Sabemos que um mundo altamente internacionalizado oferece oportunidades e dificuldades de todo tipo — e que nem sempre é fácil encontrar uma postura coerente, de acordo com os interesses de um país. Não há cartilha pronta para resolver todas situações.
Um desses temas mais complicados diz respeito aos direitos humanos. Pergunta-se: quando um governo deve interferir nas questões internas de outro país?
Quando um país pode acolher uma intervenção externa sem sentir-se atingido em sua soberania?
Quando um país pode acolher uma intervenção externa sem sentir-se atingido em sua soberania?
Os adversários do governo Lula foram rápidos em condenar seu governo pelo silêncio obsequioso em relação à ditaduras do Irã e de Cuba. A crítica está correta.
Ainda que nossa diplomacia possa fazer o possível para manter-se numa postura distante daquela patrocinada pelo governo americano — que tem outros interesses e outros objetivos ao pressionar o governo cubano e o regime dos aiatolás — nenhum país tem o direito de ficar em silêncio diante da tortura e execução de oposcionistas, como ocorreu no Irã, ou mesmo da perseguição de dissidentes, como é rotina em Cuba.É curioso, no entanto, a reação oposta dessas mesmas pessoas diante de uma decisão que diz respeito aos direitos humanos — no Brasil. A incoerência atravessa a fronteira do absurdo e do ridículo.
Como se sabe, a Corte Interamericana de Direitos Humanos condenou o Brasil a apurar e investigar os crimes ocorridos na guerrilha do Araguaia. Não estamos falando de uma ONG nem de uma ação de governo.
Estamos falando de um tribunal cuja legitimidade o próprio governo brasileiro reconhece desde os tempos de Fernando Henrique Cardoso.
Países que costumam ser apontados como exemplo de estabilidade democrática — como o Chile — chegaram a reformar artigos de sua Constituição para atender a uma demanda da Corte, que condenou a Justiça chilena pela probição do filme “A tentação de Cristo”. Sob pressão da Corte, o Chile aboliu a censura. A pressão do tribunal também levou as autoridades peruanas a reabrir investigações sobre o massacre de um grupo de militantes da luta armada ocorrido durante a guerra do governo de Alberto Fujimori contra o Sendero Luminoso.
No Brasil, é diferente. A mesma velocidade exibida para atacar a postura do governo Lula no Irã e em Cuba foi utilizada para colocar a decisão sobre o Araguaia embaixo do tapete. Não se discute, não se pondera.
Apenas se argumenta que uma lei de 1979 — aprovada em plena ditadura militar, sob protesto da oposição e dos movimentos de direitos humanos — não pode ser modificada sob o risco de se produzir uma ameaça à democracia. Quem se der ao trabalho de examinar aquele texto de 31 anos atrás e comparar com as emendas e modificações realizadas ao longo dos anos, verá que é possível fazer mudanças sim — desde que se faça um acordo político para isso.
Vítima, igualmente, de uma ditadura militar, a Argentina já teve várias legislações a respeito. Por caminhos diversos, duas prometiam um perdão semelhante ao que vigora no Brasil. Outras duas, revogaram a decisão anterior. Em função disso, as penintenciárias daquele país se transformaram em instituições de alta rotatividade. Generais e torturadores entram e saem da cadeia em função das mudanças da conjuntura política.
Numa decisão recente, o general Rafael Videla foi condenado à prisão perpétua — mas ninguém tem certeza sobre a real duração dessa perpetuidade. Parece esquisito, talvez não seja o mais adequado mas é assim que as democracias funcionam, num esforço perpétuo de aperfeiçoamento. (Menos de uma década depois de ter sido aprovada nossa Constituição de 1988 passou por uma reforma e tanto, não é mesmo?)
No Brasil, não se fala em mudanças. Confirmado no cargo de ministro da Defesa do governo Dilma, Nelson Jobim é um dos principais advogados do silêncio. Com maldade, seria possível até sustentar que ao menos o governo do PT manteve uma postura coerente. Não se intromete em assuntos de outros países e não aceita intromissões externas.
A incoerência, neste caso, fica do outro lado. O mesmo coral que pede ação na frente externa exige silencio dentro de casa. É engraçado?
Não. Talvez seja uma forma utilizar uma bandeira importantíssima — direitos humanos — apenas quando isso é conveniente.
Já se viu este filme em outras oportunidades, não é mesmo?
Texto de Paulo Moreira Leite, da revista Época, visto no blog do Luís Nassif.
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