sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

Etiqueta do Carnaval de rua

Bem que, um dia, o poeta Dante Milano (1899-1991) escreveu: "Brasileiros, vocês hão de ter saudades do Carnaval". Quando ele disse isso, nos anos 30 --certamente em meio a multidões brincando enlouquecidas em Botafogo, no Catumbi, na Gamboa--, parecia estar adivinhando que, nas décadas de 70, 80, 90, e mesmo no Rio, o Carnaval se reduziria a um longo feriado de ruas tristes e vazias.
Bem, o Carnaval está de volta às ruas. Mas, como o fenômeno é recente, talvez algumas praças ainda não estejam muito familiarizadas com sua etiqueta e prática. Saberão, por exemplo, a diferença entre bloco e banda? Os blocos são miniescolas de samba --seus componentes cantam sambas novos, de sua própria autoria, ao som de uma bateria reduzida, mas respeitável. Já as bandas usam instrumentos de sopro e seu repertório consiste de marchinhas e sambas clássicos.
Bandas temáticas são permitidas --como, no Rio, a Sargento Pimenta, especializada em temas dos Beatles, ou a Fogo e Paixão, em homenagem ao cantor Wando, com direito a chuva de calcinhas--, mas sempre em ritmo de marcha. Blocos e bandas são gratuitos e democráticos. Cada folião se veste como quiser e ninguém pode ser encurralado por cordas.
Beijos de língua e à primeira vista são quase obrigatórios, desde que com consentimento mútuo. Não é preciso pedir desculpas quando se encosta casualmente --ou de propósito-- no chassis de alguém. Quem não quiser ser tocado no tríduo deve optar pelo retiro espiritual.
Confete e serpentina, tudo bem, mas espuma, nem pensar. Mijar em árvores, postes e paredes e pisotear canteiros, jamais --cabe à prefeitura instalar banheiros químicos e tentar proteger os jardins. E é definitivamente proibido rilhar os dentes, jogar o carro em cima do bloco e atropelar pessoas que querem apenas ser felizes.


Texto de Ruy Castro na Folha de São Paulo

Fim à pena de morte


A ditadura que sobreveio ao golpe de 1964 produziu 426 mortos e desaparecidos. A maioria das mortes "oficiais" foi justificada por um artifício do regime militar: uma medida administrativa designada auto de resistência, ou resistência seguida de morte. Era o salvo-conduto para que policiais matassem opositores: o simples registro de um auto de resistência relegava a investigação às gavetas.
Cinquenta anos depois, o ato administrativo continua intocado e é considerado legítimo por autoridades policiais e judiciárias. Hoje, na mira da arma policial está, em maioria, uma população civil jovem, negra e sem antecedentes criminais.
O auto de resistência é um entulho da ditadura cuja motivação, antes política, passou a ter viés social. Em abril de 2008, ao justificar o assassinato de nove pessoas pela Polícia Militar na favela de Vila Cruzeiro (Rio), o coronel Marcus Jardim assim expressou a filosofia que norteia esses assassinatos: "A PM é o melhor inseticida social". A ideia que legitima a ação de maus policiais é a de que pobreza, cor da pele e criminalidade são sinônimos. A sociedade incorporou esses preconceitos --ou os preconceitos da sociedade contaminaram as polícias?
O relatório "Segurança: Tráfico e Milícia no Rio de Janeiro" examinou 12.560 autos de resistência na década de 1990 e concluiu: todas as mortes em ações policiais ocorreram nas favelas; 65% dos assassinados levaram pelo menos um tiro nas costas ou na cabeça, o que permite concluir que foram sumariamente executados. Os mortos foram sentenciados num julgamento em que o policial é o juiz e o carrasco.
Entre janeiro de 2010 e junho de 2012, 2.882 pessoas foram mortas pela polícia no Rio, Mato Grosso do Sul, Santa Catarina e São Paulo, numa média de três por dia --no ano passado, chegou a cinco.
Os Estados Unidos, no mesmo período, tiveram 410 desses casos. Em Nova York, a polícia atirou em 24 pessoas e matou nove em 2011. Naquele ano, o Rio teve 283 mortos por policiais; em São Paulo, 242.
Em 2012, eu e os deputados Fabio Trad (PMDB-MS), Protógenes Queiroz (PCdoB-SP) e Miro Teixeira (Pros-RJ) apresentamos à Câmara o projeto de lei nº 4.471. Ele acaba com o auto de resistência, obriga a preservação da cena do crime, a perícia imediata e a coleta de provas e define a abertura de inquérito. Fica vetado o transporte das vítimas em "confronto" com os agentes, que devem chamar socorro especializado.
O Estado de São Paulo, no ano passado, tomou medidas para coibir a violência policial, em resposta à elevação constante das mortes em autos de resistência. Em 2012, o Estado registrou 546 mortos, contra 439 em 2011.
Relatório da ONG "Human Right Watch" registrou que, em 2012, 95% das pessoas feridas em confronto e transportadas por policiais morreram no trajeto ou no hospital. No início de 2013, o governo proibiu o registro dos autos de resistência e impediu que os policiais socorressem as suas vítimas. Em um ano, foi registrada queda de 39% dessas mortes no Estado e 47% na capital.
A aprovação do projeto de lei estenderá as medidas tomadas por São Paulo ao país. Será um tiro de morte em um dos mais perversos entulhos que o país carrega da ditadura, a licença para matar.


Texto de Paulo Teixeira, publicado na Folha de São Paulo

Efeito mensalão


A punição criminal, com suas penas de privação de liberdade e multa, há de ser sempre individualizada. O juiz, quando as estabelece, deve considerar as circunstâncias específicas dos fatos e a culpabilidade da pessoa que é condenada.
Embora soe óbvio, nem sempre foi assim. Na antiga Grécia, por exemplo, a punição estendia-se a toda família do criminoso. Atualmente, punições coletivas, vedadas por nossa Lei de Execução Penal, ainda são uma realidade.
Quanto à pena criminal de multa, é fato que nossas leis, para a maioria dos crimes, a preveem conjuntamente com a pena de reclusão. E quando a pena privativa de liberdade é igual ou inferior a quatro anos e o crime é cometido sem violência, sendo o condenado primário, a prisão será substituída por penas alternativas, que variam desde a prestação de serviço à comunidade a até mesmo uma outra pena de multa --a chamada prestação pecuniária--, que se soma à outra pena de multa originariamente prevista.
É fato também que na atual redação de nosso Código Penal, toda punição pecuniária, que nada tem a ver com a reparação do dano, é considerada dívida de valor, sendo certo que a inadimplência não leva o condenado ao cárcere. Ele sofrerá penhora de bens, não podendo a execução alcançar terceiros, salvo se tiver havido fraude ou simulação para evitar que o Estado satisfaça o seu crédito.
Estabelecidas essas premissas, gostaríamos de compartilhar com o leitor uma reflexão sobre as vaquinhas realizadas para o pagamento das penas pecuniárias impostas pelo Supremo Tribunal Federal aos condenados do caso mensalão.
Não se discute, por certo, que as doações foram realizadas por pessoas de bem, alguns com depósitos módicos, outros substanciosos, tendo todos ampla liberdade para doar a quem quiser o seu dinheiro. Se doaram por convicção ideológica-partidária, por entender que o julgamento foi injusto, por amizade ou por admiração, não cabe a ninguém questionar. E certamente os condenados beneficiários das doações pagarão os impostos devidos, como o de transmissão de valores entre vivos.
Porém, como todo dinheiro precisa ter origem, os depósitos deverão estar todos identificados, para a própria segurança daqueles que deles se beneficiaram.
Por outro lado, embora insista-se no óbvio, como fez o senador Eduardo Suplicy (PT-SP), de que não há lei que proíba doações para tal fim, atacando o ministro Gilmar Mendes, que levantou dúvidas diante do volume milionário e da rapidez da arrecadação, o fenômeno da vaquinha literalmente esvaziou a punição pecuniária imposta pelo Supremo, deturpando o caráter personalíssimo da sanção criminal.
Aqueles que doam estão, no fundo, solidarizando-se e, de certa forma, cumprindo a pena no lugar do outro, o que traz para o Poder Judiciário grande desconforto.
Ao mesmo tempo, réus mais humildes e menos politicamente influentes que se envolveram nos mesmos fatos certamente sentirão no bolso, com o arresto de seus bens, a implacável punição criminal pecuniária. A desigualdade de situações e de efetivo cumprimento de suas penas também gera uma incômoda sensação.
Outro fato que nos chama a atenção é o de que esse episódio poderá gerar um efeito bumerangue em matéria de aumento do encarceramento. Isso porque o descrédito que o fenômeno da vaquinha trouxe à pena de multa poderá estimular que tribunais enalteçam ainda mais a pena de prisão como única resposta penal, certos de que, neste caso, a pena não poderá ser cumprida mediante vaquinha.
Com isso, a situação das cadeias brasileiras --que hoje são a maior violação humanitária do continente americano-- poderá piorar ainda mais. De tudo, uma coisa é certa: o Judiciário, como Poder, foi desafiado e de certa forma vencido.


