Inglaterra, século 16, agência de publicidade. “Adoramos sua ideia, Shakespeare, mas o cliente quer Hamlet segurando um biscoito, não um crânio. Tem como? E em vez de ‘ser ou não ser’, que tal ‘vende mais porque é fresquinho ou é fresquinho porque vende mais’? Confia, esse slogan vai pegar.”
E pegou mesmo. Não no palco de um teatro elisabetano, mas através do televisor de tubo da minha casa. Junto com outros clássicos que declamo até hoje, entregando minha idade. Afinal, o tempo passa, o tempo voa. E posso falar? Até que foi bom não poder pular os comerciais.
Em vez de robôs que enviam spam e algoritmos que esfregam produtos na nossa cara após um clique inocente na promo de um tênis, éramos manipulados por yuppies brilhantes, que vendiam caninha em Cannes como uma boa ideia.
Durante os intervalos do “Pica-Pau”, eu consumia o iogurte que vale por um bifinho e cantarolava seu jingle: “Carinhoso”, do Pixinguinha. Minha mãe ariava panela e ajeitava a antena da TV com a palha de aço de 1.001 utilidades. Meu pai se barbeava com o aparelho das lâminas duplas. “A primeira faz tchan, a segunda faz tchun.”
Cresci sabendo que tem coisas que só a publicidade faz por você. E, mesmo que eu cursasse todos os doutorados e MBAs do mundo, em Harvard ou no MIT, ficaria devendo lições à propaganda. Ela me ensinou sobre a metafísica platônica do xampu Denorex (que “parece, mas não é”) e redefiniu paradoxos como o do gatinho de Schrödinger da Parmalat.
Tivesse assistido àquela genial campanha de fraldas de 2006, até Freud poderia resumir volumes de sua obra com o bordão “respira, bumbum” —o que também renderia um bom mantra para nosso sádico governo federal.
Publicitário da série “Mad Men”, Don Draper dizia que o amor é um negócio inventado por sujeitos como ele para vender meia-calça. Ainda assim, amamos muito tudo isso.
Quem disse que não dá? Nos comovemos com a poesia de um comercial tão inesquecível como o do primeiro sutiã. Se bater vergonha, disfarça. Fala que não engasgou com choro: foi o bichinho do rran-rran.
Agora, ainda que você discorde de tudo o que escrevi, pelo menos alguma coisa a gente tem em comum: nostalgia. Inclusive, se deixei passar o slogan da sua vida, perdão. Minha memória não é mais uma Brastemp. Insira, aqui, seu favorito. Sempre cabe mais um.
Texto de Bia Braune, na Folha de São Paulo.
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