quarta-feira, 30 de abril de 2014

Bob Hoskins, de "Uma Cilada para Roger Rabbit", morre aos 71 anos

Morreu nesta terça-feira (29) o ator Robert William Hoskins Jr., famoso por viver Eddie Valiant, em "Uma Cilada para Roger Rabbit" (1988) e Smee, em "Hook - A Volta do Capitão Gancho", de 1991. Bob, como era conhecido, estava internado em um hospital e teve complicações devido a uma pneumonia.  O britânico, que foi sucesso em Hollywood, anunciou sua aposentadoria em 2012, quando foi diagnosticado com mal de Parkinson. A informação foi confirmada pelo agente do ator, Clair Dobbs.


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terça-feira, 29 de abril de 2014

O roubo do futuro


O sempre instigante Hélio Schwartsman escreveu nesta Folha um artigo importante sobre o aborto ("Aborto, eleição e violinistas", 23/4/2014). Schwartsman tem razão: não há nada mais lamentável do que ver assuntos éticos importantes transformados em circo eleitoral.
Só não concordo com ele quando, a respeito de Eduardo Campos, o colunista não concebe que um socialista possa ser contra o aborto. Hélio Schwartsman ficaria espantado com a quantidade de "regimes socialistas" que tinham legislações antiaborto incomparavelmente mais "conservadoras" do que o Brasil.
E o inverso também é válido: basta conhecer os conservadores libertários dos Estados Unidos para encontrar posições radicalmente "progressistas" sobre o assunto. Em rigor, não existe "esquerda" e "direita". Existem apenas "esquerdas" e "direitas". No plural.
E depois existe o texto clássico de Judith Jarvis Thomson, que fez pelo aborto o mesmo que Henry Shue pela tortura: iniciou um debate ético que se prolonga até hoje.
Desde logo porque Thomson evita as discussões bizantinas sobre a "humanidade" do feto. O feto é um ser humano, admite ela. Mas isso não significa que todos os seres humanos têm igual direito à vida. Ou, como a própria escreve, o direito à vida não significa o direito de não ser morto. Significa, pormenor importante, o direito de não ser morto injustamente.
É no seguimento desse raciocínio que Thomson apresenta o famoso "violinista". Certo dia, acordamos ligados a ele. O violinista precisa dos nossos rins durante nove meses e uma sociedade musical, consciente da nossa compatibilidade renal, sequestrou-nos, sedou-nos e acoplou-nos o violinista. Será que temos o dever de ficar nove meses ligados a ele?
A essa pergunta eu respondo já: não temos. E, que se saiba, não existe nenhuma legislação equilibrada sobre o aborto que, em caso de violação ou de perigo para a saúde física ou psíquica da mãe, a obrigue a ficar nove meses ligada ao seu "violinista".
O problema com o ensaio de Thomson é que ele parte de um caso excepcional e até criminal --alguém me sequestrou para ligar um violinista aos meus rins-- para chegar a uma conclusão dogmática: nós só temos responsabilidades especiais por alguém se tivermos assumido tais responsabilidades.
Eis a fundamental fraqueza do ensaio: a sua insuficiente compreensão sobre a "ética da responsabilidade". Os filósofos Patrick Lee e Robert P. George, respondendo a Judith Thomson, sublinham precisamente esse ponto: nós temos certos deveres existenciais --para com os nossos pais, os nossos irmãos, os nossos amigos etc.-- que existem independentemente de os termos escolhido ou assumido.
Claro que podemos recusar tais deveres. Mas isso não apaga a existência desses deveres.
No caso do feto, e excetuando os casos radicais já referidos, a situação é ainda mais complexa tendo em conta a ligação biológica entre a mãe e o feto. O "violinista" é um estranho que abusa e parasita o corpo de outro estranho.
Mas será que Hélio Schwartsman poderá afirmar seriamente que o feto abusa e parasita o corpo de uma mulher? Será que o feto é assim tão criminoso como o violinista e a sociedade musical que sequestrou alguém para usar os seus rins?
É por isso que, na discussão sobre o aborto, existe um autor ainda mais estimulante do que Judith Thomson. O seu nome é Don Marquis.
Tal como a prof. Thomson, Marquis também não perde tempo com as discussões habituais sobre o estatuto do feto (é um ser humano? não é?).
Don Marquis prefere relembrar o básico: o feto é apenas o que fomos antes da nossa configuração presente. Ou, dito de outra forma, o feto será uma criança, um adolescente, um adulto --se não existir nenhum obstáculo terminal pelo caminho.
A questão fundamental está em saber que direito tem um adulto de ser esse obstáculo.
Ou, para usar a linguagem de Marquis, como justificar um ato que, ao terminar com uma vida, termina também com "todas as experiências, atividades, projetos e fruições que de outra forma seriam parte do futuro de alguém"?
O debate sobre o aborto é, em suma, o debate sobre o roubo de um futuro. Pessoalmente, confesso que ainda não encontrei nenhuma resposta convincente para justificar esse roubo.


Texto de João Pereira Coutinho, na Folha de São Paulo
 

Melhor, mas pior


Com intervalo de quatro dias, dois dos jornalistas que mais respeito pela integridade e aprecio pela qualidade, Vinicius Torres Freire e Ricardo Melo, levam-me a ser mais uma vez desagradável com o meu meio.
Na Folha de ontem, Ricardo Melo relembra a presença de "representantes do mercado'" no Conselho de Administração da Petrobras, quando comprada a refinaria de Pasadena, e pergunta: "Pois bem: onde foram parar nessa história toda Fábio Barbosa, Cláudio Haddad, Jorge Gerdau, expoentes do empresariado' brasileiro que, com Dilma Rousseff e outros, aprovaram o negócio? Serão convocados a depor, ou deixa pra lá?".
A pergunta não expõe apenas Aécio Neves, Eduardo Campos, Aloysio Nunes Ferreira e seus subsidiários, que se limitam a explorar, na "história toda" de Pasadena, o que lhes pode dar proveito eleitoral. Os empresários citados não serão "deixados pra lá". Já foram deixados. Pela imprensa. Nas práticas simultâneas de repetir, dia a dia, no noticiário e em artigos, a aprovação do negócio pelo "conselho presidido por Dilma Rousseff" e jamais mencionar os outros conselheiros.
Se o negócio foi aprovado pelo conselho, nos termos e condições expostos aos conselheiros, é óbvio que não houve um votante só. Mas os outros não interessam. Nem é apenas por serem empresários que mais conselheiros também estão dispensados de menção na imprensa. É, só pode ser, porque a exclusividade adotada vem do mesmo objetivo de Aécio Neves, Eduardo Campos e outros. Se a imprensa o faz, ou não, para beneficiar esse ou aquele, pouco importa. Mais significativa é a predominância da prática política.
Também na Folha, dia 24 último, Vinicius Torres Freire observa: "O Datafolha registra um nível de insegurança econômica inédito desde os piores dias de FHC, embora a situação econômica e social seja muito melhor agora".
Algo provoca tal contradição. Não pode ser a percepção espontânea e geral, porque a situação "muito melhor" não lhe daria espaço. O que poderia ser, senão os meios de comunicação desejosos de determinado efeito? Se, apesar da situação melhor, o sentimento é pior, claro que se trata de sentimento induzido. Um contrabando ideológico.
Terminaram depressa as rememorações do golpe de 64. O corporativismo apagou a memória da função exercida pela imprensa no preparo do golpe e no apoio à apropriação do poder, de todos os poderes, pelos militares. Não há, nem de longe, semelhança entre aquela imprensa e a atual. Mas o seu estrato mais profundo, econômico, social e político, mudou menos do que a democracia pede. E conduz às recaídas cíclicas dos meios de comunicação em práticas próprias de partidos e movimentos políticos. Estamos entrando em mais uma dessas fases.