Texto de Ricardo Delmanto Júnior, publicado na Folha de São Paulo.

quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

Legalização da maconha ganha força em mais Estados nos EUA


Pouco mais de um ano após Colorado e Washington legalizarem a maconha, mais de meia dúzia de Estados, incluindo alguns no sul conservador, está considerando descriminalizar a droga ou legalizá-la para uso medicinal ou recreativo. Isso cria um ano divisor de águas na batalha sobre se a maconha deve ser tão aceitável quanto o álcool.

Demonstrando como a maconha não é mais uma questão rigidamente partidária, os dois Estados com maior probabilidade de seguirem neste ano o Colorado e Washington na legalização da droga é o Oregon, dominado por democratas liberais, e o Alasca, onde dominam os republicanos libertários.

Os defensores de leis mais lenientes para a maconha dizem que pretendem manter o impulso de seus sucessos, animados pelas pesquisas estaduais e nacionais que mostram uma maior aceitação da legalização da maconha pelo público; as recentes reflexões do presidente Barack Obama sobre o efeito discriminatório dos processos envolvendo maconha; e a divulgação de diretrizes pelo Departamento do Tesouro, visando facilitar para os bancos realizarem negócios com empresas legais de maconha.

Os adversários, que também consideram este um ano crucial, estão igualmente determinados a conter o impulso para legalização. Eles são auxiliados pela postura 'aguardar para ver' de muitos governadores e legisladores, que parecem cautelosos em seguir em frente muito depressa sem ver como a implantação da lei de legalização da maconha funcionará no Colorado e Washington.

"Nós sentimos que, se o Oregon ou o Alasca puderem ser detidos, isso quebraria toda a narrativa desses grupos de que a legalização é inevitável", disse Kevin A. Sabet, diretor-executivo da Abordagens Inteligentes para a Maconha, que está liderando grande parte dos esforços para conter essas iniciativas. "Nós podemos conter esse impulso."

Apesar de a droga ainda ser ilegal segundo a lei federal, o governo Obama disse que não interferirá na distribuição da maconha legal nos Estados, desde que não chegue às mãos de menores.

Pelo menos 14 Estados --incluindo a Flórida, onde uma iniciativa já se qualificou para plebiscito-- estão considerando novas leis de maconha medicinal neste ano, segundo o Projeto de Política de Maconha, que apoia a legalização, e 12 Estados e o Distrito de Colúmbia estão contemplando a descriminalização, no qual a droga permanecerá ilegal, mas as penas serão abrandadas ou reduzidas a multas. O uso da maconha medicinal já é legal em 20 Estados e no Distrito de Colúmbia.

Um número ainda maior de Estados --pelo menos 17-- viu iniciativas ou projetos de lei serem apresentados para legalizar a droga para uso adulto de modo semelhante ao álcool, a mesma abordagem utilizada no Colorado e em Washington, mas a maioria desses esforços dificilmente será bem-sucedida neste ano.

A atração da receita tributária também está se transformando em um poderoso argumento de venda em alguns Estados, particularmente depois que o governador do Colorado, John W. Hickenlooper, disse na semana passada que os impostos provenientes das vendas de maconha legal seriam de US$ 134 milhões no próximo ano fiscal, muito mais do que foi previsto quando a medida foi aprovada em 2012.

Em Rhode Island, que enfrenta dificuldades financeiras, defensores nacionais e locais da legalização dizem que as notícias do Colorado certamente ajudarão a legislação apresentada em fevereiro para legalização da droga.

"Algumas pessoas sentem que não é uma questão apropriada para um ano eleitoral, enquanto outras querem aguardar para ver o que acontecerá no Colorado", disse o senador estadual Joshua Miller, o democrata que apresentou a lei de legalização em Rhode Island. "Mas há muitas pessoas que estão muito ansiosas em levar muito a sério a parte da receita."

Enquanto isso, os oponentes da legalização estão se mobilizando por todo o país para conter o avanço, atentos no Colorado a qualquer problema na implantação da nova lei.

"A legalização teria que acontecer para que as pessoas despertassem e percebessem que não a querem", disse Sabet. "De uma forma estranha, nós sentimos que a legalização em alguns poucos Estados pode ser uma bênção."

A Califórnia estava considerando a possibilidade de legalizar a maconha neste ano por meio de plebiscito --uma tentativa semelhante fracassou em 2010--, mas a Aliança de Políticas para Drogas, que está liderando o esforço, decidiu neste mês aguardar até 2016.

Apesar de grande parte da atenção recente estar voltada para os esforços de legalização, a maconha medicinal também poderá cruzar o que seus apoiadores consideram uma fronteira importante neste ano --mais notadamente no sul, onde Alabama, Geórgia e Carolina do Sul estão entre os Estados considerando essas leis.

Uma maioria por pequena margem de americanos (51%) diz acreditar que a maconha deveria ser legal, segundo uma pesquisa "New York Times/CBS News" realizada na semana passada, um resultado semelhante ao de uma pesquisa da "CBS News" do mês passado. Em 1979, quando o "Times" e a "CBS" fizeram pela primeira vez essa pergunta, apenas 27% queriam a legalização da maconha.

Mas há diferenças notáveis na nova pesquisa. Apesar de 72% das pessoas com menos de 30 anos serem favoráveis à legalização, apenas 29% das pessoas com mais de 65 anos concordam. E apesar de um terço dos republicanos agora ser favorável à legalização, isso é bem menos do que os 60% de democratas e 54% de independentes que são favoráveis.

No Alasca, foram reunidas assinaturas suficientes para colocar a iniciativa de legalização em votação.

"O Alasca é um Estado republicano, mas com um forte caráter libertário", disse Taylor Bickford, porta-voz da Campanha para Regular a Maconha como o Álcool no Alasca. "A ideia de liberdade e responsabilidade pessoal está unindo os moradores do Alasca, tanto de direita quanto de esquerda."

Mas, segundo a lei estadual, a votação ocorrerá durante as primárias de 19 de agosto, não na eleição geral.

