Quando a Primavera Árabe chegou à Jordânia no ano passado, o colunista de jornal Muwafaq Mahadin foi um dos primeiros a marchar com os manifestantes pró-democracia demandando reformas em seu país.
Ele também apoiou manifestantes sírios que começaram a tomar as ruas em março de 2011. Mas alguns meses depois, ele mudou de opinião, alinhando-se com o regime do presidente Bashar Assad. Como muitos outros intelectuais árabes, ele diz que fez isso por temer pelo futuro da região.
"Este é um Estado corrupto e não democrático, mas o que está acontecendo não é uma guerra na Síria, mas uma batalha entre atores de fora da Síria", disse ele numa entrevista em agosto num escritório no prédio do Sindicato dos Escritores em Amã.
Mahadin, uma importante figura da oposição que escreve para o jornal independente jordaniano Al-Arab Al-Yawm, têm extensas credenciais pró-democracia. Ele foi preso várias vezes por suas visões políticas e foi até forçado a fugir do país durante uma década, vivendo em exílio entre Beirute e Damasco.
Hoje alguns o criticam como um teórico da conspiração enquanto outros o chamam de corajoso. Independentemente disso, suas colunas aquecem o debate entre os intelectuais jordanianos.
Ao longo dos anos que passou em Damasco, Mahadin construiu laços fortes com a oposição síria. Ele diz que a revolta na Síria foi inicialmente um levante espontâneo nas ruas, mas que mais tarde foi sequestrada por poderes internacionais.
Mahadin é apenas um entre vários intelectuais esquerdistas e anti-imperialistas que acreditam que a rebelião síria está sendo liderada por islamistas alinhados com o Ocidente, manipulado por Estados do Golfo incluindo o Qatar e a Arábia Saudita em prol dos Estados Unidos e Israel, para ganhar domínio na região.
Um grupo de 230 figuras influentes assinou uma carta aberta à imprensa demandando que a Jordânia fique ao lado da Síria diante de uma conspiração global.
"Nós particularmente apreciamos a perseverança da liderança síria em manter o ritmo das reformas e aderir ao diálogo apesar dos crescentes atos terroristas contra a Síria - apesar das campanhas inflamatórias da mídia do Qatar, Arábia Saudita e do Ocidente, e apesar das intervenções que são contrárias à lei internacional - evidenciadas pelo contrabando de dinheiro e várias armas para dentro da Síria", dizia a declaração.
Mahadin diz que o conflito acontecendo na Síria ecoa a Guerra Fria, com rebeldes sendo financiados e armados - da mesma forma que os guerrilheiros mujahedin islamistas foram - pelo Ocidente para lutar contra o controle soviético no Afeganistão durante os anos 80.
"Sinto que é meu dever responsabilizar o regime sírio por seu papel na crise, especialmente quando eu considero a forma como o regime levou o país a um ponto em que terminou com as ruas e muros cobertos de sangue", escreveu Mahadin numa coluna no Al-Arab Al-Yawm em junho. "Mas toda vez que sinto a necessidade de escrever sobre isso, a voz da conspiração e o fato da intervenção estrangeira sobrepujam este desejo e necessidade."
Mahadin viajou para a Síria no ano passado numa visita para expressar solidariedade com o regime de Assad e escreveu uma série de colunas acusando a mídia internacional de mentir sobre o que estava acontecendo lá.
Em agosto de 2011, ele contestou notícias dos canais de satélite de que Homs estava cercada por tanques, dizendo que passou pela cidade sem ver um único tanque. No mesmo ano, ele ofendeu um grupo de artistas jordanianos protestando em Amã concluindo um discurso com o grito de protesto "Longa Vida a Bashar!"
De acordo com François Burgat, um pesquisador sênior especializado em Política do Oriente Médio no Centro Francês Nacional para Pesquisa Científica, a análise de Mahadin sobre o conflito sírio minimiza a força da revolta popular enquanto supervaloriza as influências internacionais.
Em sua visão, diz ele, "a oposição armada se resume a grupos de mercenários islamistas recrutados ou financiados pelas monarquias do petróleo a serviço de seus aliados ocidentais. Esses marxistas seculares não gostam do fato de que as forças de resistência recrutam entre islamistas."
Burgat acredita que os intelectuais de esquerda, que apoiam Assad, estão se rendendo a uma velha tentação árabe ou preferindo reter um regime autoritário em vez de arriscar aumentar a influência islâmica num novo governo como aconteceu no Egito, Líbia e Tunísia.
Esses pontos de vista conflitantes na Síria prejudicaram os esforços pró-democracia na Jordânia, criando uma divisão dentro do movimento de oposição lá, de acordo com Lamis Andoni, outro colunista jordaniano influente, que é de ascendência palestina.
Andoni diz que embora haja preocupações legítimas em relação ao impacto sobre a região caso o governo de Assad caia, isso não pode justificar o apoio para um regime que mata civis.
"Muitas pessoas apoiaram o regime sírio por causa de seu papel importante na região em combater o expansionismo israelense", disse ela.
"Mas no momento em que o povo sírio se levanta, a promessa de apoiar o regime por ele ser um Estado de resistência não é mais válida. Não dá ao Estado o direito de matar seu próprio povo."
Mahadin não está sozinho. Joseph Massad, que dá aula de política árabe moderna e história intelectual na Universidade de Columbia em Nova York argumenta que derrubar um ditador com a ajuda de aliados estrangeiros nunca é uma boa ideia.
Ziad Majer, professor de Estudos do Oriente Médio na Universidade Americana de Paris, diz que é legítimo para os sírios quererem terminar com um regime que governou brutalmente por mais de quatro décadas.
"Assad deveria partir e uma transição deveria acontecer", disse Majer. "Discussões sobre política internacional e regional podem ser legítimas e necessárias. Mas elas também podem não ser mais do que uma desculpa para defender um regime despótico e fechar os olhos diante de um massacre em andamento."
Enquanto isso, refugiados sírios, que fugiram da guerra em sua terra natal, querem qualquer tipo de ajuda que possam conseguir. Quando o ministro de Exterior da França, Laurent Fabius, visitou o campo de Al Zaatari no norte da Jordânia, na fronteira síria, em meados de agosto, refugiados fizeram um protesto pedindo à França para vir resgatar os civis sírios.
"É bom saber que vocês estão do nosso lado, mas isso não impede o massacre", gritou um refugiado durante a visita oficial francesa. "Não queremos ajuda humanitária, queremos lançadores de foguetes e armas."
Texto de Aida Alami, para o International Herald Tribune, tradução de Eloise de Vylder, reproduzido no UOL.
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