terça-feira, 18 de fevereiro de 2020

Saga dos aposentados

Nas reformas previdenciárias quase sempre aparece na boca dos proponentes um argumento que me choca: mexer no passado para não comprometer o futuro. O aposentado surge como um usurpador, aquele que, com seus ganhos, impediria novos investimentos e melhores salários para os trabalhadores na ativa. Sempre achei cedo alguém se aposentar aos 55 anos de idade. Mas considero, para muitos, tarde ter de esperar até os 65. Num país como o Brasil parte considerável da população está gasta aos 60 anos de idade. As reformas já passaram. Se falo disso é por ter ficado com esse incômodo latejando na cabeça.
      O aposentado não é um traste nem um parasita. Trabalhou, contribuiu, não veio ao mundo somente para produzir. Vivemos nossos fracassos cotidianos. O socialismo real mostrou-se incapaz de entregar o prometido. O capitalismo contenta-se em colocar todos contra todos. A aposentadoria por repartição patina na medida em que as pessoas vivem mais. A aposentadoria por capitalização vira distopia, como no Chile, quando chega a hora de parar de trabalhar. A tecnologia indica que caminhamos para um mundo do pós-trabalho. Como será? O que faremos? Adestrados para o produtivismo, temos medo de um mundo de pleno tempo livre. Se as máquinas fizerem o que fazemos, especialmente o menos interessante, qual será o nosso destino, a nossa utilidade?
      Essas perguntas revelam o nosso imaginário. Praticamente não sabemos pensar fora do caixa da produção de mercadorias. Marchamos para a aposentadoria e para a morte. Quando reformas previdenciárias aparecem, os preconceitos com a figura do aposentado se escancaram. Como pode um aposentado querer ter o mesmo salário ou o mesmo padrão de vida de quando estava na ativa? Como pode pretender ter os mesmos aumentos? O aposentado vira o inimigo das contas públicas. Os neoliberais sugerem que cada um deve se virar por conta própria. Se não poupou, que se dane. Ou que sobreviva com o máximo que o Estado deveria lhe dar: um salário mínimo. Ouve-se que se a educação não é melhor a causa estaria nos privilégios dos aposentados. Que inferno!
      Cheguei a uma conclusão tétrica: a melhor maneira de se aposentar, do povo de vista de todos os tecnocratas, é morrer na véspera de parar. Na minha utopia, o aposentado deveria ganhar mais do que na ativa para ter condições de viver melhor os seus últimos anos de vida. A sociedade deveria encontrar a fórmula necessária para que fosse assim. Se as cidades estão engarrafadas, o transporte coletivo deve prevalecer sobre o individual. Se a vida é curta, o bem-estar geral deve se sobrepor à ganância particular. Tenho minhas definições. Capitalista: indivíduo que acredita ser eterno. Por isso, quer acumular para sempre. Nada contra os capitalistas. Mas são estranhos.
A certeza da morte me faz concluir que é fundamental ter alguns anos de aposentadoria em plena saúde com boas condições materiais. Se cada um não consegue alcançar esse patamar, caberia à sociedade organizar-se para oferecer esse benefício. Foi o que me sugeriu, na República Dominicana, uma porto-riquenha radicada nos Estados Unidos.

Texto de Juremir Machado da Silva, em seu blog no Correio do Povo.

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