Texto de Rick Lyman, para o The New York Times, reproduzido no UOL. Tradutor: George El Khouri Andolfato

As duas Caracas e a "guarimba"


À enorme divisão política na Venezuela, já tratada aqui (folha.com/no141491), soma-se um abismo geográfico entre a Caracas do Leste, que protesta quase diariamente, e a do Oeste, normalmente violenta ao extremo, mas que, em comparação ao Oriente, está calma nestes dias de "guarimba", como seus habitantes chamam a confusão que se estabeleceu do outro lado.
A diferença é retratada por Airam Fernández no "Últimas Notícias":
"O Oeste parece outra cidade. Em zonas populares como 23 de Janeiro, Catia e Propatria, a realidade não é a mesma de Chacao, Altamira ou Los Ruices [os bairros de classe média e alta do lado oriental]. Nesta metade da capital, os vizinhos não adotam a 'guarimba' nem fecham as ruas em sinal de protesto".
Mas, atenção, o silêncio dos bairros populares não quer dizer satisfação com os rumos da chamada revolução bolivariana. Airam Fernández informa, também, que os moradores de 23 de Janeiro, Catia e Propatria "confessam que se unem à atividade que, durante as noites, ensurdece os habitantes: 'cacerolear'" (bater panelas em sinal de protesto).
Se é assim, por que não se unem à "guarimba"? Simples: porque, "para as pessoas que conheço neste lado da cidade, os protestos têm pouco a ver com resolver seus problemas, e muitos acreditam que só tornarão as coisas piores", depõe Rebecca Hanson, blogueira norte-americana que mora e faz pesquisas em Catia, bastião chavista.
Mais: "Há uma percepção amplamente aceita pelos chavistas de que a oposição deseja ir a qualquer extremo –açambarcar comida, destruir infraestrutura etc.– para recuperar o poder que perdeu sob Chávez".
Essa percepção é a que o governo vende e não está completamente longe da verdade.
A ala da oposição liderada por Leopoldo López, hoje preso, acha de fato que as manifestações de rua são o caminho para defenestrar Nicolás Maduro. Outro grupo, liderado por Henrique Capriles, prefere acumular forças para bater o governo nas urnas, a única maneira democrática de fazê-lo.
A desconfiança em relação aos "guarimberos" no lado ocidental de Caracas "não quer dizer que as tensões não sejam altas nem que os chavistas não estejam desiludidos", completa Rebecca.
Reforça Rory Carroll no "Guardian", um raro jornal do Ocidente que não é hostil ao chavismo:
"Esta pretensa alternativa ao capitalismo é uma casca. Enfrenta uma ameaça existencial não dos jovens cantando nas praças, mas do fato de que a Venezuela é uma ruína disfuncional, caótica e em desintegração", escreve Carroll, correspondente em Caracas por seis anos.
De fato, uma inflação de 56%, desabastecimento agudo e uma criminalidade fora de controle tornariam a situação caótica mesmo que não houvesse a "guarimba".
De todo modo, na agenda de prioridades do governo, tem que estar mesmo o controle das manifestações, antes que os outros problemas, preexistentes, se agravem ainda mais e levem o lado Oeste a trocar os "cacerolazos" pela "guarimba".

Reprodução de texto de Clóvis Rossi, na Folha de São Paulo

Black blocão


Eles se dizem "independentes". São os que dependem, para qualquer dos seus objetivos, de cargos governamentais, de dinheiro liberado pelo governo e de outras deformações para fazer o seu comércio político, e outros comércios. Agregados em oito aglomerações que se fazem chamar de partidos, associaram-nas para a ação na Câmara sob o nome geral de "blocão".
Os líderes dos oito partidos, reunidos na casa do idealizador do blocão, deputado Eduardo Cunha, não pouparam clareza no propósito de opor resistência, com cerca de metade do plenário, às propostas e necessidades da Presidência da República nas votações da Câmara.
Exceto o Solidariedade do Paulinho da Força, PMDB, PDT, PTB, PP, PSC, Pros e PR são "partidos aliados" do governo. "Aliados insatisfeitos." Porque não recebem do governo "a atenção" desejada. A resistência terá, portanto, a finalidade de torná-los satisfeitos.
Resistir para provocar negociação. Negociação para ser atendido em indicações a cargos públicos, dinheiro do Tesouro Nacional liberado pelo governo e outras deformações que alimentam a política como comércio.
Logo, o que está criado na Câmara é o blocão da chantagem. Não mais a chantagem de uma bancada, nem a chantagem de dirigente com meios de direcionar a pauta, sustar votações, marcar ou evitar sessões extraordinárias. A chantagem passa a ser um componente da Câmara como instituição.
O esperável do governo é que procure contornar ou atenuar seu novo problema buscando entendimentos com alguns dos líderes e movimentando o vice-presidente Michel Temer, para agir no PMDB. É pena, mas a resposta do governo não será a necessária, a que seria a resposta à altura.
Os deputados do blocão serão, quase todos, candidatos a reeleger-se. Ou a mandatos mais ambicionados. Chantagem do blocão? O primeiro passo da resposta poderia ser apenas um aviso: a presidente comunica que irá à TV todos os dias, em aparição oficial, para informar ao país –aos eleitores– os nomes dos deputados que exigem vantagens descabidas para votar iniciativas e soluções esperadas pela população. De quebra, despejo logo do governo, para confirmar sua disposição, de uma dúzia de pendurados em bons cargos por indicação de deputados.
O governo depende da Câmara e do Senado. Mas os deputados com força eleitoral bastante para garantir-se são muito poucos. A diferença é que uns têm audácia. O outro, é herdeiro do longo vício de ajoelhar-se.


