Presença jihadista aumenta temor de minorias na Síria
Crescem ataques de radicais islâmicos a cristãos e outros tidos como aliados de Assad
Rebeldes admitem não ter controle sobre combatentes de fora; céticos acusam ditador de manipular minorias
SAMY ADGHIRNI ENVIADO ESPECIAL A TAL KALAKH E DAMASCO (SÍRIA)
Moradora de Tal Kalakh, pequena cidade a oeste da Síria, a dona de casa Umm Mohamed, 39, perdeu o filho adolescente e teve a residência destruída num ataque de míssil disparado por rebeldes.
"Meu menino estava no banho quando o foguete atingiu a casa", diz, com voz embargada, ao mostrar o que restou da parede do banheiro. Um mês depois, o corredor por onde o corpo foi retirado ainda tem manchas de sangue.
A mãe afirma que sua casa foi alvejada pelo simples fato de abrigar uma família da pequena seita alauita, a mesma do ditador Bashar Assad.
A espiral de violência na Síria adquiriu ares de guerra sectária, colocando em xeque a tradição de convívio entre diferentes religiões que caracterizou o país até o início da revolta, há 20 meses.
O conflito jogou para lados opostos a maioria sunita, com suas vertentes mais pobres, rurais e conservadoras que formam a base da oposição, e as minorias alauita, xiita, cristã e drusa, dominadas pelo sentimento de que só Assad é capaz de protegê-los.
O temor das minorias, amplamente vistas como alinhadas ao governo, aumenta à medida em que se torna evidente a presença de jihadistas (radicais islâmicos) líbios, afegãos ou iraquianos nas fileiras insurgentes.
Agências de inteligência de vários países admitem que a Síria tornou-se, como o Iraque, um terreno de guerra santa para combatentes experientes e alheios à morte de civis.
"Não tenho medo dos sírios, mas dos extremistas estrangeiros que vêm aqui e querem nos punir porque enxergam igrejas e mulheres sem véu", diz um padre católico de Damasco ao se referir à laicidade na Síria.
O Exército Livre da Síria, principal braço armado da oposição, admite não ter controle sobre combatentes estrangeiros, mas diz que quem comete os maiores massacres de civis são as tropas de Assad, cujos bombardeios arrasam bairros inteiros.
Aos olhos de vários segmentos insurgentes sem experiência bélica, a crueldade das forças sírias justifica a aliança com islamitas guerrilheiros, segundo analistas.
AL QAEDA
Uma das facções rebeldes mais agressivas é a Frente Nusra, ligada à sunita Al Qaeda, rede terrorista que combate tanto cristãos quanto grupos minoritários do islã, como xiitas e alauitas.
Em Tal Kalakh, rebeldes picharam ruínas com a inscrição "não há Deus além de Alá", lema oficial da Al Qaeda. "É impossível dialogar com gente que quer fazer da Síria um país islâmico das trevas", diz um oficial sírio.
Os ataques contra minorias proliferam na capital e nos arredores, onde a concentração de população pró-regime freia o avanço insurgente.
Na semana passada, atentados a bomba mataram 34 pessoas no centro de Jaramana, periferia da capital majoritariamente drusa e cristã. Muitas vítimas eram crianças.
Em outubro, a explosão de um carro-bomba matou dez pessoas no bairro cristão de Bab Tuma. O atentado visou fiéis que iam à igreja para a missa de domingo.
No mesmo mês, um conhecido padre ortodoxo foi sequestrado, mutilado e morto nos arredores de Damasco. As circunstâncias do assassinato continuam obscuras, mas os fiéis acusam os rebeldes.
Bairros da capital como Mazzeh 86 e Dwera, onde há muitos alauitas e cristãos, vivem sob constantes tiros de morteiro. Céticos dizem que, por trás da aparente proteção às minorias, o sistema de Assad visa manipulá-las para assegurar seu apoio.
Há muitos cristãos e alauitas rompidos com o regime por causa da repressão.
O mais graduado cristão a desertar do regime é o porta-voz Jihad Makdissi, que fugiu dias atrás para Londres.
"Assad errou ao não cumprir a promessa de abertura política que ele fez ao assumir o poder [em 2000]. Mas ficaremos numa situação difícil se ele cair", diz o padre.
Reportagem da Folha de São Paulo, de 7 de dezembro de 2012.
Nenhum comentário:
Postar um comentário