ob a luz fria do projetor da sala de reuniões, a funcionária faz uma apresentação para o seu chefe.
"Foi assim que nós chegamos a essa nova linha de produtos voltada inteiramente para o público masculino. Hoje em dia, os homens são tão vaidosos quanto as mulheres, ou até mais, segundo pesquisas."
"Mais vaidosos do que as mulheres? Duvido."
"O que nos leva a uma segunda característica fundamental do nosso público-alvo, que tem muita dificuldade em admitir esse cuidado com a beleza, com a higiene. Isso exigiu que a gente trouxesse uma nova roupagem para esses produtos. Por exemplo, esse é o nosso creme dental para homens."
"Qual a diferença para uma pasta de dentes normal?"
"Na composição, nenhuma. Mas a embalagem é azul e vem escrito FOR MEN em caixa alta. Ah, e ela é bem mais cara. Agora, para nossa linha de banho fomos além e desenvolvemos uma fórmula exclusiva, com fragrâncias apropriadas ao gosto masculino, como cerveja, churrasco, carro novo e tatame suado. O sabonete em barra vem no formato de radiador, com um grip para que ele não escorregue, caia no chão e o consumidor tenha que se abaixar para pegá-lo."
"Que sacada. Como eu não pensei nisso antes?"
"E desse produto eu sou suspeita para falar, é o meu queridinho. Um sabonete íntimo masculino. No rótulo de trás ainda tem um passo a passo ilustrado com instruções de uso. Até as mulheres vão aprovar, posso garantir."
"Olha, não é todo homem que não sabe fazer a própria higiene íntima."
"Foi o que a maioria dos entrevistados dos nossos grupos de pesquisa disse. Curiosamente, todos levaram as amostras para casa. Alguns até enviaram mensagens cobrando a data de lançamento. Não é ótimo?"
"Quer dizer que o consumidor está disposto a pagar mais por causa de um detalhe no rótulo?"
"O nosso público-alvo rotula os produtos de duas maneiras: ou é coisa de homem, ou de mulher. Na cabeça do consumidor, um simples gole de Guaraná Jesus, por ser uma bebida cor de rosa, pode pôr tudo a perder. A masculinidade é muito frágil e é nosso dever protegê-la com essa linha de produtos. Sem contar o potencial de retorno milionário para a nossa empresa. Mais alguma dúvida ou sugestão?"
"Essas amostras que você falou... sobrou alguma?"
Crônica de Manuela Cantuária, na Folha de São Paulo.
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