Trecho da coluna de Jânio de Freitas, na Folha de São Paulo

quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

Famílias do crime organizado disputam mercado do narcotráfico em Israel


Há uma década, nos últimos meses da segunda Intifada, quando uma bomba explodia em Tel Aviv, o pânico invadia as ruas diante da recorrência dos ataques palestinos, e as investigações da polícia e do exército de Israel se concentravam imediatamente em células armadas na Cisjordânia ou em Gaza. Hoje, entretanto, quando uma nova explosão sacode as ruas de uma de suas cidades, os israelenses dão por certo que uma das sete grandes famílias mafiosas do país é responsável pelo ataque e que provavelmente os mortos são associados a um clã rival, em ajustes de contas que aumentaram notadamente em frequência e intensidade nos últimos meses.
Israel é um país fortificado e preparado de sobra para enfrentar as ameaças do Hizbollah no Líbano, Hamas em Gaza ou Al Qaeda no Sinai. Mas das portas para dentro a polícia israelense ficou desorientada, sem os recursos suficientes ou o preparo necessário para conter a ascensão do crime organizado. Desde outubro passado, oito pessoas morreram em 12 ataques mafiosos, segundo a polícia. A imprensa israelense eleva a 20 o número de agressões. Em muitos casos foram empregados explosivos que haviam sido roubados de bases do exército israelense.
Só na segunda semana de fevereiro três carros-bombas explodiram nas imediações de Haifa, Tel Aviv e Petah Tikvah, com um saldo de três mortos. Na última dessas localidades, dois homens morreram no que na gíria policial se conhece como acidente de trabalho: estavam transportando explosivos para atacar um clã rival, mas estes explodiram acidentalmente perto de um colégio e uma creche.
As bombas são o meio preferido, mas não o único, desses clãs mafiosos para saldar contas. Também há os tiroteios: em 15 de fevereiro passado, Taher Lala, natural de Jafa e 27 anos, foi abatido a tiros em pleno dia quando dirigia um BMW branco pelo passeio marítimo de Tel Aviv, uma das zonas turísticas mais movimentadas da cidade.
"Desde o final de 2013 vimos um notável aumento na gravidade e violência desses incidentes", explica Micky Rosenfeld, porta-voz da polícia israelense. "Detectamos um aumento da pressão que as famílias criminosas sofrem para controlar seus próprios negócios, como a extorsão, o narcotráfico ou a lavagem de dinheiro. Por isso os ataques entre esses clãs aumentaram e se tornaram mais brutais", acrescenta essa fonte.
Desde 2008 a polícia israelense conta com sua própria unidade de investigação do crime organizado, conhecida como Lahav 443 - apelidada de o FBI de Israel - que enfrenta desorientada essa intensificação do crime organizado. Seu superintendente, o major-general Menashe Arviv, demitiu-se na semana passada depois de ser acusado de ter aceitado subornos de um rabino quando servia como adido policial na Embaixada de Israel em Washington.
A polícia afirma que só em 2013 prendeu 500 pessoas posteriormente acusadas pela promotoria de relacionar-se com as atividades da máfia israelense, que tem laços estreitos com organizações criminosas dos EUA e da Europa Oriental, sobretudo a Rússia.
Segundo estimativas da própria polícia, há dez anos 80% de seus recursos se destinavam a investigar e prevenir ataques terroristas palestinos e 20% à atividade criminosa cometida por israelenses. Hoje essas porcentagens se inverteram. E mesmo assim os corpos de segurança não têm agentes especializados suficientes em crime organizado, segundo os analistas.
"A falta de agentes e investigadores especializados é só um dos motivos [do apogeu mafioso]. Há outros, e o principal é uma estratégia de ação equivocada", explica Meir Gilboa, ex-chefe da unidade criminal da polícia israelense. "A polícia se concentra nos líderes do crime organizado, e não tenta desmantelar as organizações ou suas fontes de financiamento. As organizações continuam funcionando quando seus dirigentes estão na prisão e esses líderes podem continuar exercendo da prisão porque o dinheiro continua fluindo. Além disso, enquanto cumprem pena, as guerras entre os clãs se intensifica, porque cada organização quer aproveitar o fato de que o líder rival está preso."
Muitos líderes das sete grandes famílias do crime organizado israelense, como os Abergil ou os Alperon, morreram em anos passados também pelo método carro-bomba colocado por clãs rivais. Como são acionados à distância, é difícil abrir processos criminais pois normalmente a promotoria dispõe de longas listas de suspeitos, mas não de provas incriminatórias.
Durante muito tempo a dúvida dos serviços de segurança israelenses foi a procedência desses explosivos. Todas as fronteiras de Israel estão ferreamente guardadas por seu exército, sobretudo desde que, há um ano, o governo completou uma sofisticada cerca de segurança no limite com o Sinai egípcio, até então a via tradicional de tráfico de pessoas, armas e drogas. Mas há pouco tempo o diretor da polícia, Yohanan Danino, revelou a conclusão a que chegou: "Em muitos casos esses explosivos procedem das forças de defesa de Israel", admitiu. Seu porta-voz, Rosenfeld, completa: "Os criminosos buscam material de qualidade e confiável, por isso roubam do exército".
Segundo explicam fontes militares israelenses a este jornal, "nos últimos anos se pôde observar uma tendência de roubo de diversas armas, mas o fenômeno continua mínimo". "Como não se sabe a que mãos chegarão essas armas, o exército israelense leva essas investigações muito a sério", acrescentam.
Danino, o chefe policial, afirma que sua intenção é tratar o crime organizado como se tratou há uma década os responsáveis da Intifada. "Todos são terroristas", manifestou recentemente. Pouco depois, o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu o incitou a "levar à prisão e logo" esses líderes mafiosos. Segundo o Serviço de Prisões de Israel, há 20 mil pessoas internadas em seus centros penitenciários. Destas, 5 mil são palestinos. Isso em um país de 7,9 milhões de habitantes.

Reportagem de David Alandete, para o El País, reproduzida no UOL. Tradutor: Luiz Roberto Mendes Gonçalves.

A carnavalização do STF

O STF retoma, hoje, o julgamento dos embargos infringentes dos mensaleiros petistas.
Tudo indica que absolverá os réus da acusação de formação de quadrilha.
Os lacerdinhas dirão que essa moleza é fruto da nova composição da casa, com dois novatos indicados por Dilma.
Essa mesma composição, com o novato Barroso no papel de relator, deve enviar o mensalão mineiro para julgamento em primeira instância depois da renúncia do Eduardo Azeredo para perder o foro privilegiado.
O que dirão os lacerdinhas dessa diferença de tratamento na medida que os mensaleiros petistas não tiveram o mesmo privilégio, mesmo os que nem tinham esse direito transformado em fardo?
Será que o STF dança conforme a música? Ou é samba de quem é doente do pé.
José Genoíno teve de sair de São Paulo para cumprir sua pena, por enquanto em casa, em Brasília.
Por que Roberto Jefferson, em situação similar, cumprirá a sua no Rio de Janeiro?
Ao som das maracas ninguém entende.
Talvez nada disso aconteça.

Morre violonista espanhol Paco de Lucía

Morre violonista espanhol Paco de Lucía

Conforme nota oficial, músico teria sofrido um infarto


Aos 66 anos, o violonista espanhol Paco de Lucía morreu no México, conforme anúncio feito nesta quarta-feira pela prefeitura de Algeciras, sua cidade natal, na região sul da Espanha. Paco, um dos grandes mestres do violão flamenco, foi vítima de um infarto, conforme o anúncio emitido pelo Prefeito José Ignacio Landaluce, que não especificou o local exato do óbito. 

"A morte do músico representa uma perda irreparável para o mundo da cultura e para a Andaluzia. Transforma o gênio em lenda". "Seu legado perdurará para sempre, assim como o carinho que sempre mostrou por sua terra. Apesar dele ter partido, sua música, sua maneira genial de interpretar, seu caráter, sempre estará entre nós",  disse José Ignacio Landaluce. O município de Algeciras decretou três dias de luto oficial e convocou para o meio dia um minuto de silêncio em "memória do maior violonista de todos os tempos".

Francisco Sánchez Gómez, mais conhecido como Paco de Lucía, nasceu em 21 de dezembro de 1947 em Algeciras, cidade andaluza da província de Cádiz. Durante a carreira se tornou um artista famoso em todo o mundo, que conseguiu modernizar o flamenco tradicional combinando o estilo com o jazz e outros gêneros musicais variados, incluindo a bossa nova. Em 2004, o músico, que começou a carreira aos 12 anos e divulgou o flamenco em todo o planeta, recebeu o Prêmio Príncipe das Astúrias das Artes. "A partir do violão flamenco, aprofundou também o repertório clássico espanhol - de Albéniz a Falla -, na emoção da bossa nova e no sentimento do jazz", considerou o júri. "Tudo que pode ser expressado com as seis cordas do violão está em suas mãos, que se animam com a emocionante profundidade da sensibilidade e a limpeza da máxima honradez interpretativa", completou o júri.

Apesar da fama mundial, Paco de Lucía sempre foi discreto. Ele preferia a expressão nos palcos e nas gravações musicais, ao invés da imprensa. Ele também morou e trabalhou no México, em Toledo e em Madri. O violonista gostava de lembrar que devia a carreira ao pai, um cantor de flamenco desconhecido. "Os ciganos são melhores porque escutam a música desde que nascem. Se não tivesse nascido na casa de meu pai, eu não seria ninguém hoje". "Não acredito no gênio espontâneo. Meu pai me obrigou a tocar violão desde que era criança", afirmou no livro "Paco de Lucía. Una nueva tradición para la guitarra flamenca".

A lenda dizia que seu pai o amarrava ao pé da cama em sua casa de Algeciras para impedir que o menino saísse e forçar a prática. "Não era assim, era mais psicológico. Ele perguntava 'durante quanto tempo você praticou?'. Eu respondia '10 ou 12 horas' e via sua cara de felicidade", afirmou De Lucía.


