Violência
da política do filho único continua sendo tabu na China
Brice Pedroletti
As medidas draconianas
do planejamento familiar, uma mistura de persuasão com
coerção, foram na China fonte de diversos conflitos
desde que entrou em vigor a política do filho único em
1980. Sobretudo quando os dirigentes locais, preocupados em não
serem penalizados – os resultados do planejamento familiar são
um grande critério de promoção dentro do partido
– lançaram campanhas de retificação das
estatísticas que levaram aos piores atos de violência.
Em Linyi, na província
de Shandong, o militante cego Chen Guangcheng reuniu em 2005, com a
ajuda de dois juristas de Pequim, Teng Biao e Guo Yushan, dezenas de
depoimentos sobre os atos de violência sofridos pelas famílias
nas quais uma mulher tentasse dar à luz fora da cota, muitas
vezes indo até outra região. Jurista autodidata, Chen
Guangcheng era uma figura local com quem os camponeses iam se
aconselhar quando acreditavam estar sendo vítimas de alguma
injustiça. Jogado por quatro anos na prisão em 2006 sob
pretexto de ter “perturbado a circulação” e
“prejudicado a manutenção da ordem pública”,
ele foi libertado em 2010, mas hoje ainda está em prisão
domiciliar, com sua família, em represália a seu papel
de denunciador.
A investigação
da qual participou Chen Guangcheng, intitulada “Notas de
investigação sobre o planejamento familiar em Linyi”,
de Teng Biao, está disponível on-line, em chinês.
Eis a tradução de alguns dos depoimentos reunidos pelos
investigadores: Fang Zhongxia mora no vilarejo de Xiajiagou (burgo de
Liangqiu, condado de Feixian, cidade de Linyi). Ela teve duas filhas,
e depois passou a usar um anel contraceptivo. Ela foi trabalhar em
outra região. Durante esse tempo, engravidou novamente. Os
agentes do planejamento familiar saíram à sua procura.
Para trazê-la de
volta, eles prenderam no total 22 pessoas, entre elas três
crianças, uma mulher grávida e uma senhora de 70 anos.
Elas foram espancados e tiveram de pagar pelo menos mil yuans para
serem libertados (R$ 274). No final, Fang Zhongxia voltou ao vilarejo
quando estava em seu sétimo mês de gestação.
Ela sofreu um aborto, e depois teve suas trompas ligadas. Foi somente
nesse momento que sua tia, que havia sido sequestrada, foi libertada.
Song Houhua, 60, mora
no vilarejo de Maxiagou, também em Liangqiu. Sua nora teve um
filho e não tinha direito de ter um segundo filho. Mas ela
descobriu que estava grávida de 5 meses, em novembro de 2004.
Liu Shanhua diz não ter tomado nenhum medicamento e os
check-ups não a detectaram antes. Ela se escondeu, mas sua
sogra Song Houhua foi presa em pleno inverno. Exigiram-lhe que
pagasse 3 mil yuans para sair, mas ela tinha somente 500. Ela seria
sequestrada mais uma vez durante 26 dias, com seu irmão de 65
anos, sua cunhada e seus vizinhos. Os agentes do planejamento
familiar lhe mandaram bater em seu irmão. Ela se recusou. Eles
mandaram seu irmão bater nela. Seu irmão perdeu vários
de seus animais por causa do sequestro. Ele ficou com raiva de sua
irmã e quis que ela lhe pagasse os 3 mil yuans de volta.
Hu Bingmei, 34, mora no
vilarejo de Nanjiashi (burgo de Sunzu, condado de Yinan). Ela foi
obrigada a ligar as trompas. Ela se recusou e levaram-na à
força para o hospital. Mas os médicos disseram que ela
sofria de hipertensão e que não deveria ser feita a
operação. A vice-diretora do serviço de
planejamento familiar do condado decretou que não havia
problema. Hu Bingmei foi forçada a passar pela operação,
e foi obrigada a assinar um documento atestando que ela a fez de sua
própria vontade. Ela diz que, desde essa cirurgia, passou a
ter dores no abdômen.
Os slogans do
planejamento familiar são extremamente violentos em Linyi:
“Coloque um anel contraceptivo após o primeiro filho.
Ligue as trompas depois do segundo filho. Senão, a lei será
aplicada”; “Faça-o sair batendo e abortando-o.
Impeça, por todos os meios, que ele nasça”; “Sem
a ligadura, a casa cai. Sem o aborto, os animais vão embora”;
“Mais valem dez túmulos frescos do que uma criança
a mais...”
Tradução:
Lana Lim
Texto do Le
Monde, reproduzida no UOL.
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