Parece resposta decorada, mas não é. Muitos escritores dizem que, se pudessem, passariam suas vidas lendo, e não escrevendo. Flávio Moreira da Costa, morto no sábado (23) aos 77 anos, deu um jeito de resolver essa equação.
Sem abandonar a veia da ficção —criou um alter ego, personagem chamado João do Silêncio, com o qual assinou os livros “O País dos Ponteiros Desencontrados” e “Alma-de-Gato”, desconcertantes, nada comportados, centrados na linguagem e influenciados pelo cinema de Jean-Luc Godard—, Flávio investiu na produção de antologias, fazendo tanto pelo gênero que se tornou sinônimo dele no Brasil.
Pelas grandes tiragens e vendagens e pelo amplo panorama literário que apresentam, os livros que organizou fizeram mais pela criação de novos leitores do que muitos programas governamentais. Ele mesmo perdeu as contas (ou os contos). Publicou mais de 30 coletâneas, para cuja elaboração frequentou bibliotecas, reuniu coleções de outros países e gastava, no mínimo, quatro horas de leituras diárias.
Os amigos brincavam dizendo que um dia alguém teria de fazer o livro “As 100 Melhores Antologias de Flávio Moreira da Costa”. Nele, não poderiam faltar “Os Melhores Contos de Cães e Gatos”, “Os Melhores Contos de Loucura”, “Aquarelas do Brasil (Contos da Nossa Música Popular)” e a série “100 Melhores”, com histórias de humor e terror, crime e mistério, fantásticas e eróticas.
Em suas seleções, não havia receita. Só a forte marca autoral, e uma ou outra surpresa. Ao armar “O Melhor do Humor Brasileiro”, em 2016, apostou que a graça podia estar na desgraça e escalou Noel Rosa ao lado de Ruy Barbosa.
Enfrentando um câncer de rim há seis anos, Flávio levou a mágoa de não ter publicado uma obra a que se dedicou com especial carinho: “Intimidades Célebres: O Livro dos Diários”, que permanece inédita devido a um imbróglio editorial.
Texto de Álvaro Costa e Silva, na Folha de São Paulo.
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