Reprodução do Correio do Povo

terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

Polícia do Rio de Janeiro confirma que ator foi preso por engano


O ator Vinícius Romão de Souza, 27, foi preso por engano, segundo confirmou a Polícia Civil do Rio nesta terça-feira (25).
Há duas semanas, ele está na Casa de Detenção Patricia Acioli, em São Gonçalo, na região metropolitana. De acordo com Niandro Lima, delegado da 25ª DP (Engenho Novo) e responsável pelo caso, a vítima de roubo que havia identificado Romão voltou atrás em seu depoimento.
O Tribunal de Justiça concedeu liberdade provisória na tarde desta terça-feira e ele deve ser solto ainda hoje.O pedido havia sido protocolado pelo advogado do ator três dias após a prisão.
Dalva da Costa Santos disse que, após identificá-lo como assaltante logo após a ocorrência, passou a ter dúvidas. Disse também que passou a refletir sobre o assunto após lembrar da contundente negativa de Romão ao ser preso sob acusação de roubo.
O ator fez parte do elenco da novela "Lado a Lado", da Rede Globo. Formado em psicologia, nos últimos meses, trabalhava como vendedor em um shopping da zona norte do Rio. Até ser preso pelo suposto roubo.
A vítima estava num ponto de ônibus, no bairro de Engenho de Dentro, quando foi abordada. Na bolsa levada pelo assaltante havia R$ 10 e um bilhete de ônibus.
Nos últimos dias, amigos e parentes de Romão iniciaram uma campanha na internet para denunciar a prisão já que nenhum objeto da vítima foi encontrado com o ator. Segundo Rubens Nogueira de Abreu, advogado do ator, vídeos gravados por câmeras no trecho onde ocorreu o assalto mostram que o verdadeiro ladrão vestia apenas uma bermuda, enquanto o ator usava calça e camisa pretas.
Até então, a Polícia Civil havia informado que, após a roubo no ponto de ônibus, a "vítima foi socorrida por um policial civil que passava pelo local". A partir daí, o policial teria circulado com a vítima pelos quarteirões próximos até avistar o ator, que caminhava pela avenida Amaro Cavalcanti.
"A vítima o reconheceu como o assaltante. O policial civil o abordou e, após chamar a Polícia Militar, levou Vinícius e a mulher para a delegacia. Na 25ª DP, a vítima, novamente, fez o reconhecimento formal", informava a nota da Polícia Civil.


Reprodução da Folha de São Paulo


Alemanha vive 'boom' de megabordéis


Um grupo de homens vestido com roupões vermelhos e brancos caminha pela recepção. Inebriados pela fumaça dos cigarros, mulheres de salto alto e clientes conversam aos risos diante de um grande balcão de bar.
Essa atmosfera insólita faz parte do dia à dia do Paradise (ou "Paraíso", em tradução livre), um dos maiores bordéis da Europa, localizado em Stuttgart, na Alemanha.
Ali tudo o que é feito entre quatro paredes tem o amparo da lei.
Construído a um custo de mais de 6 milhões de euros (R$ 19,3 milhões) e inaugurado em 2008, o local é um verdadeiro complexo de entretenimento, que abrange um restaurante, um cinema, um spa e 31 quartos privados para centenas de frequentadores.
A Alemanha legalizou a prostituição em 2002, trazendo à formalidade uma indústria que movimenta cerca de 16 bilhões de euros (R$ 52 bilhões) por ano.
Por trás da decisão, havia a intenção de evitar que as prostitutas terminassem nas mãos de cafetões.

Benefícios sociais

A partir da legalização, as profissionais do sexo têm direito à aposentadoria e à saúde pública.
"Agora, me sinto mais segura e tenho maior amparo (por parte do Estado). Depois da lei, não preciso mais sair às ruas para conseguir clientes e corro menos riscos", diz à BBC Hannah, de 22 anos, que chegou a Stuttgart depois de dois anos trabalhando em um bordel de Berlim.
Mas os críticos da legalização afirmam que as novas leis fracassaram, transformando o país no que eles chamam de "o bordel da Europa".
Nos últimos 20 anos, estima-se que o número de prostitutas na Alemanha tenha dobrado. Atualmente, cerca de 400 mil mulheres trabalham como profissionais do sexo no país.
O mercado, por outro lado, é hoje dominado por "megabordéis", onde o sexo é oferecido em escala industrial, normalmente a turistas estrangeiros.
Muitas das mulheres que trabalham no Paradise vêm de países do leste europeu, como Romênia e Bulgária.

Modelo sueco

A feminista Alice Schwarzer lançou uma campanha para que o governo alemão reverta sua decisão sobre a prostituição e copie o modelo vigente na Suécia, onde é ilegal comprar serviços sexuais, mas não vendê-los.
Isso significa que um homem flagrado com uma prostituta pode ter de pagar uma multa pesada ou enfrentar um longo processo penal.
Em nenhum dos dois casos, a mulher é afetada.
Tal modelo vem ganhando força por toda a Europa e agora está sendo seriamente considerado em sete países, inclusive a França.
No mês que vem, um relatório baseado em uma investigação do Parlamento britânico sobre prostituição deve vir a público recomendando que a Inglaterra e o País de Gales adotem o modelo sueco, ainda que uma mudança na lei seja considerada extremamente pouco provável antes das eleições legislativas de 2015.
O problema, segundo especialistas, é que uma regulação mais rígida em um país europeu normalmente gera um revés em outra parte do continente.
Os donos dos bordéis próximos à fronteira da França já estão se preparando para um aumento no número de clientes assim que uma lei mais rígida entrar em vigor naquele país.
A Paradise Island Entertainment, empresa que é dona de cinco megabordéis na Europa Central, entre eles o de Stuttgart, está a ponto de inaugurar um novo empreendimento a poucos metros da fronteira entre a Alemanha e a França, na cidade alemã de Saarbrucken.
"Encaramos a mudança da lei na França, que criminalizará quem paga por sexo, como ganhar na loteria porque passaremos a receber muito mais clientes franceses. É por isso que o lugar que escolhemos é perfeito", diz Michael Beretin, diretor de marketing da empresa.
"Simplesmente não é possível proibir a prostituição. O que está acontecendo na França é de uma falta de senso tremenda - não se pode processar pessoas por algo que uma mulher quer deliberadamente fazer", acrescenta ele.

'Sem controle'

Em Saarbrucken, cresce a preocupação sobre o crescimento da prostituição. Críticos alegam que a atividade aumentou nas ruas da cidade, apesar da multiplicação dos bordéis regulados.
A prefeita de Saarbrucken, Charlotte Britz, uma antiga defensora das leis que legalizaram a prostituição, diz acreditar, agora, que a liberalização foi longe demais.
"A prostituição existe por muitos anos na Alemanha, e nós temos bordéis no centro da cidade que são mais ou menos aceitos, mas agora parece que essa atividade cresceu sem controle", afirma Britz.
"Os países não deveriam oferecer individualmente soluções diferentes (para o problema da prostituição). Em vez disso, acredito que seria mais eficaz uma decisão no âmbito europeu, de forma a evitar o turismo sexual de um país para o outro", acrescenta ela.
A proposta de uma solução mais ampla pode avançar nesta semana, quando o Parlamento Europeu votará se deve apoiar oficialmente o modelo sueco.
Mesmo assim, a decisão de legalizar ou não a prostituição ainda ficará a cargo dos governos locais.

Reprodução de reportagem da BBC Brasil no UOL.