Texto de Jânio de Freitas, na Folha de São Paulo

Viúvas da ditadura faltam ao enterro: na despedida, o torturador ficou só

As contas oscilam, mas nenhuma reportagem descreveu mais de meia centena de pessoas no velório e no enterro  do torturador, matador e ocultador de cadáveres Paulo Malhães. Bernardo Tabak, repórter do UOL, somou vinte na despedida.
No sábado à tarde, no cemitério de Nova Iguaçu, estiveram parentes do oficial reformado do Exército, que teve cinco filhos, e alguns vizinhos da Baixada Fluminense.
É possível que, anônimo, tenha passado por lá algum velho camarada de jornadas macabras dos tempos da ditadura ou chapa dos serviços de “segurança'' _isto é, atividades de extermínio_ prestados pelo militar a próceres da contravenção.
Porém, não se viu um só bicheiro conhecido ou veterano manjado da repressão política. Abandonado por seus parceiros, o torturador ficou só.
Dos seus sócios e apoiadores em práticas como seviciar oposicionistas até a morte e depois cortar dedos, arrancar dentes e extirpar vísceras dos seus corpos, pode-se dizer que a idade dificulta a locomoção. Mas não são eles que, volta e meia, acorrem a convescotes que celebram a falecida ditadura?
Muitos vivem em outros Estados, é verdade. Mas o Rio continua sendo a concentração mais ruidosa dos partidários dos governos instaurados em 1964.
E o que dizer dos que, tão corajosos em vilipendiar, na internet, quem denuncia as excrescências da ditadura, não tiveram coragem de dar adeus ao coronel (ou tenente-coronel) que até o fim não se arrependeu dos seus crimes?
Prevaleceu a covardia.
Assim como eram covardes os agentes públicos que, aplicando política oficial, torturavam e assassinavam militantes sob custódia do Estado, são pusilânimes os saudosistas daquele tempo. A bravura vomitada em comentários de notícias, blogs e redes sociais se dilui na vida real.
Malhães, como se sabe, morreu na quinta-feira em circunstâncias ainda não esclarecidas.
Em meio a tantas suspeitas e versões, há uma evidência: o site “A verdade sufocada'', vinculado ao coronel reformado Carlos Alberto Brilhante Ustra, trucidou a verdade ao informar na sexta-feira que Malhães havia recebido quatro tiros. Inexiste, até agora, relato de que ele tenha sido baleado.
Outro equívoco é supor que eventual colapso cardíaco do facínora tenha ocorrido enquanto ele regava suas orquídeas no sítio onde vivia. O militar estava em mãos de homens que invadiram sua residência, conforme relato da viúva. A perícia recolheu um travesseiro onde, de acordo com a senhora Malhães, havia marcas de sangue.
Para registro histórico: há pelo menos um episódio em que um opositor à ditadura morreu de colapso cardíaco, como informou o laudo da necropsia e testemunhou uma companheira. O que o laudo não contou e ela revelou é que o coração entrou em pane quando o guerrilheiro era torturado no pau-de-arara e recebia doses cavalares de choque elétrico.
Não se sabe ainda como Malhães morreu, mas não se ignora que ele foi atacado. Portanto, não teria morrido, e sim sido morto.
Sobre a identidade de quem o atacou há um sem-número de hipóteses. Só os adivinhões de sempre, alguns virgens de qualquer investigação jornalística ou policial, prescindem de apuração para saber o que ocorreu.
O certo é que, na hora derradeira, as viúvas da ditadura abandonaram Malhães.
Seus amigos e admiradores não foram valentes nem para ir até o cemitério.


Reprodução do Blog do Mário Magalhães

Neurônios em fuga


No auge do "poder jovem" --um delírio planetário de fins dos anos 60, em que nós, jovens, acreditávamos que íamos tomar o poder--, Nelson Rodrigues declarou: "Jovens de todo o mundo, envelheçam!". O maravilhoso espírito de porco não podia saber que seu conselho já estava sendo seguido pela natureza. Um estudo recente da Universidade Simon Fraser, no Canadá, descobriu que nosso declínio cognitivo não precisa esperar pela terceira idade. Começa aos 24 anos.
É quando, diz o estudo, o cérebro passa a sofrer uma queda de produção e, a cada 15 anos, o ritmo cognitivo cai 15%. Significa que morrem mais neurônios do que o organismo é capaz de repor. O que, claro, não o impede de conter neurônios mais do que suficientes para continuar funcionando --mas explica por que certas informações parecem se apagar de repente da nossa cabeça.
Aos 24 anos, por exemplo, em 1972, já não me lembrava em qual deputado tinha votado na única eleição de que participara, a de 1966. (Provavelmente anulei o voto, seguindo a burra palavra de ordem da época.) Aos 26, passei a usar óculos e, no começo, não sabia onde os tinha deixado. Vivia procurando-os pela casa --apenas para descobrir que estavam no meu nariz. Aos 32, evaporei da memória uma namorada que perdi para o Ricardão.
Aos 36, talvez em busca de espaço, meu cérebro apagou tudo que eu sabia de matemática, física e química --triângulos isósceles e escalenos, roldanas e polias, a fórmula do cobre etc. Pena que, ao mesmo tempo, tenha deletado também os afluentes do rio Amazonas, a ordem dos planetas no Sistema Solar e as escalações dos times do Bangu e do América nos anos 50. E por aí foi.
Há algum tempo venho aplicando o único antídoto que conheço contra essa deterioração. Para conservar o que já tenho em estoque, decidi não aprender mais nada.


Texto de Ruy Castro, na Folha de São Paulo

Camarotes de VIPs são uma ameaça ao espírito democrático

Camarotes de VIPs são uma ameaça ao espírito democrático


Filósofo critica 'camarotização' de estádios e afirma que vida comum saudável depende de espaços públicos com mistura de classes
 
