Assédio sexual em debate no Egito
No Egito, assédio sexual é comum
Por SOUAD MEKHENNET
Cairo - Hoje em dia, antes de entrar em um elevador Warda sempre verifica se há pelo menos uma outra mulher presente. Em 16 de janeiro deste ano, ela quase foi estuprada. Aconteceu no início da tarde, em um elevador no centro do Cairo.
Um homem de cabelos pretos curtos entrou no elevador, recordou Warda. "Não olhamos realmente um para o outro; eu estava lendo mensagens no meu telefone", ela contou. O elevador, que tinha capacidade para quatro pessoas, parou de repente, e as luzes se apagaram.
Era um corte de eletricidade, uma ocorrência nada incomum em alguns bairros da capital egípcia. Warda e o homem gritaram pelo "bawab" -o zelador-, mas ninguém respondeu.
"Então senti a mão do homem dentro de minha calça. Pedi a ele que parasse, mas ele falou que era melhor eu calar a boca, senão ele tiraria suas facas", ela contou, esforçando-se para controlar as lágrimas. O homem abriu suas calças e se apertou contra ela por um tempo que lhe pareceu durar horas. Por sorte, a luz voltou. "Ele parou e me soltou. Eu não queria olhar na cara dele."
O elevador voltou ao térreo. O homem partiu, sem pressa, e ainda cumprimentou o bawab.
Warda, que pediu para que seu nome completo não fosse publicado, nunca chegou a denunciar o incidente. Centenas de milhares de mulheres no Egito são vítimas de assédio sexual todos os dias. Quase todas guardam silêncio, não querendo correr o risco de ser humilhadas ou vistas como culpadas pelos incidentes.
"O assédio verbal é algo que atinge basicamente todas as mulheres do Egito", falou Heba Morayef, pesquisadora da Human Rights Watch no Egito.
Um estudo feito em 2008 pelo Centro Egípcio de Direitos das Mulheres constatou que 83% das mulheres egípcias relataram ter sofrido assédio sexual, enquanto 62% dos homens egípcios admitiam ter assediado mulheres.
"Mas temos certeza de que os números reais são mais altos", falou Mona Ezzat, da Fundação Nova Mulher, no Cairo.
Heba Habib, estudante de direito do Cairo, falou que não suporta mais. Uma vez, ela disse, um taxista começou a lhe contar suas fantasias sexuais.
"Eu estava com tanta vergonha que tentei superar a situação dando risada", contou a estudante de 22 anos. "Quando saí do táxi e quis pagá-lo, vi que suas calças estavam abaixadas e que ele estava se masturbando." Ela jogou o dinheiro e foi embora.
Habib tornou-se colaboradora do Harassmap (harassmap.org), um site dirigido por voluntárias. Qualquer pessoa que tenha enfrentado ou testemunhado assédio sexual pode enviar uma mensagem de texto.
Em resposta, as pessoas recebem ofertas de apoio e ajuda. A co-fundadora da organização, Engy Ghozlan, disse: "Chamamos a atenção para os lugares de maior ocorrência de assédio e relatamos as denúncias".
As 12 mulheres entrevistadas para este artigo, além dos grupos de apoio, disseram que, mesmo quando mulheres denunciam casos sérios de violência sexual, os policiais muitas vezes não demonstram nenhuma sensibilidade ou desencorajam a queixa.
Na pesquisa de 2008 feita pelo centro de mulheres, 53% dos homens egípcios entrevistados disseram que as mulheres assediadas "atraem" isso.
Muitos grupos de mulheres no Egito participaram do levante nesse país em parte porque esperavam que ele resultasse em transformações para as mulheres. Em 8 de março, Dia Internacional da Mulher, quando Mona Ezzat e integrantes de seu grupo voltaram à praça Tahrir para reivindicar mais direitos, alguns homens cercaram duas das integrantes mais jovens do grupo e começaram a tocá-las, contou Ezzat, 37 anos.
Em junho uma jornalista egípcia foi atacada na praça Tahrir. Um policial a socorreu. Em fevereiro, a jornalista de TV americana Lara Logan também foi atacada na praça Tahrir.
Todas as mulheres defenderam a realização de um debate mais amplo com políticos, a mídia, escolas e instituições religiosas. "Tenho duas filhas, e estou ensinando duas coisas a elas", falou Lamya Lofty, 32. "Não deixe homem algum assediar você. E, antes de se casar, veja o que os irmãos e a mãe de seu noivo dizem sobre as mulheres."
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Texto publicado no New York Times, reproduzido na Folha de São Paulo, de 21 de novembro de 2011.
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