Camelos revelam anacronismo na Bíblia


Camelos revelam anacronismo na Bíblia
Por JOHN NOBLE WILFORD

Os camelos provavelmente não tiveram grande (ou qualquer) participação na vida dos primeiros patriarcas como Abraão, Jacó e José, que viveram na primeira metade do segundo milênio antes de Cristo.
De todo modo, as histórias sobre eles mencionam esses animais mais de 20 vezes. Gênese 24, por exemplo, fala sobre o criado de Abraão que vai de camelo procurar uma mulher para Isaac. Esses anacronismos são evidência de que a Bíblia foi escrita ou editada muito depois dos fatos que narra e nem sempre é confiável como história verificável. As histórias de camelos "devem ser vistas como projeções retroativas de um período muito posterior", disse Noam Mizrahi, estudioso israelense da Bíblia.
O doutor Mizrahi comparou essa prática a um relato de fatos medievais que se desvia para descrever que "as pessoas na Idade Média usavam carroças fechadas para transportar produtos entre os reinos europeus".
Para dois arqueólogos da Universidade de Tel Aviv, os anacronismos foram motivo para eles procurarem ossos de camelo enterrados em um antigo campo de fundição de cobre no vale de Aravah, em Israel, e em Wado Finan, na Jordânia. Eles buscavam provas de quando os camelos domesticados foram introduzidos na terra de Israel e na região circundante.
Os arqueólogos, Erez Ben-Yosef e Lidar Sapir-Hen, usaram datação com radiocarbono para identificar os mais antigos camelos conhecidos em Israel no último terço do século 10° a.C., "séculos depois que os patriarcas viveram e décadas depois do reinado de Davi, segundo a Bíblia". Ossos encontrados em sedimentos mais profundos, disseram eles, provavelmente pertenceram a camelos selvagens que as pessoas caçavam para comer. O doutor Sapir-Hen pôde identificar um animal doméstico por sinais nos ossos das pernas de que ele tinha transportado cargas pesadas.
As descobertas foram publicadas na revista "Tel Aviv".
Os arqueólogos disseram que a origem do camelo doméstico provavelmente ocorreu na península Arábica, que faz fronteira com o vale de Aravah. Os egípcios exploraram os recursos de cobre lá e provavelmente ajudaram a introduzir os camelos. Antes, a população da região contava com mulas e burros como animais de carga.
"O camelo permitiu o comércio em longa distância pela primeira vez, até a Índia, e o comércio de perfume com a Arábia", disse Ben-Yosef.
O doutor Mizrahi, professor de estudos de cultura hebraica na Universidade de Tel Aviv, que não participou diretamente da pesquisa, disse que no século 7° a.C. os camelos já eram amplamente utilizados no comércio e em viagens em Israel e em todo o Oriente Médio, da África até à Índia. Essa veio a ser a época em que as histórias patriarcais foram escritas. "Deve-se tomar cuidado para não tirar conclusões apressadas de que as novas descobertas arqueológicas renegam o valor histórico das histórias bíblicas", disse.
No que diz respeito às imagens dos três Reis Magos vindos do Oriente em camelos até o estábulo em Belém, sejam quais forem as incertezas da história, pelo menos uma coisa é clara: nessa época o camelo doméstico não era mais um anacronismo.


Reprodução de texto do The New York Times, na Folha de São Paulo

Morre nos EUA o ator e diretor Harold Ramis

Morre nos EUA o ator e diretor Harold Ramis
Cineasta, que tinha 69 anos, atuou em 'Os Caça-Fantasmas' e dirigiu 'Feitiço do Tempo'
DE SÃO PAULO

Referência das comédias americanas dos anos 1980 e 1990, o ator, roteirista e diretor Harold Ramis morreu ontem em Chicago, aos 69 anos.
Ele lutava havia quatro anos contra uma vasculite autoimune --inflamação dos vasos sanguíneos.
Ramis atuou em "Os Caça-Fantasmas" (1984) e "Os Caça-Fantasmas 2" (1989), filmes que também ajudou a escrever, e dirigiu o "Feitiço do Tempo" (1993).
Ele trabalhou como professor e jornalista antes de se juntar aos comediantes Bill Murray e John Belushi em "National Lampoon Radio Hour", programa cômico de rádio que foi ao ar nos Estados Unidos entre 1973 e 1974.
A atração deu origem ao longa "O Clube dos Cafajestes" (1978), com roteiro assinado por Ramis, Douglas Kenney e Chris Miller.
Ramis estreou como diretor no filme "Clube dos Pilantras", de 1980, com Chevy Chase e Rodney Dangerfield.
Na produção mais famosa dirigida por Harold Ramis, "Feitiço do Tempo", Bill Murray interpreta um meteorologista que revive o mesmo dia várias vezes.
Esse longa figura nas listas de melhores comédias de todos os tempos do jornal britânico "Guardian" e de organizações como o American Film Institute.
Em 1999, Ramis desfrutou de sucesso com a comédia "Máfia no Divã", que ele dirigiu e escreveu e que tinha Billy Crystal e Robert De Niro no elenco. A boa bilheteria garantiu uma sequência da história em 2002.
Seu último trabalho como diretor foi "Ano Um", comédia com Jack Black e Michael Cera, de 2009.
Entre 2006 e 2010, ele também dirigiu alguns episódios da série de TV "The Office".
Em nota, o ator Dan Aykroyd, companheiro de elenco em "Os Caça-Fantasmas" lamentou a morte do "amigo brilhante, talentoso e divertido". "Que ele ache as respostas que sempre estava buscando", escreveu.
Ramis deixa a mulher, Erica, três filhos e dois netos.


Reprodução da Folha de São Paulo

Os cariocas foram à guerra

Foi quando começaram a ser afundados os navios do Lóide Nacional. A crença pública admitiu que tais afundamentos só podiam ser atribuídos a navios nazistas. As carcaças foram promovidas a "vasos", os brios foram despertados e, na impossibilidade de despertar o gigante adormecido, despertaram o Presidente da República para a declaração de guerra.
Nos primeiros momentos, a população queria partir. Matar um alemão era a ambição de todos, trazer na ponta da baioneta um gringo.
Os jornais que incentivaram a declaração de guerra passaram a lembrar que o país era "essencialmente agrário". Impossibilitada de partir para a Europa, a população deu vazão ao amor pátrio, depredando a mercearia "Ao Belo Danúbio". Vi um grupo de patriotas desativados arrastando comprida fiada de chouriços vienenses.
Mas nem todos podiam roubar chouriços. Encontraram forma prudente de saciar os brios desencadeados. As nações aliadas lutavam contra a falta de matéria-prima para as armas, tanques e navios. Era preciso ferro, muito ferro. Revolvidas as entranhas da terra, era pouco o ferro. Foi quando surgiu a ideia: dar ferro aos exércitos aliados. Qualquer coisa servia: ferramenta velha, fechadura quebrada, bicicleta irrecuperável. Até prego. E corrente de cachorro.
Do nada foram erguidas montanhas de cangalha imprestável, lixo que um jornal chamou de "pirâmides"--cada bairro tinha uma.
Poetas fizeram sonetos alexandrinos louvando as pirâmides. O próprio Cardeal contribuiu com castiçal de ferro que pertencera, segundo laudo do Instituto Histórico, à frota cabralina. E nova onda de sonetos, louvando o Cardeal e Pedro Álvares Cabral. A maior parte da população, não podendo contribuir com sonetos alexandrinos nem castiçais cabralinos, fez o que pôde. E foi um nunca acabar de penicos e escarradeiras.