RAUL JUSTE LORES DE WASHINGTON

O curso "Justiça" fez o filósofo Michael Sandel, 61, virar um dos professores mais populares da história da Universidade Harvard. Suas aulas foram vistas por mais de 12 milhões de pessoas on-line e exibidas como séries nas redes públicas de TV PBS e BBC.
Neste mês, participará do evento "Fronteiras do Pensamento", com palestras em São Paulo e Porto Alegre sobre seu livro "O Que o Dinheiro Não Compra - Os Limites Morais do Mercado" (editora Civilização Brasileira).
Nessa sua última obra, o professor diz que a entrada do dinheiro em diversas áreas "corrompe" seus objetivos. Cita exemplos: da escola em Israel que começou a cobrar de pais que chegavam atrasados para buscar seus filhos ("como se tornou um bem a ser pago, o constrangimento diminuiu e o número de pais atrasados aumentou") à compra de sangue ("a doação caiu quando começou a ser tratada como produto").
Ele diz que faltam "perguntas e debate" para saber em quais espaços o mercado é bem-vindo ou não. Sandel recebeu a Folha em seu escritório em Harvard.
Folha - O sr. critica a "camarotização" da vida pública nos EUA, onde se paga para ser VIP. Onde não há mistura de classes e convívio, o bem público e o espírito democrático estariam em risco. Como desenvolver esse espírito?
Michael Sandel - Nos EUA, as elites parecem desesperadas em não se misturar com os demais. Vida comum é saudável, e uma democracia vibrante precisa de lugares públicos que misturem diferentes classes. A camarotização é uma ameaça à democracia, ao espírito do bem comum. Os esportes costumavam ser essa arena. Mas a camarotização dos estádios tem repetido a segregação.
No Brasil, a insegurança produziu uma sociedade ainda mais segregada.
O maior erro é pensar que serviços públicos são apenas para quem não pode pagar por coisa melhor. Esse é o início da destruição da ideia do bem comum. Parques, praças e transporte público precisam ser tão bons a ponto de que todos queiram usá-los, até os mais ricos. Se a escola pública é boa, quem pode pagar uma particular vai preferir que seu filho fique na pública, e assim teremos uma base política para defender a qualidade da escola pública. Seria uma tragédia se nossos espaços públicos fossem shoppings centers, algo que acontece em vários países, não só no Brasil. Nossa identidade ali é de consumidor, não de cidadão.
O sr. conta que a associação de aposentados americanos não convenceu advogados a trabalhar por honorários baratos para seus sócios. Mas que eles aceitaram trabalhar de graça. A filantropia americana não seria diferente se não houvesse vantagens fiscais e uma lei taxando heranças?
Incentivar filantropia é bom. Promover a dedução de impostos nesse caso é uma declaração pública de que doações são hábitos que queremos encorajar. Mas, em outros casos, incentivos podem ser danosos. Oferecer dinheiro para que alunos leiam livros pode ser corrosivo. Se acharem que ler é um trabalho que merece ser pago, vai ser difícil descobrirem que é prazeroso, que os faz seres humanos mais reflexivos.
No Brasil, onde a cultura da filantropia é menos comum, alunos e professores protestaram contra batizar classes com nomes de doadores, mesmo estando em universidades públicas. Quando é legítimo advogar por mais mercado?
Sou cético sobre batizar bens ou espaços públicos e cívicos com nomes corporativos. Nos EUA, temos viaturas policiais, carros de bombeiros, propaganda em escolas, em peruas escolares, nos uniformes e nas lanchonetes. Principalmente nas escolas, prefiro um certo santuário, certa distância do marketing.
Nas universidades, é diferente. Universitários são mais maduros, menos impressionáveis que crianças. Sempre devemos nos perguntar quando algo corrompe. O prédio em que estamos aqui em Harvard é batizado com nome de doador. Nesse caso, isso não afeta a maneira como dou aulas ou o comportamento dos alunos.
No Brasil, há extremos opostos ao que o sr. descreve. Esperamos muito do governo, mesmo com alta carga tributária e má qualidade dos serviços.
Às vezes, mais mercado é necessário. Meu livro não é contra o livre mercado. É contra os excessos, o domínio de cada aspecto da vida. Mercado é ferramenta para organizar uma economia produtiva. Mas não pode regular tudo: política, lei, espaço público, saúde, educação. Há burocracias ineficientes em fornecer serviços. Agências governamentais às vezes têm um poder que não presta contas, o mercado é mais eficiente em algumas áreas.
Quando o poder é muito concentrado, seja nas mãos do governo ou de oligopólios privados, há espaço para ineficiência e corrupção. Governos de vários países tinham companhias aéreas. O setor privado tampouco é muito bom nessa área, mas não há razão para subsidiar com dinheiro público esse setor.
Por que o sr. é contrário ao crédito de carbono [certificado para pessoa ou empresa que reduz emissão de gases do efeito estufa e que é negociável no mercado internacional]?
Precisamos ter um imposto sobre emissões que faça cada um pagar o preço do estrago. Minha preocupação é que esse mercado de créditos permita aos países ricos fugir de seus sacrifícios compartilhados. Pode ser "eficiente" para os economistas que os ricos paguem para continuar poluindo, mas isso não cria uma ética de longo prazo de que todos precisamos mudar nosso estilo de vida.
O sr. já esteve no Brasil, falando de seu livro "Justiça". O conceito de jeitinho brasileiro denota uma moral elástica quanto ao cumprimento de leis. O sr. ouviu questões diferentes sobre justiça no país?
Os brasileiros me pareceram preocupados com corrupção. Minha primeira visita aconteceu quando o julgamento do mensalão começava. Depois, vieram protestos contra o aumento das tarifas e o desperdício na Copa e na Olimpíada. Minha segunda visita foi logo depois, em agosto, testemunhei um desenvolvimento surpreendente no ativismo cívico. Para todos que perguntava, havia simpatia pelos protestos.
Fiquei surpreso com o fato de que a maioria achava que mudanças aconteceriam. As expectativas eram muito altas. Temo pelo efeito da desilusão na energia cívica.
O sr. diz que a crença no poder do mercado esvaziou o debate público. Por quê?
Há uma hesitação em trazer argumentos morais para a praça pública. A fé no mercado tem ocupado todo o discurso nas últimas três décadas. Se os mecanismos de mercado pudessem resolver todos os problemas, haveria pouco espaço para a deliberação democrática.
Em sociedades pluralistas e multiculturais como as nossas, pessoas discordam sobre questões fundamentais. Para evitar controvérsia, os políticos se calam. Há tanta frustração no mundo com a política, os partidos, os políticos porque não há respostas para o que mais interessa. A política acabou sendo dominada por retórica de gerenciamento, tecnocrática, que evita falar dos grandes temas.
A crise de 2008 ajudou a eleger Obama como presidente da "mudança". Por que tão pouco mudou?
Nos anos 1980, [o presidente americano Ronald] Reagan e [a primeira-ministra britânica Margaret] Thatcher vieram com uma ideologia explícita que dizia que o mercado tinha resposta para tudo e que o governo era o problema. Foi o triunfalismo de mercado.
Só que eles foram sucedidos pela centro-esquerda, do [primeiro-ministro Gerhard] Schroeder, na Alemanha, a Tony Blair [primeiro-ministro britânico] e Bill Clinton [presidente americano], que não questionaram a questão dos mercados. Eles consolidaram a crença de que o mercado tem resposta para tudo. É o debate que está faltando: onde o mercado serve ao bem comum e onde ele não serve.


Reprodução da Folha de São Paulo.

A direita levanta a cabeça

Os sinais estão à vista. A disposição de enxergá-los depende de cada um.
1- Numa afronta à democracia, a ministra do Supremo Tribunal Federal Rosa Weber decide que a CPI da Petrobras tem que ser assim, e não assado. Pouco importa a decisão do Senado. A propósito, quantos votos teve a magistrada para imaginar que a opção de milhões de eleitores, que, mal ou bem, escolheram seus representantes no Congresso, vale menos que a dela?
2- A Petrobras aprovou uma compra mais do que polêmica de uma refinaria em Pasadena, nos EUA.
Isso já é sabido de todos. Mas alguns detalhes são interessantes: o conselho que aprovou a operação reunia representantes do "mercado" e do governo. Uma espécie da tal parceria público-privada sonhada e idolatrada por 11 entre 10 teóricos neoliberais. Pois bem: onde foram parar nessa história toda Fábio Barbosa, Cláudio Haddad, Jorge Gerdau, expoentes do "empresariado" brasileiro que, com Dilma Rousseff e outros, aprovaram o negócio? Serão convocados a depor, ou deixa pra lá?
3- Num atentado às regras mais elementares da Justiça, o Supremo mantém encarcerado o ex-ministro José Dirceu em regime fechado, embora sucessivas sentenças do mesmo tribunal tenham condenado o réu a cumprir regime semiaberto. Aliás, Dirceu vive uma situação "sui generis": foi condenado como chefe de uma quadrilha que, depois, o próprio Supremo concluiu que não existia.
4- Uma promotora do Distrito Federal, Márcia Milhomens Sirotheau Corrêa, com a maior sem-cerimônia, pede a quebra de sigilo telefônico não apenas de pessoas determinadas, mas de uma área geográfica que envolve o Palácio do Planalto, o STF etc., ao melhor estilo NSA de Obama. A desculpa oficial: apurar se José Dirceu usou ou não um celular na prisão -na qual, nunca é demais frisar, está detido ilegalmente. Qual a base para o pedido da sra. Corrêa? Denúncias informais, feitas por gente que não quis se identificar ou prestar um depoimento. Está certo que nossas faculdades de direito não são nenhuma maravilha, mas chegar a esse ponto para justificar a arapongagem desavergonhada é fazer pouco do mais ingênuo dos brasileiros.
5- Depois de anos e anos, o STF absolve o ex-presidente Fernando Collor da montanha de crimes de que era acusado. Detalhe: o processado sofreu um impeachment por causa daquelas acusações, de resto muito mais evidentes e escancaradas do que, por exemplo, as do chamado mensalão. Bem, o "caçador de marajás" foi deposto, lembram-se? Dona Rosa Weber vai querer devolver o cargo a ele?
6- Pouco tempo depois de confessar as atrocidades cometidas durante a ditadura militar, o coronel reformado Paulo Malhães foi assassinado no Rio de Janeiro. Malhães é aquele que ensinou como sumia com vestígios das vítimas na época anterior aos exames de DNA. Bastava tirar a arcada dentária, cortar os dedos para desaparecer com as digitais e lançar o cadáver, ou o que sobrou, num rio. Diante disso, não é preciso ser nenhum Eliot Ness para saber que a morte de Malhães foi uma queima de arquivo –como, aliás, ele próprio antecipou em seus depoimentos.
Dizem os compêndios: dias antes do golpe militar de 1964, lideranças pró-governo faziam pouco dos que alertavam para o risco de uma quartelada contra Jango Goulart. Uma das frases célebres: "Se a direita levantar a cabeça, ela será cortada". Deu no que deu. As condições são diferentes, o mundo não é o mesmo, mas, pelo sim, pelo não, é sempre bom ficar esperto. Ou então esperar mais 50 anos para ouvir outra ladainha de "autocríticas".


Texto de Ricardo Melo, na Folha de São Paulo.

