quarta-feira, 16 de novembro de 2011

"Freedom riders" palestinos revivem os anos 60 e desafiam a segregação de Israel

"Freedom riders" palestinos revivem os anos 60 e desafiam a segregação de Israel

Inspirados na luta dos negros nos EUA, ativistas são presos ao entrar em ônibus exclusivos para judeus
 
Ontem, seis ativistas palestinos fizeram pela primeira vez fazer uma manifestação política que mostra uma das face da ocupação dos Territórios palestinos. São os "freedomriders". Há algum tempo, após a consolidação da ocupação nos moldes definidos pelos Acordos de Oslo, grupos palestinos, alguns conjuntamente com israelenses, começaram a se referir à ocupação em termos vindos do Apartheid sul-africano. Mas se a África do Sul já inunda o vocabulário e tornou-se um modelo mais recente para descrever a ocupação, e também para combatê-la, agora os movimentos negros por direitos civis nos anos 60 nos EUA são a inspiração.
O protesto consistiu em pegar na estação do assentamento de Psagot, perto de Ramallah, um ônibus que fosse a Jerusalém, cidade fechada aos palestinos que vivem com a identidade verde, que os limita à Cisjordânia. A passagem da Cisjordânia para Jerusalém, através de seu ponto norte, por Ramallah, e de seu ponto sul, por Bethlehem, constitui um dos quadros mais claros da divisão da Cisjordânia. Nessa “fronteira” do conflito está o símbolo da força que anexou Jerusalém, mais especificamente sua parte Oriental, que por leis internacionais pertence a palestinos.

O Muro de anexação de parte dos territórios é apenas parte do sistema de controle israelense (os israelenses o chamam de Cerca de Segurança, pois teria diminuído o número de ataques terroristas contra civis – apesar disso, não há uma boa explicação de por que o construíram dentro da Cisjordânia).  Ele consolida apenas parte da divisão desenhada em Oslo, com suas áreas A, B e C, mas além desse monumento grandioso, estradas exclusivas, postos de controle e blitz nas estradas com soldados israelenses, o cordão que os assentamentos formam para limitar o acesso à terra, tudo isso forma a engenharia que a ocupação dos Territórios Palestinos erigiu para si. Além disso, uma legislação controlada pelo Governo Militar israelense controla a demolição e construção de casas, o que completa o sistema.

Conversei com Badia Dwaik, de Hebron e um dos coordenadores do Youth Against the Settlements, movimento que organiza manifestações no centro da cidade mais ao sul da Cisjordânia, ainda ocupada por colonos em parte dela. Ele foi um dos ativistas que subiram no ônibus com destino à Jerusalém.

Além de Badia, outros cinco ativistas – Nadeem al-Sharabati, Huwaida Arraf, Basel al-Araj, Fadi Quran, and Mazin Qumsiyeh – esperaram o ônibus da empresa “Egged” com destino à capital do conflito. Dois ônibus viram os palestinos – estavam acompanhados por grande quantidade de imprensa e ativistas – e não pararam. “Devíamos ter pego o ônibus das 2:42, mas ele não parou.  Não desistimos. Finalmente, às 3h7, um ônibus parou e entramos nele”.

O que se seguiu foi uma luta misturada a muita negociação, com ofertas de “rendição pacífica” ou “retirada violenta e forçada”. Badia foi o terceiro a entrar. Deu o dinheiro ao motorista. Segundo o relato, este então perguntou se tinham apenas as identidades verdes, da Cisjordânia. Apenas os palestinos com a identidade azul, de Jerusalém, podem seguir.

O motorista desistiu de brigar – parte da imprensa estava no ônibus, onde também estavam ativistas israelenses para evitar que os palestinos fossem atacados por colonos -, seguiu viagem, mas mais a frente parou para a subida da polícia de fronteira. “Ele veio até mim e pediu minha identidade. Perguntou então se eu tinha a permissão dada pelo governo israelense para ir à Jerusalém. Eu disse que não precisava, que eu podia andar naquele ônibus. Ele negava minha resposta e seguia com a mesma pergunta. Depois de um tempo, ele desistiu e devolveu minha identidade”. A viagem seguiu até o posto de controle de Hizma, onde a viagem devia acabar para os palestinos. Ao lado, o assentamento de Pisgat Zeev. Ali é a fronteira que os israelenses construíram para si.

Mais uma rodada de “negociações”. “Quatro soldados subiram. Um deles pediu nossas identidades e pediu que saíssemos. Poderíamos sair de forma respeitosa, sem alarde, ou então ele seria forçado a nos tirar com violência. Ele disse: ‘Não é permitido a você ficar no ônibus, pois você está entrando em Israel’”. Os palestinos decidiram permanecer no ônibus. “Eu disse a ele: ‘não estou em Israel. Estou no ônibus, e a mim é permitido andar de ônibus”. Mais uma ameaça do soldado. Ficaram por cerca de uma hora nessas conversas. Então veio a ordem pela retirada violenta. “Eu recusei sair.  Então me seguraram e tentaram me tirar de forma violenta do ônibus. Eu resisti, dificultei. Então me arrastaram pelo chão do ônibus, me carregando para fora. Lá fora, estava o Alto Comandante e quando viu que havia muita mídia por ali, além de estrangeiros que seguiam o tempo todo o percurso do ônibus, ordenou que me devolvessem para o ônibus e fechassem a porta. Permaneci deitado por um tempo e depois retomei o meu lugar”.

Eles entraram em Jerusalém. O ônibus passou o posto, mas logo as forças do exército pediram novamente que saíssem, agora sem os colonos presentes. “De novo, pediram minha identidade, se eu tinha permissão. Eu disse que não precisava de uma permissão. Eu tenho direito a andar em um ônibus, direito à liberdade de movimento. Disse a ele: ’por que não pede aos colonos suas identidades? Se quer que saiamos, então deve pedir o mesmo aos colonos’. Isto é Apartheid, isto é discriminação”. Então, atrás da barreira do posto, os palestinos foram retirados à força. “Retiraram Mazin e Basel, e os levaram para o jipe. Depois vieram me buscar, me tiraram a força e também me levaram para o jipe militar. Depois, acho que buscaram Huwaida”.

Movimentos palestinos começaram a pensar e conversar sobre a manifestação de ontem há meses, mas foi há uma semana que começaram a se reunir para planejá-la. Os ativistas e membros de movimentos pensaram nos riscos, como agiriam sob a pressão do exército, entraram em contato com advogados para qualquer eventualidade de serem presos. De fato, foram presos por algumas horas na terça. Tiveram que assinar um papel afirmando que não se aproximariam de qualquer posto ao redor de Jerusalém por 10 dias e que teriam que estar disponíveis para interrogatório caso as autoridades precisassem. Badia diz que a experiência foi válida e pode abrir um novo campo de manifestações de palestinos contra a ocupação.
 
*Texto originalmente publicado no blog O Território, do repórter Arturo Hartmann.


 Texto visto no Opera Mundi.

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