terça-feira, 17 de novembro de 2020

O senhorinho na fila do voto

 Ai, meus Deus, tem fila. Eu percebi ao chegar para votar, por volta das 10 horas deste domingo (15), na Fundação Getúlio Vargas, na praia de Botafogo. E não era pequena: estendia-se por mais de 100 metros, entrando pela rua Farani. O sol na cabeça.

A fila é um momento especial na chamada festa da democracia. Ficamos ali olhando as pessoas e tentando identificar, pelo jeitão delas, em quem vão votar. É mais difícil do que descobrir por qual time elas torcem. A minha era uma fila aparentemente normal, casal discutindo, garota usando uma discreta saída de praia, rapaz de bermuda e chinelo de dedo. A tentação de dar um mergulho tornava a espera mais irritante.

Aí notei o senhorinho a minha frente. Do nada, começou a fazer um discurso, comportamento típico em dia de eleição. Mas ele não pedia votos para seu candidato ou partido, tampouco reclamava do ministro Luís Roberto Barroso, presidente do TSE, pela desorganização. O tema era a prevenção à pandemia: "Os médicos não mandam a gente ficar em casa? Então o que estamos fazendo aqui?". Baixinho, barbudo, uma figuraça: boné verde e amarelo, camisa da CBF, duas bandeiras do Brasil que ele, sabe-se lá como, conseguiu pendurar nas axilas.

Mal andávamos e, chegando à entrada da FGV após 30 minutos, descobrimos o motivo da demora. As seções ficavam no alto do prédio, e só eram liberados três eleitores por elevador —quem quisesse subisse de escada.

Começou um pequeno tumulto: o meu patriota se recusava a usar máscara. "Isso é fantasia!", gritou ele, balançando os braços e as bandeiras do sovaco. Concordou a custo em pôr a máscara (também verde e amarela) que estava escondida no bolso. Antes deu a todos mais uma lição: "Essa Fundação Getúlio Vargas foi comprada pelos chineses!".

Enfim votei. Na saída, ainda procurei o senhorinho, mas ele havia sido tragado pelo mundo real.


Texto de Alvaro Costa e Silva, na Folha de São Paulo

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