Os Escuros

A decisão liminar da ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal, de que a CPI aprovada no Senado se ocupe da Petrobras, e não também da corrupção no metrô e nos trens paulistas, corresponde ao que sempre foram as CPIs. O que surpreende é o argumento aparentemente decisivo para a ministra: a preservação de direitos da minoria (no caso, a oposição, proponente da CPI da Petrobras). Investigar também os dois assuntos de corrupção em São Paulo não seria impedimento à investigação da Petrobras e, portanto, ao direito da minoria.
Se Renan Calheiros e outros quiserem fazer uma CPI para os casos paulistas, como apregoam, os fatos já conhecidos a respeito mais do que justificam a iniciativa: é indecente que esses dois casos só se tornassem conhecidos no Brasil, e apenas conhecidos, por investigações feitas na Europa.
A exploração política e eleitoreira que a oposição e meios de comunicação fazem do caso Petrobras está prejudicando mais a empresa, patrimônio nacional com imensa importância externa, do que alcançando os fatos e respectivas responsabilidades. Registrem-se também certas contribuições sorrateiras da Polícia Federal. Mas nem há o que discutir quanto à necessidade de investigação das longas obscuridades da Petrobras, que não são poucas.


Trecho da coluna de Jânio de Freitas, na Folha de São Paulo

Tribunal egípcio condena líder da Irmandade Muçulmana e 682 islamitas à morte

Uma corte egípcia sentenciou hoje 683 supostos seguidores da Irmandade Muçulmana à morte, incluindo Muhammad Badie, o líder supremo dessa organização islamita.
É o segundo forte golpe dado pelo Judiciário nos aliados do ex-presidente Mohammed Mursi, deposto em julho de 2013. Em março deste ano, o mesmo juiz havia sentenciado 529 islamitas à morte.
As penas precisam, no entanto, ser avaliadas pela liderança religiosa no país e então confirmadas pela corte. Dos 529 islamitas condenados à morte em março, apenas 37 tiveram a sentença confirmada ontem. Os demais foram sentenciados a 25 anos de prisão.
Organizações internacionais condenaram o julgamento como tendo carecido de "garantias básicas de um processo justo", de acordo com a Anistia Internacional. Advogados de defesa boicotaram audiências.
Os réus foram condenados por um episódio de violência em agosto do ano passado, em enfrentamento com a Polícia. Segundo o governo, islamitas agrediram as forças de segurança e atacaram igrejas ao redor do país.
A decisão da corte causou comoção no lado de fora da corte, com famílias acusando o governo interino -apoiado pelo Exército- de perseguir membros da Irmandade Muçulmana.
A organização islamita havia conquistado a Presidência por meio das primeiras eleições livres do Egito, em 2012. Um ano depois, porém, Mursi foi deposto do cargo por manifestações populares e pela mão firme do Exército. Ele está detido desde então.
No último ano, as autoridades egípcias têm entrado em constante conflito com islamitas, além de ter prendido centenas deles. A Irmandade Muçulmana foi recentemente considerada uma organização terrorista, voltando assim aos anos de perseguição política que viveu nas décadas anteriores.
O governo interino do Egito tem perseguido, também, os jovens do movimento 6 de Abril, que foram às ruas em 2011 para pedir a deposição do ex-ditador Hosni Mubarak. O grupo, acusado de espionagem, foi hoje considerado ilegal e teve as atividades proibidas.


Reportagem de Diogo Bercito para a Folha de São Paulo

domingo, 27 de abril de 2014

Escândalos em série

Há cerca de uma década, um sociólogo da Universidade de Cambridge, John B. Thompson, formulou uma "teoria do escândalo" ("O escândalo político", Vozes, 2002). O autor realizou notável pesquisa histórica, permitindo um olhar mais distanciado e crítico dos acontecimentos que passaram ao centro da disputa pelo poder.
O escândalo sempre existiu. No grego antigo, skándalon designava algo como "pedra de tropeço", situações que representam "uma armadilha, um obstáculo ou uma causa de deslize moral". No Antigo Testamento, aparece como teste de fé para o povo eleito. Mas do século 18 para cá, o fenômeno tomou outra configuração, devido, sobretudo, à constituição do jornalismo como campo autônomo, relativamente independente de outros poderes.
Se não houvesse uma imprensa capaz de procurar e amplificar os tropeços morais, o impacto do escândalo seria bem menor. Com a multiplicação dos meios de comunicação e o crescimento exponencial de sua abrangência dos anos 1960 para cá, ocorreu novo salto. Aquilo que era elemento adicional tornou-se característica central. Por isso, Thompson batizou a feliz expressão "escândalo político-midiático" (EPM).
A mídia não cria o escândalo, mas a divulgação que lhe dá é tão decisiva quanto o próprio conteúdo propalado. Daí a importância de garantir equilíbrio na cobertura, o que não é um problema trivial, pois é preciso regular a imprensa sem tirar-lhe a independência e a liberdade.
O EPM tornou-se o centro da política democrática desde o vazamento dos chamados "papéis do Pentágono" sobre a guerra do Vietnã em 1967. Em seguida, veio Watergate, que criou paradigma mundial, com o rol combinado do jornalismo investigativo e dos inquéritos oficiais no cerco ao ex-presidente Nixon.
Cada país tem estilo próprio de EPM. Em alguns, denúncias envolvendo a sexualidade tem lugar cativo na grade de programação. Em outros, o assunto não comove. No Brasil pós-redemocratização, começa, em geral, pelo vazamento de vínculo entre figuras alojadas no Estado (federal, estadual ou municipal) e setores econômicos que financiam máquinas políticas em troca de ajuda nos negócios. Depois vem o circuito imprensa-Polícia Federal-CPI, que se retroalimenta.
Os casos em curso (Petrobras e Alstom) são apenas a bola da vez. Antes deles vieram outros, depois, novos se seguirão. Sem abrir mão de exigir transparência, apuração e punição, a sociedade brasileira precisa entender que esse é o modo pelo qual funciona a política contemporânea, para o bem e para o mal. Para o bem, pois há mais controle do que no passado. Para o mal, uma vez que mostra a necessidade urgente de reforma política que parece ainda distante.


Texto de André Singer, na Folha de São Paulo

quinta-feira, 24 de abril de 2014

Nos EUA, 1º casamento lésbico triplo do mundo espera um filho


Três norte-americanas, Brynn, Doll and Kitten Young, viraram notícia em todo o mundo nesta quarta-feira (23), após assumirem publicamente dois feitos pioneiros em matéria de liberdades individuais.
Primeiro, elas celebraram, em agosto do ano passado, o primeiro 'casamento gay triplo' --por assim dizer-- do mundo.
Agora, as três anunciaram que estão esperando o primeiro filho, que deve nascer em julho.
A história do 'trouple' (neologismo baseado na palavra 'couple' --'casal', em inglês), foi contada hoje pelo site "Daily News".
Doll, 30, e Brynn, 32, namoravam havia dois anos e meio, em 2011, quando decidiram buscar, em um site de relacionamentos, uma terceira companheira. Foi quando conheceram Kitten, 27, que está grávida.
O processo foi feito através de fertilização in vitro a partir do esperma de um doador desconhecido.
"Nós três sempre quisemos um filhos e aumentar a nossa família", declarou Kitten ao jornal "The Sun".
Ainda de acordo com Kitten, a escolha sobre quem daria à luz um bebê que já tem três mães foi decidida sem brigas, em comum acordo.
"Nós decidimos que eu ficaria grávida porque eu gosto da ideia de ser uma mãe em tempo integral", declarou à publicação.

Casamento não é reconhecido

Em 2004, o Estado Americano de Massachusetts se tornou o primeiro do país a legalizar o casamento entre pessoas do mesmo sexo. 
Mas não reconhece a poligamia, por isso, o casamento gay triplo não é reconhecimento formalmente.
"Aos nossos olhos, estamos casadas", diz Brynn. "E temos advogados especializados para garantir que o nosso patrimônio seja dividido de forma equivalente".

