Experimentei a droga pela primeira vez aos sete anos. Quem me introduziu à cozinha do inferno foi uma mulher chamada Maria Helena, muito branca com lábios vermelhos, coxas grossas e peitos apetitosos, até onde eu posso imaginar – uma fêmea gostosa e madura (uma balzaqueana, descobriria anos mais tarde).
Na época, pirralho, não sabia a razão da atração que sentia por ela. Mas, mesmo assim, enlouqueci e passei a adorar aquela mulher que me guiava por um mundo novo, uma terra onde sonhar dispensava o sono. Apesar da idade próxima à de minha mãe, o querer que sentia por ela diferente. Não sabia bem que porra era aquilo, mas pressentia que me levaria à perdição. Mesmo assim, não pude mudar de rumo.
Na verdade, sequer pensei em desviar da trilha recém aberta por Maria Helena, minha primeira professora, a mulher que me ensinou a ler e escrever em 1962, no primeiro ano do Grupo Escolar José de Anchieta, em Ipanema, escola na Zona Sul da capital dos gaúchos.
Nesta aventura, logo ganhei a companhia da Enciclopédia Delta Júnior (12 volumes, paga em 12 vezes – foi o que deu para o pai pagar. Meu sonho era a Delta Larousse ou a Barsa, que custavam uma fortuna). Porém a Júnior me serviu com galhardia. Através das suas páginas, conheci os feitos guerreiros dos homens: A Batalha das Termópilas (“As flechas dos inimigos encobrem a luz do Sol? Melhor, combateremos à sombra); A Vitória de Pirro (“Outra vitória destas e estamos ferrados, meu general”) As Conquistas de César - difícil entender que César foram muitos (“África, agarro-te”, disse Júlio César para engambelar seu exército, depois de pisar em solo africano, escorregar, e estabacar-se no chão - sinal de fracasso para a soldadesca supersticiosa). Tem mais uma porrada de coisas que aprendi na Delta Jr. – Átila foi o rei dos hunos, e por onde seu cavalo passava não crescia grama; Aquiles era invulnerável, a não ser no tendão – única parte do corpo que sua mãe não mergulhou na fonte dos Deuses (por isto, morreu com uma flechada no local, o Tendão de Aquiles). Hoje basta consultar o Google. É bem mais fácil – se para o bem ou para o mal, o tempo dirá.
Poderia continuar com este nhénhénhém indefinidamente. Mas não é este o assunto do post. Assim, voltando ao cerne da questão, o vício bendito e maldito – ler e escrever.
O negócio é o seguinte: provei a droga, gostei e nunca mais deixei. Ao contrário, fiquei cada vez mais fissurado. Aos 13 anos decidi o que queria ser na vida: escritor. Comprei um caderno de 100 folhas e comecei a escrever o meu livro – na realidade, um puta romance (afinal, já conhecia Érico, Jorge, Fitzgerald, Hemingway – os grandes; Lobato era coisa de criança). Compenetrado, dei início a minha grande obra. Não cheguei ao fim da primeira página. Surpreso, descobri que não tinha uma história para contar. Queixei-me com o cunhado Beto, meu mentor intelectual, que esclareceu que para escrever literatura era preciso ter experiência de vida. E esta não se aprende em livros, mas se apreende vivendo. Pragmático, não desisti do sonho inicial, escrever o romance da minha geração, apenas transferi sua realização para tempos mais vividos. (Temo que o cavalo passou encilhado e eu não percebi).
Dediquei-me, então, à poesia, aparentemente bem mais fácil (ainda não havia lido Drummond e Baudeleire). O conhecimento do vernáculo me permitiu enganar a mim mesmo e a uns poucos durante certo tempo, através de bobagens parcamente rimadas como “em busca de mim/ fui ao fundo do poço e cheguei ao fundo do mundo”. Apenas um indigente exercício de estilo – nada que realmente viesse do âmago da alma, como pressupõe a boa poesia, rimada ou não. Foi a exigência germânica de Anke Behar, minha professora de Português do último ano do 2º Grau na Escola Estadual Padre Reus, que me fez ir além, ao negar elogios fáceis e apostar que eu poderia fazer melhor. E fiz. O título do poema era “O Menino Perdido”, composto por quatro estrofes, coerentes na rima e na métrica e de conteúdo instigante – os perigos que espreitam os peregrinos de coração puro e ideais românticos de amor e liberdade. No final, matei o guri, para contrariedade da mana Rosa, que observou: “sempre morre alguém nas tuas histórias”.
Levei quatro meses escrevendo e reescrevendo minha pequena obra prima, até ter coragem de mostrar para a mestra. Quando o fiz, no final de uma aula, seus olhos azuis me encararam (havia brilho neles) e sentenciou: “está perfeito”. Este reconhecimento literário foi um dos melhores momentos da minha vida. A paixão que eu sentia por ela, consolidou-se. Cheguei em casa numa excitação febril. “Está perfeito”. PQP! Tresloucado, prestei vassalagem no altar de Onã. Acho que foi a primeira vez que um elogio literário provocou esta reação inusitada. Já naquela época eu era um sujeito estranho.
Nunca mais a esqueci. Dois meses depois, quando passei no vestibular da PUC para Jornalismo (sem fazer cursinho, graças ao acerto de 28 das 30 questões da prova de Português), mandei para ela um buquê de rosas com um singelo cartão: “Ao mestre com carinho”.
Anke foi um dos grandes amores da minha vida. E, quero crer, também fui um dos seus grandes afetos. Anos depois, já formado, ainda trocávamos cartões natalinos. Nós que nós amávamos tanto.
Thanks, fêssora.
Texto roubado da Toca do Lobo.
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