quarta-feira, 5 de setembro de 2012

"Penso comigo mesmo que estou construindo o Estado inimigo", diz palestino da Cisjordânia



Na colônia israelense de Mishor Adumim, na Cisjordânia, há uma fábrica seguida da outra ao longo da grande estrada principal. Dentro dos armazéns, atrás de gigantescas passadeiras de uma lavanderia, dos fornos de uma confeitaria industrial ou das guilhotinas de uma fábrica de papelão, os operários são todos palestinos.
“Os israelenses têm chamado menos os tailandeses e os filipinos, e cada vez mais a nós porque eles precisam de mão de obra qualificada”, diz um dos jovens empregados. A Agência Central Palestina de Estatísticas confirma a tendência: 15 mil palestinos trabalhavam legalmente em uma colônia no segundo trimestre de 2012, contra 13 mil no primeiro trimestre. Sem contar os 8 mil operários sem licença.
No entanto, em 2010, a Autoridade Palestina, que governa a Cisjordânia, proibiu o trabalho nos assentamentos israelenses. “Nós lançamos uma grande campanha midiática e política sobre esse tema, além de tentarmos criar novos empregos para esses operários das colônias”, explica o ministro do Trabalho do governo palestino, Ahmed Majdalani. Mas, depois de serem reduzidos, esses efetivos estão voltando a crescer. A lei teoricamente prevê sanções que vão de multas até penas de prisão para os contraventores, mas o ministro reconhece que elas “nunca foram aplicadas”. A Autoridade Palestina acredita que simplesmente não há como fazer com que essa lei seja respeitada, uma vez que as colônias estão instaladas em áreas sobre as quais ela não tem controle.
Em Mishor Adumim, os operários nunca ouviram falar nessa proibição, que provoca algumas piadas. Hassan, 21, corta papelão há oito anos. Seu pai o trouxe para a fábrica assim que ele completou 13 anos. “Sempre penso comigo mesmo que estou construindo o Estado inimigo, mas onde está o Estado palestino para que eu possa construi-lo?”, ele se irrita. “Estou aqui antes de qualquer coisa por uma questão de dinheiro, recebemos duas vezes mais do que em Ramallah. Os líderes religiosos dizem que não é bom trabalhar nas colônias, então que o mufti me dê a diferença de salário se ele não estiver de acordo”. O governo palestino não consegue competir. “Em período de crescimento econômico, podemos tentar aumentar os salários,” diz o ministro do Trabalho. “Atualmente os cofres estão vazios, as promoções de servidores públicos foram suspensas; no setor privado, o desemprego está crescendo e os salários, baixando. Os trabalhadores agrícolas sem emprego são obrigados a bater nas portas das colônias, e os operários especializados competentes vão buscar ali melhores salários”.
Ahmad Mahmou mora no vilarejo palestino de Hizme, atrás de um posto de controle, na saída de Jerusalém. “Quando há oportunidade de trabalhar nas colônias, as pessoas vão. Um colega trabalhava em Mishor Adumim e me avisou que um metre de obras precisava de alguém, entrei ali ilegalmente para encontrá-lo e ele logo me contratou”, conta Ahmed. “Paguei 500 shekels (R$ 252) por uma autorização, que levou cerca de uma semana. Em meu vilarejo, cercado de colônias, somos pelo menos 500 pessoas trabalhando legalmente para os colonos”. Esse grande jovem de 21 anos, de moletom e camisa polo, hoje está de folga. Um mestre de obras israelense, da colônia de Adam, passa de carro e o cumprimenta com uma buzinada.
De tempos em tempos Ahmad trabalha para ele, e ele gosta. “Aqui não é como em Nablus, os colonos não maltratam os palestinos. Trabalhamos na casa deles, eles compram o gás de nós ou trazem seus carros para lavar. E nós fazemos nossas compras no supermercado deles, o Rami Levy, porque os preços são melhores que na Cisjordânia.” Quando era menor de idade, Ahmad passou três anos na prisão por sua participação na Intifada. Ele virou a página. “Hoje, um palestino se resume a suas necessidades primárias: comer, alimentar seus filhos e ter um teto. É o essencial para nós, e pouco importa para quem se trabalha. Não posso protestar de barriga vazia”. Quando era funcionário da Autoridade Palestina, o jovem ganhava 1.400 shekels por mês. Fabricar concreto em Mishor Adumim lhe rende 5 mil. “Mas, para os israelenses, eu não custo caro, e além disso falo hebraico, ao contrário da mão de obra estrangeira. Por causa de meu passado, tenho uma ficha negra para Israel, mas as tensões foram acalmadas, a Intifada ficou para trás, não recebi nem Estado, nem território, e eles estão vendo que não sou mais perigoso.”
Então Ahmad recebeu sem dificuldades sua autorização para trabalhar em uma colônia, teoricamente indispensável para passar pela porta de entrada dos assentamentos judaicos da Cisjordânia. Cabe aos empregadores ou mestres de obras solicitar essa licença ao coordenador israelense das atividades governamentais nos territórios (Cogat). “Procuramos os militares, e depois os serviços secretos, e após uma investigação sobre os trabalhadores palestinos, eles nos dão a autorização,” observa esse jovem judeu ortodoxo, diretor de uma editora de livros religiosos em Mishor Adumim. “Mas depois há a obrigação de vigiá-los e dar parte na polícia se houver suspeita de riscos para a segurança de Israel”.
Para o Estado hebraico, conceder mais licenças de trabalho aos palestinos nas colônias, mas também em Israel, não é algo fortuito. “Constatamos as dificuldades da população palestina e tentamos cooperar, é de nosso interesse mútuo, pois a estabilidade econômica leva a mais segurança: é melhor trabalhar que vagar pelas ruas”, justifica Guy Inbar, o porta-voz do Cogat. “Além disso, a vantagem dos trabalhadores palestinos em relação aos filipinos ou à mão de obra estrangeira é que eles voltam para suas casas à noite, não ficam em Israel”.
Ultimamente, os operários palestinos têm sido notícia, a contragosto. Eles estão construindo novas moradias para os colonos de Migron, um assentamento ilegal que deve ser evacuado pela polícia e pelo exército israelense até o dia 4 de setembro.
Texto de Véronique Falez, para o Le Monde, reproduzido no UOL. Tradutor: Lana Lim


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