Um casamento de conto de fadas? Que tolice!
Marco Evers
O casamento real de William e Kate na sexta-feira (29/3) será uma piada, uma celebração irremediavelmente exagerada de um sistema absurdamente antidemocrático, segundo o correspondente do “Spiegel” em Londres, Marco Evers. Ele se apieda pela perda iminente de liberdade da noiva e se pergunta por que esta nação excêntrica continua a adorar a família Windsor.
A coisa toda parece uma aberração da história.
Está errado quando o chefe de Estado de um país só pode vir de uma família. Está errado fornecer a este clã palácios, terras e toda forma de bolsas para poupar seus membros da indignidade de terem que ganhar a vida e permitir-lhes que vivam no luxo. Está errado se dirigir aos Windsor como Sua Alteza Real ou mesmo Sua Majestade, como acontecerá depois da sexta-feira com a adorável Kate Middleton. Está errado vê-los como qualquer coisa além de pessoas feitas de carne e osso, como eu e você.
Milhões de britânicos sabem disso. O jornal “Guardian” quer abolir a monarquia, assim como o “Independent” e a revista “Economist”. Muitos professores, diretores de cinema, autores, atores e políticos gostariam que o Reino Unido se tornasse uma república –mas eles continuam sendo uma minoria que, por anos, ficou constante em torno de 18% da população.
Cherie Blair, a difícil esposa do ex-primeiro-ministro Tony, certa vez recusou-se a fazer uma reverência para Elizabeth Windsor, mas a maioria dos britânicos gosta de fazer isso e ainda mais pela Rainha e o País. Os Windsor são a família real mais cara da Europa, mas o povo continua pagando sem reclamar, ao menos enquanto a Rainha Elizabeth está viva.
A Rainha é dona de todos os cisnes, baleias e esturjões
O Reino Unido, contudo, é um país estranho. Não tem constituição escrita, mas tem um sistema de classe rígido. Os advogados usam perucas no tribunal e não há cidadãos, apenas súditos. Por lei, todos os cisnes, todas as baleias e todos os esturjões são propriedade da Rainha, mas não há um time de futebol nacional.
E se a Rainha quiser dar essa honra a algum de seus súditos, ele pode orgulhosamente ser chamado de “Oficial”, ou até de “Comandante da Ordem do Império Britânico”. Que diabos esses títulos querem dizer? Grande parte desse salamaleque parece tão antiquada quanto o metrô de Londres.
Os soldados britânicos estão lutando pela democracia no Afeganistão e Líbia, e eles lutaram por ela no Iraque. Mas em casa, eles defendem a ideia absurdamente não democrática que ninguém além de um Windsor pode ser chefe de Estado. Assim que Elizabeth, que tem 85 anos, deixar seu invólucro mortal, seu filho Charles, de 62 anos, já desgastado por sua longa espera para a acessão, assumirá o trono, apesar das pesquisas de opinião mostrarem que a maioria dos britânicos não querem que o príncipe esotérico e introspectivo se torne rei. A pompa e a cerimônia em torno do casamento de William e Kate é a mais recente expressão da excentricidade britânica –mas uma grande parte do mundo parece também estar sucumbindo ao seu apelo.
Sim, as carruagens de ouro e veludo são bonitas, o cortejo da noiva será uma verdadeira visão e a abadia de Westminster é um cenário bastante espetacular para a cerimônia. Mas será que vale todo esse fuzuê? Mais de 10.000 jornalistas estão baixando em Londres. Os canais alemães ARD, ZDF, Sat 1, RTL, n-tv e N24 dificilmente vão transmitir qualquer outra coisa na sexta-feira. Todo mundo está fingindo que este espetáculo é o evento mais importante e bonito da Terra –mas não é.
Estranhamente, o público britânico não está tão interessado no casamento quanto se pensa. A maior parte diz que não liga para o evento. Somente um terço planeja assistir ao espetáculo na televisão. E comparada com as núpcias reais anteriores, relativamente poucos planejam tomar parte nas festas de rua tradicionais. No centro de Londres, os hotéis estão com muitas vagas, apesar de estarem oferecendo descontos para o final de semana.
Milhões de súditos da Rainha já fugiram da ilha em companhias áreas mais baratas antes da Páscoa e agora estão ocupando as praias da Turquia, Chipre, Egito e Caribe. Com certeza, o tempo será melhor do que em Londres, onde a previsão para sexta-feira é de chuva.
O Reino Unido ainda está mergulhado em sua pior crise econômica desde a Segunda Guerra Mundial. Todos deveriam estar arregaçando as mangas para tirar a nação da depressão. Mas o governo declarou o dia do casamento feriado, e as escolas, bancos, escritórios e fábricas estarão fechados –só porque o herdeiro do herdeiro do trono está se casando. O feriado extra pode levar a uma ocupação maior dos bares do país, mas vai terminar custando bilhões à economia.
Um casamento ditado pelo protocolo do palácio
Na verdade, o casamento de William e Kate é um triste espetáculo. Os dois jovens não estão se casando da forma que gostariam, mas como o palácio, o protocolo e a vovó exigem.
William, 28, está acostumado a isso porque nasceu dentro disso. Mas para Kate, 29, sexta-feira vai marcar o fim da liberdade. Para seus pais, será um pouco como a morte da filha. Ela não vai pertencer mais a eles –será elevada a uma forma de ser humano aristocrático distante, sempre indisponível para aquele jantar improvisado com mamãe e papai.
Casamento de conto de fadas? Nem de perto.
Alguns amigos e parentes estarão presentes na abadia de Westminster, mas a maior parte dos convidados será de estrangeiros, e alguns deles serão repulsivos. O rei Mswati, o déspota da nação empobrecida de Suazilândia, que tem 13 mulheres, virá com sua comitiva de 50 pessoas. Os potentados árabes também foram convidados, alguns dos quais atualmente estão matando manifestantes pela democracia em suas ruas. Quem gostaria de se casar em tal companhia?
Metade do gabinete britânico vai participar da festa, junto com o líder da oposição trabalhista Ed Miliband, que sustenta o título grandioso de “Líder da Oposição Leal de sua Majestade”. O antigo primeiro-ministro conservador John Major estará presente. Mas os dois últimos primeiros-ministros trabalhistas, Tony Blair e Gordon Brown, não foram convidados. Será uma punição por terem apoiado a proibição da caça à raposa? Por que o autocrático sultão de Brunei foi convidado e não os dois líderes anteriores de um governo britânico democraticamente eleito?
O mundo todo está esperando para admirar o vestido de casamento de Kate. O estilista ficará afogado em trabalho depois disso. Mas aquela que vestirá o vestido enfrenta um futuro que de fato não deve ser desejável para uma mulher inteligente do século 21. Kate terá apenas três tarefas de agora em diante: servir a seu marido, ser bela e gerar filhos, preferencialmente meninos. Além disso, tudo o que tem a fazer é ficar calada.
É como nos anos 50 –só que muito pior, porque terá que continuar a reverenciando a Rainha e os outros membros da hierarquia da família com a qual está casando.
A coisa toda parece muito pior do que uma aberração da história. É uma piada.
Tradução: Deborah Weinberg
Texto da Der Spiegel, no UOL.
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