segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Se os Farroupilhas tivessem vencido


As fronteiras do país farroupilha
Mário Maestri

“Após concentrar suas forças na luta contra as insurreições do Pará, do Maranhão e da Bahia, os exércitos imperiais conheceram graves derrotas no Sul, concluídas com a rendição do barão de Caxias, após o desastre brasileiro na batalha do serro de Porongos, em 15 de novembro de 1845. Dois anos mais tarde, o Brasil reconhecia a independência e estabelecia relações com a República do Pampa, nome assumido pela antiga província de São Pedro do Rio Grande do Sul”.
As tendências históricas, materializadas na ação concreta das classes embaladas pelas suas necessidades sociais, levaram a que o parágrafo inicial constitua mero exercício de imaginação sobre eventual registro, em manuais escolares brasileiros de 2009, da hipotética vitória da secessão farroupilha. Elucubração que talvez encontre justificativa na celebração privada e pública incessante e irrefletida do movimento separatista, promovido em 1835-45, pelos latifundiários escravistas do meridião rio-sulino.

A partir das grandes tendências históricas conhecidas pelo Rio Grande, pelo Brasil e pela América do Sul, traçaremos alguns dos prováveis e sempre hipotéticos cenários do desenvolvimento do atual Rio Grande do Sul, após 1845, caso Bento Gonçalves, David Canabarro, Antônio de Sousa Netto et caterva tivessem levado seus seguidores à vitória e não ao retumbante fracasso e aceitação, sem discussões, das condições da anistia imperial, em Ponche Verde.

As fronteiras pampianas não seriam as de hoje, demarcadas, ao norte, pelos rios Mampituba e Pelotas, e, ao sul, pelo arroio Chuí. Uma forte crise imperial permitiria que a eventual raia republicana setentrional abiscoitasse parte do território catarinense, já que mais não permitiriam os brasileiros de São Paulo. Porém, é mais provável que a jovem república tivesse seus limites nos rios Jacuí-Ibicuí, permanecendo brasileiros Porto Alegre e todo ou parte do norte da antiga província de São Pedro.

A população livre da capital libertou-se e resistiu às tropas farroupilhas, apoiada ativa ou passivamente pela comunidade colonial-camponesa alemã, que nada tinha a ganhar e muito a perder com os republicanos da Campanha. Pela indômita resistência, Porto Alegre, três vezes cercada e bombardeada pelos farroupilhas, ostenta, hoje, no seu brasão, a consigna de “leal” – ao Império – e “valorosa” – diante dos republicanos.
Os republicanos derrotados de 1845 só voltaram a adentrar simbolicamente os muros de Porto Alegre, um século e alguns dedos mais tarde, quando os neofarroupilhas e sua cavalhada passaram a acampar, na capital, sem qualquer ensaio de resistência, cada mês de setembro, enlameando e bostejando, respectivamente, o chão do Parque Harmonia e a memória já quase perdida da heroica resistência porto-alegrense às tropas dos latifundiários.

A República do Pampa possuiria população diminuta e de perfil étnico diverso que o atual. Como no resto do Brasil, os grandes proprietários fundiários sulinos sempre se opuseram ao assentamento de camponeses. A imigração alemã não seria retomada, com a fundação de Santa Cruz [1847], e as quatro colônias italianas imperiais [1875] seriam desviadas para territórios brasileiros. A república latifundiária não conheceria o impulso demográfico e a acumulação de capitais permitidos pela proliferação de economias familiares nascidas da vaga colonial-camponesa europeia. Portanto, nada de vinho, nada de cerveja, nada de polenta, nada de indústria!

A própria economia pastoril conheceria forte golpe com a secessão. Sem o apoio das províncias centrais brasileiras, o tráfico de trabalhadores escravizados seria abolido, sob a pressão inglesa. As fortes perdas de cativos para o Uruguai, durante a guerra de independência, seriam repostas com dificuldade e a necessidade de fortalecer os exércitos pampianos levaria à abolição da escravatura, como nas repúblicas vizinhas. Um ponto para os republicanos! A produção charqueadora-pastoril sofreria com a falta de mão de obra para ser explorada.

Os fazendeiros farroupilhas do norte do Uruguai, entre eles o general Netto e Francisco Pedro de Abreu, se submeteriam comportados às leis da nação vizinha, ou seriam expulsos a patadas, pelo presidente blanco, como Atanásio Aguirre, pois não poderiam esconder-se sob a bandeira dos exércitos imperiais, como fizeram em 1851 e 1865.

O estrangulamento da imigração camponesa alemã e a inexistência da italiana, polonesa, judia, etc. materializariam o destino pastoril sonhado pelos chefes e ideólogos farroupilhas para a antiga província. Como no Uruguai, na República do Pampa não brotariam as indústrias artificiais, contra as quais os descendentes políticos farroupilhas – liberais, federalistas, libertadores, udenistas, neoliberais etc. – mobilizaram-se e mobilizam-se. Cidades como Caxias, Marau, Santa Cruz do Sul não existiriam nas fronteiras da nação farroupilha.

Sem matérias-primas, sem petróleo, sem um porto decente como Montevidéu e, sobretudo, com uns raquíticos dois milhões de habitantes, restaria aos pampianos a produção de carne, de lã, os móveis e chocolates de Guaíba, uma raquítica agricultura, carente de implementos e agro-tóxicos, comprados a peso de ouro de São Paulo, e travada pelas barreiras alfandegárias sobretudo do Brasil. A saída seria transformar os pampas em um imenso deserto verde, igual que o Uruguai atual!

Os produtos industriais importados dos USA, da Europa, da Argentina e sobretudo do Brasil, seriam proibitivos para a maior parte dos pampianos, desempregados e subempregados, que partiriam aos magotes para trabalhar na construção civil e em metalúrgicas paulistas, onde seriam tratados como os nordestinos. Periodicamente, as autoridades brasileiras regulamentariam a permanência dessa mão de obra estrangeira barata.

Para terminar, não teríamos a Semana Farroupilha, já que seria a semana da Pátria, nem o Movimento Tradicionalista Gaúcho, substituído pelo Ministério da Cultura. A grande novidade seria o fortíssimo MOUBRAPAM (Movimento pela União do Brasil e do Pampa), nascido durante os motes populares ocorridos em Bagé, a capital e cidade mais populosa do Pampa, quando da quinta desvalorização do estribo, moeda nacional da República, após a crise de 2008. Tudo no início do segundo mandato do presidente Tonico Augustus Nico Fagulhas, que se encerra em 20 de setembro de 2010. Caso não modifique a constituição para concorrer ao terceiro.


* Mário Maestri, historiador, é professor do Curso e do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade de Passo Fundo. E-mail: maestri@via-rs.net


Texto encontrado no blog do Luís Nassif

Também houve um texto de contraponto, mas acho que serviu mais como apologia do Uruguai. 

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