Reprodução do UOL Notícias

quarta-feira, 23 de abril de 2014

Selfies


Muita gente se irrita, e tem razão, com o uso indiscriminado dos celulares. Fossem só para falar, já seria ruim. Mas servem também para tirar fotografias, e com isso somos invadidos no Facebook com imagens de gatos subindo na cortina, focinhos de cachorro farejando a câmera, pratos de torresmo, brownie e feijoada.
Se depender do que vejo com meus filhos —dez e 12 anos—, o tempo dos “selfies” está de todo modo chegando ao fim. Eles já começam a achar ridícula a mania de tirar retratos de si mesmo em qualquer ocasião. Torna-se até um motivo de preconceito para com os colegas.
“Fulaninha? Tira fotos na frente do espelho.” Hábito que pode ser compreensível, contudo. Imagino alguém dedicado a melhorar sua forma física, registrando seus progressos semanais. Ou apenas entregue, no início da adolescência, à descoberta de si mesmo.
A bobeira se revela em outras situações: é o caso de quem tira um “selfie” tendo ao fundo a torre Eiffel, ou (pior) ao lado de, sei lá, Tony Ramos ou Cauã Reymond.
Seria apenas o registro de algo importante que nos acontece —e tudo bem. O problema fica mais complicado se pensarmos no caso das fotos de comida. Em primeiro lugar, vejo em tudo isso uma espécie de degradação da experiência.
Ou seja, é como se aquilo que vivemos de fato —uma estadia em Paris, o jantar num restaurante— não pudesse ser vivido e sentido como aquilo que é.
Se me entrego a tirar fotos de mim mesmo na viagem, em vez de simplesmente viajar, posso estar fugindo das minhas próprias sensações. Desdobro o meu “self” (cabe bem a palavra) em duas entidades distintas: aquela pessoa que está em Paris, e aquela que tira a foto de quem está em Paris.
Pode ser narcisismo, é claro. Mas o narcisismo não precisa viajar para lugar nenhum. A complicação não surge do sujeito, surge do objeto. O que me incomoda é a torre Eiffel; o que fazer com ela? O que fazer de minha relação com a torre Eiffel?
Poderia unir-me à paisagem, sentir como respiro diante daquela triunfal elevação de ferro e nuvem, deixar que meu olhar atravesse o seu duro rendilhado que fosforesce ao sol, fazer-me diminuir entre as quatro vigas curvas daquela catedral sem clero e sem paredes.
Perco tempo no centro imóvel desse mecanismo, que é como o ponteiro único de um relógio que tem seu mostrador na circunferência do horizonte. Grupos de turistas se fazem e desfazem, há ruídos e crianças.
Pego, entretanto, o meu celular: tiro uma foto de mim mesmo na torre Eiffel. O mundo se fechou no visor do aparelho. Não por acaso eu brinco, fazendo uma careta idiota; dou de costas para o monumento, mas estou na verdade dando as costas para a vida.
Não digo que quem tira a foto da cerveja deixe de tomá-la logo depois. Mas intervém aí um segundo aspecto desse “empobrecimento da experiência”. Tomar cerveja não é o bastante. Preciso tirar foto da cerveja. Por quê?
Talvez porque nada exista de verdade, no mundo contemporâneo, se não for na forma de anúncio, de publicidade. Não estou apenas contando aos meus seguidores do Facebook que às 18h42 de sábado estava num bar tomando umas. Estou dizendo isso a mim mesmo. Afinal, os meus seguidores do Facebook, sei disso, não estão assim tão interessados no fato.
Não basta a sede, não basta o prazer, não basta a vontade de beber. Tenho de constituí-la como objeto publicitário. Preciso criar a mediação, a barreira, o intervalo entre o copo e a boca.
Vejam, pergunto a meus seguidores inexistentes, “não é sensacional?”. Eis uma cerveja, a da foto, que nunca poderá ser tomada. A foto do celular imortaliza o banal, morrerá ela mesma em algum arquivo que apagarei logo depois.
Não importa; fiz meu anúncio ao mundo. Beber a cerveja continua sendo bom. Mas talvez nem seja tão bom assim, porque de alguma forma a realidade não me contenta.
A imagem engoliu minha experiência de beber; já não estou sozinho. Mesmo que ninguém me veja, o celular roubou minha privacidade; é o meu segundo eu, é a minha consciência, não posso andar sem ele, sabe mais do que nunca saberei, estará ligado quando eu morrer.
Talvez as coisas não sejam tão desesperadoras. Imagine-se que daqui a cem anos, depois de uma guerra atômica e de uma catástrofe climática que destruam o mundo civilizado, um pesquisador recupere os “selfies” e as fotos de batata frita.
“Como as pessoas eram felizes naquela época!” A alternativa seria dizer: “Como eram tontas!”. Dependerá, por certo, dos humores do pesquisador.


Texto de Marcelo Coelho, na Folha de São Paulo

Embargo afeta cinema em Cuba


Embargo afeta cinema em Cuba
Por VICTORIA BURNETT

CIDADE DO MÉXICO - Em termos de Hollywood, a mudança seria mínima. No entanto, para o cineasta cubano Miguel Coyula, acostumado a lidar com orçamentos pequenos, os US$ 5.200 (R$ 11.500) obtidos em um site de financiamento foram cruciais para fazer seu filme de ficção científica.
Com o dinheiro, angariado no site de financiamento Indiegogo, ele comprou equipamentos de iluminação, uma Steadicam e um tripé para seu filme, "Blue Heart" [Coração Azul].
O Indiegogo, porém, suspendeu a campanha em agosto e congelou o dinheiro após verificar que transferir fundos para Cuba ou para um residente cubano violaria o embargo econômico imposto pelos Estados Unidos.
"Foi como se puxassem meu tapete", disse Coyula. "Foi aí que percebi que estava realmente sozinho e o quanto é difícil fazer um filme em Cuba, pois tanto o governo cubano quanto o americano criam obstáculos."
Alexandra Halkin, diretora da Iniciativa para Mídia das Américas, disse que o financiamento coletivo havia aberto uma brecha -embora por breve tempo- em um país no qual há poucas fundações sem fins lucrativos para financiar as artes e escasso apoio do governo.
Como há fontes não americanas disponíveis, Cuba produz filmes em parceria com empresas de países como Espanha, França e México, ou com financiamento, por exemplo, da Ibermedia, um programa com patrocínio estatal da Espanha para financiar filmes latinos.
Mas ficou bem mais difícil obter dinheiro da Espanha devido à crise econômica. E os EUA seriam um "financiador natural" do cinema cubano, comentou Halkin, em vista da história partilhada dos dois países.
O cinema cubano mudou muito nos últimos anos. O papel do Estado diminuiu, a tecnologia digital viabilizou produções independentes e a internet abriu vias para o financiamento.
Um número crescente de filmes cubanos selecionados para festivais internacionais é feito com pouca ou nenhuma ajuda financeira de órgãos estatais.
Especialistas em cinema cubano dizem que o embargo está entravando o crescimento de um cinema cada vez mais independente do Estado e que apresenta com frequência uma reflexão realista da vida cubana ou ridiculariza o governo.
Filmes como "Pablo" (2012), de Yosmani Acosta, sobre a violência doméstica, e "Chamaco" (2010), de Juan Carlos Cremata, sobre a prostituição masculina, falam sobre temas debatidos nas ruas, mas raramente na mídia.
O filme "Memories of Overdevelopment" ["Memórias do Superdesenvolvimento"], feito por Coyula em 2010, tem uma cena em que o protagonista fala para uma bengala com cabeça de cão como se estivesse se dirigindo ao ex-ditador Fidel Castro.
"Minta mais para mim", diz. Em uma exibição em Havana, o público irrompeu em aplausos.
A lei americana determina que americanos só podem fazer um filme em Cuba como parte de um projeto de pesquisa. "É absurdo não termos legislação para produtores independentes", disse o diretor Esteban Insausti.
O fato é que a ameaça de ser alvo de um processo do Departamento do Tesouro e a enorme burocracia para obter uma permissão são suficientes para desencorajar muitas organizações.
Ubaldo Huerta, que geriu uma plataforma de financiamento coletivo, disse não acreditar que o embargo visava impedir os projetos. "Nós somos danos colaterais", ponderou.
Segundo especialistas, agora a indústria cinematográfica americana anseia por usar a ilha como locação e pelo contato com cineastas cubanos.
"Aqui nos EUA estamos impossibilitados de ter contato com jovens muito talentosos", disse Ann Marie Stock, diretora de estudos de cinema e mídia no College of William and Mary em Virgínia, autora de um livro sobre cinema cubano independente.
"Esses cineastas irão longe em suas carreiras, mas graças a empresas de produção espanholas e mexicanas, não a empresas americanas. Estamos perdendo oportunidades em termos econômicos e criativos."


