição portuguesa de seu livro "Portugal Amordaçado", escrito no exílio e, tal o seu prestígio, publicado em várias línguas, mas, óbvio, proibido pela ditadura. Descreve a trajetória de um professor, advogado e patriota que, tendo o seu país caído nas mãos do tirano Antonio de Oliveira Salazar, em 1926, quando ele estava com dois anos, levara a vida inteira sob o domínio do arbítrio.
O final do livro era emocionante: "Regressarei a Portugal logo que as circunstâncias o aconselhem. Serenamente, encararei os meus juízes e, eventualmente, os meus algozes. É um ato de fidelidade que devo ao meu país, ao ideal a que sirvo e a mim próprio". E completava: "Paris, fevereiro de 1972".
Dois anos depois, quando ele desceu daquele trem em triunfo, os juízes e algozes a que se referia estavam presos ou em seus próprios exílios. Mas já era um homem de 49 anos, idade então considerada avançada.
Bem, como sabemos, Soares teve tempo de sobra para, três vezes como primeiro-ministro e duas como presidente da República, ajudar a construir um país que, hoje, muitos invejam.
Ao morrer, no dia 7 último, aos 93, por maiores os sonhos, não lhe ficou nenhum por realizar.
Texto de Ruy Castro, na Folha de São Paulo.
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