Texto de Carlos Heitor Cony, na Folha de São Paulo

Mulher fratura o braço e morre após suposta negligência médica


Um braço fraturado em duas partes, em um acidente de moto, há uma semana, no bairro de Bebedouro, Maceió, e uma série de supostas negligências médicas teriam provocado a morte da dona de casa Aldinez Maria da Silva, 38 anos, nesse final de semana. 
A denúncia foi feita na manhã desta segunda-feira (24), pelo marido da vítima, Paulo Alves dos Santos, 56 anos, que denuncia um suposto caso de negligência no atendimento pelo HGE. 
Em nota, a direção do HGE informou que irá instaurar, em caráter de urgência, processo administrativo para apurar o caso.
Segundo a denúncia, Aldinez Maria da Silva, de 38 anos, teria sido socorrida no hospital após o acidente e, no local, foi constatado que ela fraturou o braço em dois lugares. Em vez de cirurgia, foi feita a imobilização do braço, com gesso. A mulher deixou o HGE com muita dor. Na terça-feira (18), Aldinez teria voltado à unidade pedindo ajuda e, nesse dia, ele teve apenas o gesso trocado, quando passou a se queixar de que ele estaria apertado. 
Com a circulação do sangue na região do braço prejudicada, o membro começou a necrosar e os sinais do problema começaram a ser percebidos por ela na quinta-feira, com um grande inchaço da mão. A paciente voltou ao HGE aos gritos e uma enfermeira teria dito que não poderia trocar o gesso mais uma vez.
Um médico, que teve seu nome preservado, teria se oferecido para operar Aldinez ao custo de R$ 3 mil. A família ainda juntou R$ 2 mil, mas o profissional não teria aceitado.
Só na sexta-feira, após descobrir que era diabética, Aldinez foi encaminhada para o Centro Cirúrgico com o braço gangrenado, ou seja, aprodrecido.
Uma imagem obtida pelo TNH1 por meio do Facebook mostra o estado em que ficou a mão da paciente.
A mulher teve o membro amputado, mas não resistiu à infecção, que tomou todo o corpo. Aldinez morreu no último sábado, dia do seu aniversário, e foi enterrada ontem (23).
O marido dela concedeu entrevista nesta manhã ao TNH1 para relatar todo o caso. Os filhos de Aldinez estavam transtornados. A família cobra a punição dos médicos e enfermeiros que atenderam a mulher. "Vamos levar isso adiante para que outros casos não venham acontecer", prometeu Gilvan José da Silva, de 18 anos, um dos cinco filhos deixados pela dona de casa.
Na manhã de hoje o HGE se pronunciou sobre o caso através de uma nota, onde afirma que a paciente foi atendida de acordo com os procedimentos estabelecidos no protocolo clínico, desde a entrada até o procedimento cirúrgico que terminou na amputação do braço de Aldinez Maria da Silva. A nota diz ainda que a a direção vai instaurar um processo administrativo para apurar a denúncia de negligência.

Reprodução de parte do sítio TNH1. Fotos e vídeo .


Comentário rápido: segundo a matéria, parece que os médicos que atenderam esta mulher não eram cubanos, e eram habilitados pelos Conselhos Regional e Federal de Medicina.

A "polícia do Alckmin" e outras polícias


Entro na loja de vinhos do outro lado da avenida e vejo que a moça do caixa e um dos donos do negócio se divertem diante de uma TV. "Eu acho que isso é no Brasil", me diz ele –um americano que já visitou Rio, São Paulo e Bahia. Volto-me para o aparelho pendurado na parede, e a cena é mesmo punk –ou melhor, funk: num lugar parecido com uma favela carioca, um grupo fardado de policiais militares dança, pula e faz trejeitos ao som do pancadão. Com certo constrangimento, pago a conta e comento com ironia: "É, a polícia no Brasil é muito alegre".
Não sei se a dupla da loja de vinhos chegou a ver, mas na semana passada, a colunista Vanessa Barbara publicou no "New York Times" um artigo em que procurava explicar como funciona –ou não funciona– a polícia brasileira.
A distância de casa, o fato de o texto ser em inglês e o esforço didático da articulista para contemplar o leitor americano só realçaram, aos meus olhos, o surrealismo da situação. Pareceu-me um relato sobre um longínquo país que inventou uma maneira exótica –e ineficaz– de cuidar da segurança pública.
Bem, na verdade, acho que era isso mesmo.
Já escrevi aqui, não faz muito, sobre a polícia brasileira, e não pretendia voltar ao assunto. Mas a PM não deixa a peteca cair. No fim de semana, encenou-se mais uma vez em São Paulo um showzinho de violência gratuita contra manifestantes e jornalistas.
Claro que o assunto, em blogs, colunas e redes sociais, serve para alimentar a guerrilha eleitoral e ideológica de cada dia. Para uns, que se baixe o cassetete –ou o braço– "democrático" nessa gentalha. Para outros, tudo é culpa da "polícia do Alckmin", fascista e conservadora.
Mas qual é, enfim, na essência, a diferença entre a "polícia do Alckmin", a "polícia do Sérgio Cabral" ou a "polícia do Jaques Wagner"? Só se for o sotaque –como responderam dois amigos quando postei a pergunta no Facebook.
A partidarização desse debate é papo furado. É preciso reconhecer que a desmilitarização e a transformação da polícia em serviço público eficiente e enquadrado na lei é uma questão nacional. É um velho problema "de Estado", que seguidos governos federais –FHC, Lula e agora Dilma– relegaram a segundo plano.
Já existe hoje um processo de discussão relativamente avançado, temos fóruns e gente preparada para apresentar propostas. O que não temos é o interesse político e institucional em promover mudanças.
Não precisa ir longe: levantamento da Folha mostrou que nenhum caso de violência de policiais contra manifestantes ou jornalistas, desde junho do ano passado, foi apurado. Tudo ficou esquecido na conta dos "excessos" –como bem observou Mário Magalhães em seu blog. Apenas a investigação de episódios em que policiais foram agredidos seguiu adiante.
Por essas e outras, às vezes me pergunto se são os governantes brasileiros que controlam a polícia ou se é o contrário.


Texto de Marcos Augusto Gonçalves na Folha de São Paulo

segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

Um jogo de sombras

Nas últimas semanas, o tema da violência nas manifestações tomou conta do debate público nos meios de comunicação. Às vésperas da Copa do Mundo e de eleições no Brasil, a ideia de que o país está mergulhando em um mar de desordem e descontrole convoca clamores por maior repressão, alimentados por toda sorte de apetites político-partidários. O problema agora é o "vandalismo" e o que importa é buscar seus antídotos: leis antiterrorismo, intervenção direta do Exército, prisões e punições mais duras para manifestantes...
A trágica morte do cinegrafista da Band, Santiago Andrade, quando cobria protesto contra o aumento das passagens de ônibus no Rio de Janeiro, intensificou esse clamor por maior repressão. Porém, Santiago não foi a primeira vítima fatal dos protestos, nem mesmo o primeiro profissional de mídia a ser atacado e ferido. Segundo a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), foram 119 os jornalistas agredidos em manifestações de junho para cá, dos quais 75% vítimas de ações policiais.
Tampouco a violência no Brasil foi inventada pelos chamados "black blocs". Disfarçada de cordialidade, oculta ou mesmo escancarada, a violência faz parte da nossa cultura: das guerras entre torcidas à violência doméstica, dos linchamentos públicos às ações discriminatórias e racistas praticadas amplamente, inclusive pela polícia, dos assassinatos de camponeses à prostituição infantil e todo tipo de tráfico e milícias, a lista é extensa.
Mesmo o vandalismo --que hoje é percebido como algo inadmissível e para o qual se exigem respostas imediatas-- há muito marca o cotidiano da paisagem de nossas periferias: todos os dias equipamentos públicos são depredados ou destruídos.
A pergunta difícil de responder é: por que jovens estão nas ruas arrebentando e quebrando?
Aí reside, a meu ver, o problema: as pautas, demandas e reivindicações presentes nas manifestações --por infraestrutura e serviços públicos de qualidade, pelo direito à cidade, por participação nas decisões e no controle social, entre muitas outras-- não são ouvidas nem respondidas porque exigiriam reformas (urbana, política, entre outras reformas estruturais) que nenhuma força política no país hoje é capaz de encarar e liderar.
São os chamados temas complexos, que exigem mudanças estruturais e rupturas com coalizões fortemente sedimentadas que jamais apresentarão resultados concretos no curto prazo dos horizontes eleitorais.
Por isso, é mais fácil assumir que o problema central é como conter a violência nas manifestações. Nem a criação do crime de terrorismo, nem a proibição do uso de máscaras, nem a convocação do Exército são ações que minimamente apresentam respostas às insatisfações manifestas nas ruas.
Entretanto, perigosamente convocam um estado de exceção, enfraquecendo as reivindicações mais do que legítimas que tomaram conta das ruas desde o ano passado.
Estejamos atentos para não resvalarmos num jogo de sombras. Mantenhamos viva a escuta do que se grita nas ruas, ainda que, infelizmente, neste momento, a linguagem perversa da violência ameace nos cegar.