Reprodução de notícia do The New York Times, na Folha de São Paulo

Torturados buscam justiça na Espanha


Torturados buscam justiça na Espanha
Por JIM YARDLEY

MADRI - Quando era estudante universitário esquerdista, José María Galante foi algemado ao teto de uma câmara de torturas em um subsolo, ficando suspenso no ar. Um inspetor de polícia riu e debochou dele, fazendo poses de artes marciais antes de chutar e socar seu rosto e peito.
O homem que teria torturado Galante foi um célebre justiceiro da ditadura de Franco na década de 1970, conhecido como Billy the Kid pelo hábito de girar sua arma com o dedo no gatilho.
Assim, Galante ficou espantado quando, no ano passado, o localizou morando perto de sua casa, na capital Madri.
"O que pensei quando o revi pela primeira vez? 'Agora pegamos você, seu filho da mãe'", Galante se lembrou.
"Concordo com a ideia de reconciliação. Mas não é possível simplesmente virar a página, e pronto. É preciso ler a página antes de virá-la", disse.
Pela primeira vez, Galante e outras vítimas querem levar à Justiça Billy the Kid, cujo nome real é Antonio González Pacheco.
O caso está reabrindo o doloroso passado franquista espanhol e abalando o pacto político que ajudou o país a fazer a transição da ditadura para a democracia.
A transição democrática tem sido fonte de orgulho nacional na Espanha. Foi um período em que rivais políticos fizeram concessões consideradas responsáveis por possibilitar o nascimento de um novo país.
Após a morte de Franco, em 1975, uma lei de anistia abrangente absolveu a todos -esquerdistas e franquistas de direita- e incentivou uma espécie de esquecimento coletivo, em nome da reconciliação. A ideia era que a Espanha só poderia prosperar se olhasse para o futuro, não o passado.
Para vítimas como Galante, isso significou o fechamento da porta que levaria à justiça. Há mais de 40 anos os tribunais espanhóis se negam a ouvir casos como o de Billy the Kid.
Por isso Galante e outros levaram suas queixas à Argentina, evocando o princípio legal da jurisdição universal sob o qual certos crimes, devido à sua magnitude, atravessam fronteiras. Um juiz argentino agora busca a extradição de Pacheco e outro acusado de tortura.
Os tribunais da Espanha normalmente relutam em extraditar cidadãos espanhóis. Mas, seja qual for o resultado, o processo argentino está despertando velhos demônios na ex-metrópole.
Críticos dizem que o país precisa enfrentar seu passado e até mesmo revogar a anistia. Outros avisam que isso poderia levar a uma enxurrada de ações legais.
Hoje a política, as empresas e o Judiciário na Espanha ainda estão repletos de pessoas com vínculos diretos ou indiretos com o regime de Franco.
Recentemente um advogado de vítimas pediu ao juiz argentino a formulação de acusações criminais contra cinco ex-ministros da época da ditadura franquista.
"Acho que não seria bom para o país", opinou Ramón Jáuregui, deputado do Partido Socialista, que fez oposição a Franco nos anos 1970 mas reluta em romper o acordo que levou à anistia.
"Não sabemos onde isso vai começar e onde vai terminar. Se formos atrás de alguém que foi torturador na década de 1970, por que não movermos ações contra alguns ministros do governo de Franco que ainda estão vivos? Por que não questionar as cortes? Que limite vamos definir?"
O governo espanhol já enfrenta pressão crescente das Nações Unidas. Pablo de Grieff, um relator especial das Nações Unidas, disse que a Espanha está atrasada em relação a outros países europeus, quando se trata de lidar com seu passado recente.
Para ele, o governo espanhol fez muito pouco para ajudar vítimas da era franquista. Ele recomendou que a lei de anistia seja deixada de lado para permitir que as ações judiciais sigam adiante, ou na Argentina ou na Espanha.
"Certos problemas não desaparecem", disse De Greiff, relator especial para a promoção da verdade, justiça, reparação e garantias de não reincidência.
"Eles não podem ser varridos debaixo do tapete. As pessoas não esquecem, e isso não surpreende."
Franco foi contemporâneo de Hitler e Mussolini, mas sua ditadura durou até a década de 1970, e seu legado é mais complicado e contestado pelos espanhóis.
Um dos advogados envolvidos na ação contra Pacheco, Carlos Slepoy, disse que as autoridades espanholas vêm tentando obstruir a ação, ao mesmo tempo em que depoimentos vêm sendo prestados em embaixadas argentinas pelo mundo afora.
"Esta coisa toda foi iniciada por duas famílias e algumas organizações de defesa dos direitos humanos", ele explicou.
"Agora há 350 ações judiciais, inúmeros depoimentos e um enorme movimento de apoio popular."
José María Galante já depôs na Argentina sobre o que viveu nos anos 1970, período em que as violações de direitos humanos teriam supostamente terminado.
Ele foi detido várias vezes por participar de protestos contra a ditadura e de um grêmio estudantil antifranquista.
Na prisão, foi espancado nos genitais e sujeito ao falso afogamento. "Billy the Kid se sentia imune ao castigo", disse.
"Ele nunca imaginou que seria pego. Nem se preocupava em obter informações [dos presos]. Só queria arrebentar pessoas."


Notícia do The New York Times, reproduzida na Folha de São Paulo

Mulheres invisíveis


Pedi para algumas mulheres falarem sobre menopausa. A maioria não reclamou muito das famosas ondas de calor. Elas disseram que é muito mais difícil aceitar as mudanças psicológicas, corporais e sexuais.
Uma arquiteta de 49 anos disse "A maior mudança é a falta de tesão. Eu tinha uma vida sexual bastante ativa e gostosa. Amo meu marido, mas não tenho mais vontade de transar com ninguém, nem com ele nem com o Chico Buarque nem com o George Clooney. Sem tomar hormônios ou fingir orgasmos, será que existe vida sexual depois da menopausa?".
Ela ainda se queixou de depressão, ansiedade e insônia."Estou vivendo uma montanha-russa emocional. Passei a ter ataques de pânico. Tornei-me ansiosa, irritada, deprimida. Sinto-me exausta, sem energia. Tenho insônia todas as noites. Tomo calmantes, antidepressivos e faço terapia. Todo mundo diz que vai passar. Quando?".
Muitas são as reclamações a respeito da decadência do corpo. As mulheres se queixam, principalmente, da dificuldade para emagrecer.
Uma estilista de 53 anos contou: "Engordei dez quilos e não consigo emagrecer. Sempre fui uma mulher bonita, sensual, tive muitos namorados. Agora não recebo mais elogios, não sou mais paquerada. Eu me tornei invisível, transparente, deixei de ser vista como mulher".
A queixa mais recorrente é a de sensação de invisibilidade. Muitas não aceitam que não sentem mais desejo sexual e, pior ainda, que não são mais consideradas sexualmente atraentes.
Afinal, existe vida sexual depois da menopausa?
Uma professora de 64 anos respondeu: "Tenho muitas amigas que não fazem mais sexo. Na verdade, acho que elas nunca gostaram. A idade foi só uma desculpa para elas se livrarem da obrigação na cama. É curioso que minha mãe, minhas tias e avós nunca se queixaram da menopausa. Por que será que as mulheres das novas gerações reclamam tanto de crises na menopausa?".
Ela concluiu: "Minha vida sexual ficou muito melhor depois da menopausa. Conheço mais o meu corpo e me sinto mais segura. Não tenho vergonha de dizer o que me dá prazer. Para mim, nunca faltou homem, pelo menos até agora. Sabe que muitos homens, especialmente os mais jovens, preferem mulheres mais maduras, experientes e interessantes?".


Texto de Mirian Goldenberg, na Folha de São Paulo.

