sábado, 16 de março de 2019

A revolução dos cordeiros


A revolução dos cordeiros

Fábula de Jorginho Orwell será lançada mais cedo do que se imagina



Era uma vez uma fazenda chamada Vivenda das Papoulas. Nela moravam apenas carneiros, ovelhas e cordeiros. A convivência era harmoniosa, todos comiam e cantavam juntos.
Até que um dia um cordeiro sumiu. Ventilou-se a suspeita de que uma raposa tivesse entrado naquele ambiente seguro usando a Lei Rouanet. "Antigamente é que era bom. A gente podia andar em segurança", baliu a sexagenária ovelha Regina. Desse dia em diante, a iminência de um novo ataque era sempre alardeada.
O patriarca da família Winston propôs uma ideia radical: contratar lobos para cercar a fazenda e garantir a segurança. O pagamento seria em lã, couro, laticínios, bujões de gás e TV a cabo. Foi ovacionado. "Ou as raposas se adequam, ou serão comidas", discursou.
No entanto os cordeiros continuavam a sumir. Agora em maior número. "O problema é que alguns carneiros mamam nas tetas das ovelhas o dia todo, ganham sete arrobas e não fazem nada", baliu o patriarca da família Winston. Depois dessa frase, os ovinos passaram a se hostilizar. Em nome da ordem, o patriarca da família Winston contratou mais lobos.
Um dia a sexagenária Regina entrou na propriedade de um dos cordeiros do patriarca Winston. Ficou assustada quando viu parentes de lobos trabalhando ali. Ela já sabia que outro cordeiro do patriarca Winston namorava a filha de uma loba que era sua vizinha. E que a família Winston tinha o hábito de homenagear os lobos. Mas achou que tudo não passava de coincidência.
Não havia tempo. Os apoiadores do patriarca Winston estavam concentrados em acabar com a mamata e exterminar as raposas.
Meses depois, intrigada, a sexagenária Regina foi a uma biblioteca. Em suas pesquisas, descobriu que a Vivenda das Papoulas ficava em Atibaia e que não havia raposas naquela região.
Quando retornava para informar seus companheiros, a sexagenária Regina levou uma forte mordida. Olhou para o lado e ficou horrorizada: um cordeiro, antes inofensivo, agora espumava e mostrava os dentes. Depois de comer a sexagenária Regina, o cordeiro lambeu os beiços. E uivou.

Texto de Renato Terra, na Folha de São Paulo

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