Texto de Raquel Rolnik na Folha de São Paulo

domingo, 23 de fevereiro de 2014

Os terroristas

Os terroristas
O Puma usado no atentado ao Riocentro foi roubado em SP e se tornou o carro do capitão Wilson Machado
A denúncia criminal dos generais e outros autores do ato terrorista do Riocentro, ocorrido em 1981, é suficiente para calar qualquer contestação de autoria e objetivos. Mas os quatro mosqueteiros que retomaram esse caso, como procuradores da República, ainda querem um ou outro complemento. Querem tudo. Podem então incluir em suas buscas adicionais um aspecto bastante ilustrativo de como agiam os terroristas acobertados pela farda, pelo enfeites nos ombros e pelos superiores.
O carro esporte Puma em que explodiu, antes da hora, a bomba levada pelo capitão Wilson Machado (hoje coronel reformado) e o sargento Guilherme Rosário, ferindo o oficial e matando o outro, tinha placa do Rio, OT-0297. Mas não era do Rio. É sempre citado como propriedade de Wilson Machado. E não era dele. Ou não era dele legalmente.
O registro verdadeiro do Puma era da cidade de São Paulo. Com outros números e letras. Era propriedade da dona de uma butique (como se chamavam, na época, as pequenas lojas da elegância). Foi roubado em São Paulo, recebeu no Rio placas enganadoras e se tornou o carro do capitão Wilson Machado.
A pesquisa nos Detrans do Rio e de São Paulo permitiria agora, por meio dos números de identificação colhidos pela perícia depois da explosão, chegar à confirmação do roubo e à dona do Puma, com sua história. Wilson Machado não era só capitão e terrorista.
Pelo menos outros quatro carros foram usados no plano de explodir o Riocentro a ser posto às escuras por outra bomba, com os 20 mil presentes no show de celebração ao Dia do Trabalho. Todos eram carros roubados. Roubar e apropriar-se de carros alheios foi comum entre militares e agentes do DOI-Codi, do SNI e de outros núcleos da repressão.

Trecho da coluna de Jânio de Freitas, na Folha de São Paulo

Solidariedade feminina

Se você só tem filhos homens, não tem mãe nem irmãs, reze para morrer antes de sua esposa. Se acontecer o contrário, meu amigo, é provável que seus últimos dias sejam passados com estranhos.
Vá aos hospitais. A probabilidade de ver um acompanhante do sexo masculino é mínima, ao lado de um doente internado haverá sempre uma mulher, seja filha, esposa, irmã, mãe, nora ou amiga.
Sem pretender ofendê-lo, leitor sensível, capaz de cair em pranto convulsivo só de pensar no dia em que seus pais partirem, lamento prever que ao ficar gravemente enfermos eles pouco poderão contar com você.
Não me interprete mal, não digo que vá abandoná-los num leito qualquer, à espera da morte. Você irá visitá-los quase todos os dias, na hora do almoço. Perguntará se estão bem, se precisam de alguma coisa, se as dores melhoraram, tomará providências práticas, mas infelizmente precisará voltar para o escritório.
Em dias mais corridos, você deixará para ir no fim do expediente. Pedirá desculpas pelos três dias de ausência motivada pelo excesso de trabalho, repetirá as mesmas perguntas, reclamará do tempo perdido no trânsito, sentará no sofá durante 15 minutos, dirá que está exausto, morto de fome e que as crianças o esperam para o jantar.
Pode ser que você não se identifique com o personagem que acabo de descrever. Talvez você seja do tipo ultrassensível, que gosta tanto do papai, que se mortifica ao vê-lo naquele estado, e que na hora de visitá-lo não encontra forças. Aquele que não vai à casa da mamãe velhinha que perdeu o juízo, para não ter o coração despedaçado cada vez que ela o confunde com o verdureiro.
Talvez, ainda, você seja do tipo durão, acostumado a agarrar o boi pelos chifres. Nas visitas-relâmpago, você fará o possível para animá-lo. Insistirá que é preciso reagir, que esmorecer é desmerecer, que o pessimismo é metade do caminho para a sepultura, além de outras pérolas retiradas dos calendários seicho-no-ie.
Irá embora irritado, decepcionado com a passividade do progenitor, convencido de que ele se acha naquela situação porque é --e sempre foi-- antes de tudo um fraco.
Existe uma característica comum a esses cavalheiros, sejam sensíveis, ultrassensíveis ou durões: são cidadãos responsáveis, tão dedicados ao trabalho que não lhes sobra tempo para nada. Se não passam uma noite sequer com a mãe hospitalizada é porque precisam correr atrás do ganha-pão.
Por incrível que pareça, os circunstantes aceitam e repetem essa justificativa, como se as mulheres não passassem de um bando de desocupadas, à disposição dos doentes.
Mesmo quando ela é arrimo de família, casada com um daqueles cidadãos que esganaria o inventor do trabalho, fosse-lhe dada a oportunidade de encontrá-lo, é ela que passará a noite ao lado do sogro acamado. A explicação? Os homens são desajeitados para essas coisas.
Em mais de 40 anos de medicina, assisti a tantas demonstrações de empatia e solidariedade feminina com as pessoas doentes que aprendi a considerar as mulheres seres mais evoluídos do que nós. São capazes de esquecer da própria vida, para lutar pela saúde de um ente querido. Nem falo no caso de um filho, já que o amor materno é instinto visceral, mas de gente mais distante: tios, primas e amigas, que se dependessem de nossa companhia estariam solitárias.
Apesar de me render à grandeza da alma feminina, reconheço a parcela de culpa que cabe às mulheres na gênese do egocentrismo masculino nessas situações.
No afã de proteger o filhinho, as mães procuram mantê-lo distante de tudo que lhe possa trazer tristeza. Tão naturais e inevitáveis como o dia e a noite, a doença e a morte são entendidas por elas como experiências extremas das quais o pimpolho deve ser poupado.
Estranhamente, a filha não é educada da mesma maneira. Desde pequena é estimulada a cuidar das bonecas doentes, a ajudar a mãe quando o irmãozinho está gripado. Essa exposição precoce às vicissitudes de nossa existência interage com o espírito feminino, deixando marcas que se refletirão na forma peculiar como as mulheres lidam com o sofrimento humano.

Texto de Drauzio Varella, na Folha de São Paulo