Como não pagar IPVA


Todos os anos você precisa pagar o IPVA do seu carro. Como o nome diz, trata-se de um Imposto de Propriedade sobre Veículos Automotores. Bem, um veículo automotor é, pasmem vocês, "aquele dotado de motor próprio".
Por exemplo, um carro de boi não pagará IPVA por não ter motor próprio: o motor é o boi, a saber, uma entidade ontologicamente a parte do aparato técnico de motricidade desenvolvido pelo saber humano. A bicicleta não pagará o imposto pela mesma razão, assim como o helicóptero do banqueiro, o jato particular do escroque e o iate do Naji Nahas.
"Assim como o helicóptero, o jato particular e o iate"? Sim. Você poderá procurar todos os meandros do saber jurídico, encontrar explicações surreais, como aquela que afirma que o atual IPVA substituiu a antiga TRU (Taxa Rodoviária Única), logo os veículos automotores que pagarão impostos são apenas aqueles colados no chão.
No entanto, a verdade é uma só: helicópteros, jatos particulares e iates não pagam IPVA porque, no Brasil, os ricos definem as leis que protegerão seus rendimentos e desejos de ostentação. Bem-vindo àquilo que economistas como o francês Thomas Piketty chamam de "capitalismo patrimonial": um capitalismo construído para quem ganha mais continuar a ganhar mais, a não precisar devolver nada para a sociedade, enquanto quem ganha menos é continuamente espoliado e recebe cada vez menos serviços do Estado.
Se os 20 mil jatos particulares e os 2.000 helicópteros que voam livremente no Brasil pagassem IPVA, teríamos algo em torno de mais R$ 8 bilhões. Esse valor é o equivalente a, por exemplo, dois orçamentos da USP. Ou seja, se aqueles que têm mais capacidade de contribuição simplesmente pagassem para ter seu singelo helicóptero o mesmo que você paga para ter seu carro, poderíamos financiar mais duas universidades com 90 mil alunos estudando gratuitamente.
Esse é apenas um dentro vários exemplos de como o Brasil se organizou para ser um país onde ser rico é um ótimo negócio. Um país que, só em 2014, deverá ter mais 17 mil milionários e nenhum deles pagando aquilo que você paga. Porque, aqui, quanto mais você sobe (de preferência de jato ou helicóptero), mais você é protegido. Isso pode parecer uma explicação primária, mas muitas vezes o óbvio é o que há de mais difícil a enxergar.
Como disse, não um esquerdista de centro acadêmico, mas o megainvestidor norte-americano Warren Buffett: "Quem disse que não há luta de classe? Claro que há, e nós estamos vencendo".


Texto de Vladimir Safatle, na Folha de São Paulo

Satiagraha: Gilmar Mendes processa repórter autor de livro

Ex-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) na época da Operação Satiagraha, da Polícia Federal, o ministro Gilmar Mendes ingressou com ação pública na Justiça de Brasília pedindo indenização ao jornalista Rubens Valente em virtude das citações feitas a ele no livro “Operação Banqueiro”.
 
A ação impetrada por Mendes contra o jornalista e a editora Geração Editorial, responsável pela publicação da obra, corre na 15ª Vara Cível do Distrito Federal, onde o ministro pede indenização de R$ 200 mil por danos morais em virtude de informações publicadas. 
 
“A suposta reportagem investigativa, redigida muitas vezes em irônico tom de denúncia, reitera-se, é composta por diversas frases que, além de desinformarem o leitor, são deliberadamente difamatórias e injuriosas”, argumenta a petição de Gilmar Mendes, assinada pelo advogado de defesa do ministro, Rodrigo de Bittencourt Mudrovitsch.
 
Em resposta ao ministro, o jornalista Rubem Valente publicou nesta sexta-feira (11) no Facebook que Gilmar Mendes foi procurado diversas vezes durante o processo de elaboração da obra, que trata sobre as relações conflituosas do banqueiro Daniel Dantas com integrantes do Judiciário e do Executivo brasileiro, durante as investigações da Polícia Federal. 
 
“Acho oportuno reafirmar aos leitores que procurei o ministro Gilmar Mendes inúmeras vezes ao longo da elaboração do livro, por meio do então assessor de imprensa do STF, por e-mails e telefonemas à sua assessoria. Infelizmente, ele deixou de me receber, abrindo mão da oportunidade de, tranquilamente e com todo o tempo necessário, oferecer a sua versão sobre os fatos. Recusou-se quando poderia se manifestar, e agora procura o Poder Judiciário, no qual ocupa importante cargo, para obter deste jornalista e da editora uma série de providências, incluindo alta soma de dinheiro”, diz Rubens Valente. 
 
O autor de “Operação Banqueiro” acusa o ministro Gilmar Mendes de tentar censurar o livro ao querer alterar o conteúdo da publicação com a ação impetrada na Justiça: 
 
“A petição formulada pelo ministro, já prontamente disponibilizada na internet, estabeleceu um valor de R$ 200 mil para a causa e pede ao Judiciário que nos obrigue, dentre outras coisas, a publicar no livro, em futuras edições, a íntegra de sua própria petição, no que se configura uma clara tentativa de alteração do conteúdo de uma obra que foi publicada de acordo com as leis em vigor, dentro das regras democráticas conquistadas à custa de muito sacrifício do povo brasileiro. (…) Basta folhear o livro para verificar que ele se trata de uma narrativa objetiva dos fatos. Não há uma única “acusação” como esta agora apresentada pelo ministro. O ministro também não apresenta uma única palavra que possa ser considerada “ofensiva” contra ele”, argumenta o jornalista.
 
Histórico
Deflagrada em 2008, a operação da Polícia Federal comandada pelo delegado Protógenes Queiroz (hoje deputado federal pelo PCdoB) buscava, segundo o livro, desmontar um sistema de corrupção e lavagem de dinheiro envolvendo o banqueiro Daniel Dantas, líder do Grupo Opportunity, peça decisiva na trama da privatização do sistema Telebrás. 
 
A operação abriu o que se chama de "caixa de Pandora" das entranhas do poder no Brasil, numa trama que permeou a maior disputa societária da história do capitalismo brasileiro. Trama que, portanto, trafegou por governos, partidos, Poder Judiciário e até a Polícia Federal.
 
Segundo Rubens Valente, a ação proposta por Gilmar Mendes servirá para reafirmar o direto legítimos de liberdade de imprensa dos jornalistas narrarem os fatos cotidianos das esferas de poder no Brasil. 
 
“No decorrer da ação, vou demonstrar que simplesmente exerci o meu ofício de jornalista e o meu direito de cidadão de fazer um retrato de determinada realidade, tendo por base inúmeros documentos e entrevistas, incluindo declarações públicas do próprio ministro. Entendo que o ministro possa ter ficado incomodado com certos fatos que o livro trouxe à tona ou que simplesmente recuperou de fontes públicas e já antes divulgadas. Mas ele, como homem público que ocupa cargo de alto interesse público, membro da mais alta corte de Justiça, deve compreender que a democracia não apenas comporta, mas impõe a existência de um ambiente seguro para o registro independente jornalístico sobre fatos e comportamentos de seus mais conhecidos homens públicos. É parte da democracia e em nenhum momento excedi o meu direito de expressão consagrado na Constituição”, afirma Valente. 
 
Sobre o livro, Rubens Valente deu uma entrevista ao programa "Roda Viva", da TV Cultura, detalhando o papel de cada um dos envolvidos no processo da Satiagraha, incluindo o ministro Gilmar Mendes. 


Reprodução de texto de Rodrigo Rodrigues, no Terra Magazine.

Polícia de NY põe fim a programa que vigia muçulmanos

Polícia de NY põe fim a programa que vigia muçulmanos
DE NOVA YORK - O Departamento de Polícia de Nova York decidiu encerrar um programa secreto que monitorava, desde 2003, a atividade de muçulmanos pela cidade.
A polêmica divisão da polícia, conhecida como Unidade de Demografia, teve sua real atividade revelada em documentos divulgados pela Associated Press em 2011. Desde então, grupos muçulmanos e de direitos humanos vinham pedindo que ela fosse fechada.
Pelo programa, policiais à paisana frequentavam regiões de maioria muçulmana em Nova York, mapeando onde os membros desta comunidade se encontram, trabalham e comem.


