Já era quase meio-dia e a coach, cujo trabalho consistia em tirar as pessoas da zona de conforto, não conseguia encontrar motivos para sair da própria cama.
Seus colegas do “5am club”, que acordavam às cinco da manhã, provavelmente já tinham corrido 10 km, feito 20 minutos de meditação “high stakes”, motivado três moradores de rua a impulsionar seus ganhos de esmolas, ingerido 30 mg de Ritalina e batido meia dúzia de metas.
Enquanto isso, a sua única ação do dia havia sido apertar o botão soneca mais de 20 vezes, fazendo com que o despertador também desistisse de seus objetivos. Ela tentou mudar o “mindset” e pensar fora da caixa, mas o copo na cabeceira ainda parecia meio vazio, e não meio cheio.
Talvez estivesse deprimida. Mas, antes de procurar ajuda psicológica ou psiquiátrica, buscaria um “spiritual coach”, um coach de empoderamento feminino, um coach de inteligência emocional, um “wellness coach” e, por fim, um coach financeiro para ajudá-la a recuperar todo aquele dinheiro investido em coaching.
Em 2020, de acordo com seu planejamento, se tornaria CEO de si mesma e ganharia seu primeiro milhão. Sair de janeiro mais moída do que de uma aula experimental de crossfit definitivamente não estava no seu “business plan”.
O ano começou com um papa entre tapas e bênçãos, incêndios e enchentes, um discurso de Goebbels requentado, água contaminada e, se não uma guerra, por que não uma epidemia mundial? A hashtag #jádeucerto já não fazia sentido algum.
Se o Papa, o ex-secretário da Cultura ou o governador do Rio de Janeiro, por exemplo, tivessem contratado seus serviços de coaching, tudo seria mais fácil. Pelo menos para ela, que não estaria com um buraco no cheque especial mais profundo do que suas olheiras.
Sim, mesmo dormindo além da conta ela continuava com olheiras, em mais uma confirmação de que o mundo podia ser muito injusto.
Foi quando teve um “insight”. Cansada de usar a realidade como mera desculpa para não perseguir seus sonhos, decidiu dormir mais cinco minutinhos.
Meia hora depois, mudou de posição, pois seu braço esquerdo estava um pouco dormente. Em uma atitude ousada e inovadora, fez da cama seu “workplace”. Afinal, quem sonha sempre alcança.
Texto de Manuela Cantuária, na Folha de São Paulo.
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