Dois demônios
O atual ministro da Defesa, Nelson Jobim, presta um desserviço ao país com suas declarações sobre a Comissão da Verdade. Ao afirmar que a comissão deveria apurar também as ações de grupos de luta armada contra a ditadura, o ministro reforça a ideia de que a violência de um Estado ditatorial contra a população e a violência de cidadãos contra tal Estado são equivalentes.
Tal colocação vem coroar uma semana na qual ouvimos o ministro de Segurança Institucional dizer que não é motivo de vergonha o desaparecimento de presos políticos.
Afirmações dessa natureza baseiam-se na chamada "teoria dos dois demônios": malabarismo retórico de quem acredita que "excessos" foram cometidos dos dois lados e que, por isso, melhor seria deixar o passado no passado.
Tal sofisma foi rechaçado por todos os países. Não por outra razão, o Brasil é mundialmente citado como exemplo negativo no que diz respeito ao dever de memória e ao trato dos direitos humanos.
Um dos fundamentos da democracia ocidental consiste no direito de resistência. Em última instância, ele afirma que toda ação contra um Estado ilegal é uma ação legal.
O filósofo liberal John Locke lembrava que assassinar o tirano não era crime, pois homens livres não se submetem a grupos que tomam o poder pela força e impõem um regime de exceção e medo.
Foi baseado nesse conceito que, por exemplo, os resistentes franceses não foram considerados criminosos, mesmo tendo perpetrado sabotagens e ações violentas contra outros franceses, colaboradores do nazismo. O problema é que há pessoas no Brasil que estão aquém até mesmo de um conceito liberal de democracia.
Por outro lado, com suas afirmações, o ministro da Defesa esconde tacitamente o fato de que os integrantes da luta armada envolvidos nos chamados "crimes de sangue" já foram julgados. Eles não foram beneficiados pela Lei da Anistia, de 1979. Por isso continuaram na prisão mesmo após essa data, fato que o pensamento conservador nacional faz de tudo para acobertar.
Ou seja, os únicos anistiados foram os responsáveis por terrorismo de Estado.
Por fim, vale lembrar que, contrariamente a outros países sul-americanos, não existiam grupos de luta armada no Brasil antes da ditadura militar. Eles foram o resultado direto do fechamento das vias políticas de transformação.
Por isso, aos que se contentam em repetir chavões como "temos que construir o futuro, o importante é isso" devemos lembrar que país nenhum construiu o seu futuro sem acertar contas com os crimes do passado.
A exigência de justiça é como a razão, segundo Freud: ela pode falar baixo, mas nunca se cala.
O atual ministro da Defesa, Nelson Jobim, presta um desserviço ao país com suas declarações sobre a Comissão da Verdade. Ao afirmar que a comissão deveria apurar também as ações de grupos de luta armada contra a ditadura, o ministro reforça a ideia de que a violência de um Estado ditatorial contra a população e a violência de cidadãos contra tal Estado são equivalentes.
Tal colocação vem coroar uma semana na qual ouvimos o ministro de Segurança Institucional dizer que não é motivo de vergonha o desaparecimento de presos políticos.
Afirmações dessa natureza baseiam-se na chamada "teoria dos dois demônios": malabarismo retórico de quem acredita que "excessos" foram cometidos dos dois lados e que, por isso, melhor seria deixar o passado no passado.
Tal sofisma foi rechaçado por todos os países. Não por outra razão, o Brasil é mundialmente citado como exemplo negativo no que diz respeito ao dever de memória e ao trato dos direitos humanos.
Um dos fundamentos da democracia ocidental consiste no direito de resistência. Em última instância, ele afirma que toda ação contra um Estado ilegal é uma ação legal.
O filósofo liberal John Locke lembrava que assassinar o tirano não era crime, pois homens livres não se submetem a grupos que tomam o poder pela força e impõem um regime de exceção e medo.
Foi baseado nesse conceito que, por exemplo, os resistentes franceses não foram considerados criminosos, mesmo tendo perpetrado sabotagens e ações violentas contra outros franceses, colaboradores do nazismo. O problema é que há pessoas no Brasil que estão aquém até mesmo de um conceito liberal de democracia.
Por outro lado, com suas afirmações, o ministro da Defesa esconde tacitamente o fato de que os integrantes da luta armada envolvidos nos chamados "crimes de sangue" já foram julgados. Eles não foram beneficiados pela Lei da Anistia, de 1979. Por isso continuaram na prisão mesmo após essa data, fato que o pensamento conservador nacional faz de tudo para acobertar.
Ou seja, os únicos anistiados foram os responsáveis por terrorismo de Estado.
Por fim, vale lembrar que, contrariamente a outros países sul-americanos, não existiam grupos de luta armada no Brasil antes da ditadura militar. Eles foram o resultado direto do fechamento das vias políticas de transformação.
Por isso, aos que se contentam em repetir chavões como "temos que construir o futuro, o importante é isso" devemos lembrar que país nenhum construiu o seu futuro sem acertar contas com os crimes do passado.
A exigência de justiça é como a razão, segundo Freud: ela pode falar baixo, mas nunca se cala.
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