Reprodução da Folha de São Paulo

Nepalês Sushil Koirala é o novo líder mais "pobre" do mundo

Com três telefones celulares como toda propriedade, o primeiro-ministro do Nepal, Sushil Koirala, é o líder mais "pobre" do mundo, posição que era ocupada até agora pelo presidente do Uruguai, José Mujica.
Koirala, 74, solteiro, foi nomeado primeiro-ministro em fevereiro após uma vida dedicada à política sem ter ocupado nenhum posto em uma administração.
Ao contrário de alguns de seus colegas de governo, milionários em alguns dos países mais pobres do planeta, Koirala não tem casa própria e nem carro.
De fato, um de seus três telefones celulares não funciona, de acordo com os dados divulgados no site do governo nepalês, país que obriga seus políticos a declarar seus ativos financeiros.
A única posse declarada por Mujica é um Volkswagen fusca com mais de 20 anos avaliado em US$ 1,9 mil, embora no ano passado tenha adquirido um iPad.
"Ele nem sequer tem uma conta de banco", disse à Agência Efe Prakash Adhikari, porta-voz do primeiro-ministro nepalês, que acrescentou que após ocupar o posto, foi discutida a possibilidade de abrir uma conta para poder receber seu salário como líder.
"Seu salário é pago em dinheiro", afirmou Adhikari.
Conhecido em seu país por seu estilo de vida simples, Koirala vivia com um sobrinho em um apartamento alugado em Katmandu até que em 2010 foi nomeado presidente do Partido do Congresso do Nepal, a legenda política mais antiga da nação do Himalaia.
"Quando se tornou presidente de seu partido, se mudou para uma casa maior para realizar reuniões ali", explicou à Agência Efe Shekhar Koirala, sobrinho do líder.
De acordo com Shekhar, a nova casa foi paga por seu partido político, enquanto o governo arca com as despesas médicas derivadas de várias viagens aos Estados Unidos para se tratar de um câncer.
Koirala inclusive devolveu US$ 650 que recebeu para gastos em alimentação por participar de uma conferência internacional em Mianmar.
O líder, que agora se aloja na residência oficial, se desloca na capital em um carro emprestado por seus seguidores, enquanto quando viaja para fora de Katmandu, membros locais de seu partido lhe proporcionam veículos.
Um dos seis filhos de um empreiteiro florestal, Koirala herdou terras agrárias nas férteis regiões do sudoeste e sudeste do país, na fronteira com a Índia.
"Mas deu aos seus irmãos. Nunca lhe interessaram as posses materiais", disse Shekhar.
Até agora o presidente do Uruguai, José Mujica, era considerado pela imprensa como o líder mais "pobre" por seu estilo de vida austero.
Mujica, de 78 anos, vive em uma humilde fazenda, sem segurança e doa quase todo seu salário ao Plano Juntos que criou para a construção de casas destinadas a famílias pobres.
Além de vidas austeras longe dos luxos, Koirala e Mujica compartilham um tumultuoso passado com passagens por prisões por suas atividades políticas.
Se o uruguaio esteve preso em duras condições antes e durante a ditadura (1973-1985) por integrar o movimento guerrilheiro Tupamaro, Koirala passou três anos em prisões indianas e nepalíes por seu envolvimento no sequestro de um avião em meados dos 70.
O nepalês passou 18 anos de exílio na vizinha Índia devido a seu ativismo político quando seu país era governado por um rei autoritário e os partidos políticos eram proibidos.


Reprodução de notícia da EFE no UOL

domingo, 20 de abril de 2014

Morre aos 66 anos o narrador Luciano do Valle

O narrador Luciano do Valle, 66 anos, morreu neste sábado vítima de infarto. Ele passou mal durante uma viagem de avião para Uberlândia, onde narraria Atlético-MG e Corinthians pela primeira rodada do Brasileirão. Luciano, que viajava de São Paulo, foi socorrido no aeroporto da cidade mineira pelo Corpo de Bombeiros e encaminhado para o Hospital Santa Genoveva, onde às 16h15 teve a morte confirmada.

O médico cardiologista Roberto Botelho, que estava no voo e prestou os primeiros socorros, informou que o jornalista da Band sofreu uma morte súbita. "O Luciano não sofreu. O que ele apresentou é chamada de morte súbita, ela acontece menos de uma hora quando começam os sintomas", informou. 

O laudo médido divulgado na noite de sábado após a necropsia do corpo de Luciano confirmou que ele sofreu um infarto.


Mais detalhes na Band.com

Escritor Gabriel García Márquez morre aos 87 anos no México

O escritor colombiano Gabriel García Márquez morreu nesta quinta-feira (17) por volta de 12h do horário local, aos 87 anos, em sua casa, no México. O autor lutava contra a reincidência de um câncer que atingia seus pulmões, gânglios e fígado. Já bastante debilitado, ele recebia tratamento paliativo em casa.
Vencedor do Prêmio Nobel de Literatura em 1982, García Márquez foi um dos principais nomes da literatura latino-americana no século 20. Publicou livros que se tornaram célebres, como "Cem Anos de Solidão" (1967), "Ninguém Escreve ao Coronel" (1961), "Crônica de uma Morte Anunciada" (1981) e "O Amor nos Tempos do Cólera" (1985).
García Márquez fez parte, ao lado do peruano Mario Vargas Llosa, dos argentinos Julio Cortázar e Jorge Luis Borges, do cubano Alejo Carpentier e do mexicano Carlos Fuentes, do movimento literário que ficou conhecido como boom latino-americano.
Os livros do grupo, que alcançaram vasta repercussão na Europa nos anos 1960 e 1970, tinham em comum a experimentação da linguagem, o diálogo com o gênero do realismo mágico, a reflexão sobre os rumos políticos e sociais da América Latina.


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terça-feira, 15 de abril de 2014

Síria, lucros & perdas


Na guerra civil da Síria, revolucionários heroicos lutam para instituir democracia em lugar de cruel ditadura. Verdade? Mentira?
Programas de propaganda & desinformação de hoje não criam mentiras evidentes, mas as constroem com elementos ambíguos de verdade. É verdade, por exemplo, que o atual governante sírio, Bashar al-Assad, mantinha estabilidade mediante rigorosa repressão. Também é verdade que há mais de século interesses estrangeiros se intrometem nas governanças do Levante.
Em 1916, Inglaterra e França assinaram o acordo secreto Sykes-Picot para repartir entre si o território do Império Otomano (ou Turco), aliado da Alemanha na Primeira Guerra Mundial. Até hoje exploram lucrativas "áreas de influência" na região.
Em dezembro, o presidente francês, François Hollande, foi à Arábia Saudita bajular o rei Abdullah. (Nenhum dos dois levou consortes: Hollande buscava então acobertar sua infidelidade a duas mulheres, e o rei mantinha suas esposas, umas 20, em recatada reclusão.)
Hollande vendeu ao rei US$ 3 bilhões em armas. Vai entregá-las ao exército libanês para combater o Hizbullah, que defende refugiados palestinos e é aliado de Assad. Arábia Saudita e outras petromonarquias medievais do Oriente Médio têm cooperado com Israel e Estados Unidos na desestabilização de todo o Oriente Médio. Entre outros interesses, prevenir coordenação de forças modernizadoras que afrouxem a subordinação dos reinos petrolíferos a interesses euroamericanos e israelenses.
Há mais contra Assad: 1) O regime sírio é meio secular, tolera cristãos e moda feminina ocidental. Isso escandaliza Wahhabi e Salafi, ultradireita sunita que é o poder por trás do trono saudita. 2) O gás da plataforma continental do leste do Mediterrâneo, disputada por Chipre, Israel, Líbano, Síria, Turquia e territórios palestinos.
Para a Europa centro-oriental, sempre foi incômodo depender da Rússia para o gás que a conforta nos invernos. Daí o interesse pelo gás mediterrâneo, negócio no qual sobressai o influente petrogrupo israelense Delek (valor de mercado: US$ 3 bilhões). Quando o Líbano pleiteou sua parte desse gás junto à ONU, o chanceler israelense Avigdor Lieberman rosnou implícita ameaça: "Não lhes daremos uma só polegada [da área reclamada]". Israel ocupou Gaza em 2008 para confiscar direitos palestinos à plataforma.
Além de jazidas submarinas, a Europa também cobiça outras no Levante. Problema: gasodutos e oleodutos que as ligassem à Europa por terra teriam de cruzar território sírio. Mais uma razão para tirar Assad do caminho. Ao custo, até agora, de devastação maciça, 150 mil mortos, 2 milhões de refugiados, privações horrendas, ódio amargo.
Não basta. Em janeiro, o Congresso dos Estados Unidos aprovou em sessão secreta mais armas para rebeldes sírios. Em termos de direito internacional, o ato configura agressão. Mas talvez valha para o mundo inteiro o exemplo histórico de arrogância imperial dado pela secretária de Estado assistente Victoria Nuland no contexto da crise da Crimeia: "Que se foda a União Europeia!". Só?
O primeiro-ministro Tayyip Erdogan é suspeito de ter facilitado à frente al-Nusra acesso ao gás sarin que em agosto matou centenas de civis em Ghouta. Intenção: incriminar Assad e provocar intervenção direta dos Estados Unidos no conflito. Agora, animado por recente êxito eleitoral, Erdogan cogita de invadir a Síria. Menos de 2% dos turcos são árabes, pouco lhes importa que sangue e petróleo árabes jorrem baratos.


Texto de Aldo Pereira, na Folha de São Paulo