Por Patricia Casoy
Segunda-feira. Homens armados e encapuzados disparam cinco tiros contra um motorista de um carro vermelho, matando-o na hora.
Este poderia ser mais um triste e corriqueiro episódio do cotidiano moderno das grandes cidades. Mas é mais do que isso. O local do assassinato é Jenin, território palestino; os assassinos, terroristas palestinos; e a vítima, o ator, diretor e fundador do Teatro da Liberdade, Juliano Mer-Khamis.
O ato brutal, covarde e nefasto, afasta cada vez mais a realidade (óbvia) da coexistência entre israelenses e palestinos, deixando os indivíduos que anseiam pela paz imersos em uma angústia profunda.
Mer-Khamis iniciou seu propósito de unir os ditos opostos já pelo código genético. Filho de mãe judia e pai palestino, nunca viu a necessidade de justificar viver entre duas culturas, já que isso era o natural. E assim o fez, até a idade de 52.
Nascido em Nazaré, serviu no Exército israelense na juventude, e logo após seguiu carreira no teatro e no cinema, como ator e diretor; e decidiu continuar o projeto da mãe, que nos anos 80 fundou uma escola de teatro para crianças em Jenin, território palestino na região da Cisjordânia. No ano de 2006, juntamente com Zakaria Zubeidi, ex-terrorista líder das Brigadas dos Mártires de Al-Aqsa, Jonatan Stanczak, ativista sueco-israelense e Dror Feiler, artista sueco-israelense, fundou o Teatro da Liberdade, um teatro comunitário para crianças e jovens do campo de refugiados de Jenin, que tem como objetivo trabalhar as habilidades individuais, auto-conhecimento e confiança, utilizando o processo criativo como modelo para a mudança social.
Desde sua inauguração, o Teatro já era alvo de ameaças, tendo sido queimado duas vezes ao longo de sua existência. Numa tentativa de apaziguar os ânimos, Zubeidi foi nomeado co-diretor do espaço, mas as ameaças continuaram até se concretizarem na tragédia de segunda-feira.
Por que ele foi morto? Como ponderou Amira Haas, em artigo do Haaretz, talvez porque, como artista palestino, tentasse imprimir uma "transgressão" a um sistema social repressor; ou porque, como artista judeu, ousasse criticar um modelo social ao qual ele nao pertencia, e portanto, não tinha nenhum direito de fazê-lo.
Mas não importa. O que se vê é um homem de coragem, judeu de esquerda, artista palestino, que sempre buscou construir uma ponte de aproximação entre dois povos e que, dentre as escolhas como ator, sempre abordou temas sobre os quais lhe fosse importante discutir, onde visse a possibilidade de promover suas idéias, sempre de forma coerente e íntegra.
O que resta em Jenin hoje? Manchas de sangue em frente ao teatro e jovens que perderam um lider. Mas fica também o caminho para a mudança. Ele existe, apesar de tanto movimento contra, apesar da ausência de líderes de verdade de ambos os lados, palestino e israelense. O caminho persiste, mesmo que terroristas insistam em realizar atentados, mesmo que governantes continuem a adotar políticas contra-producentes, mesmo que radicais saiam às ruas promovendo apenas o ódio vazio ao invés de diálogo.
Juliano tinha o teatro para expurgar toda a insanidade desta realidade, e através da arte, promover a mudança. Ele deixa sua biografia, trabalho e principalmente coragem como legado; desejo apenas que tenhamos a habilidade de utilizá-lo de maneira sábia.
Visto no blog do Luís Nassif.
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