quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Elogio kantiano ao STF


O STF vem ajudando a melhorar o Brasil.
Impôs a fidelidade partidária.
Declarou constitucionais, interpretando generosamente a “letra fria” da Carta Magna, as cotas sociais e raciais.
Validou a lei do piso nacional nacional do magistério contrariando a ideia de que isso fere a autonomia federativa.
Confirmou a lei da “ficha limpa” que, levada ao extremo, anula a presunção de inocência, esse instrumento pelo qual ninugém é culpado antes de uma condenação definitiva, transitada em julgado, contra a qual não caiba mais recurso.
O STF vem quebrando formalismos, invalidando leituras rígidas que impediam certas condenações.
De certo modo, o STF vem derrubando estratégias jurídicas construídas pelos poderosos, ao longo do tempo, em benefício próprio. Quem faz a lei, faz a brecha na lei e convenciona o que deve ou não ser imperativamente condenável.
No julgamento do mensalão, o STF vendo dando mais um passo à frente: a condenação por evidências lógicas robustas.
Sem a necessidade, em certos casos, da prova material para definir, por exemplo, atos de comando e responsabilidade.
É uma maneira de pegar os chefões que não deixam rastros.
Vale lembrar que o Procurador-Geral da Repúblicva, Roberto Gurgel, no seu papel de acusador, e o relator do processo, ministro Joaquim Barbosa, admitem que, em alguns casos, não existe a chamada prova material.
Intelectuais ligados ao PT lançaram ontem manifesto contra a espetacularização desse julgamento pelo STF, contra um descaso em relação à presunção de inocência e contra a dispensa de provas materiais substantivas.
Denunciam um julgamento ideológico.
Esses mesmos intelectuais não lançariam manifesto nos mesmos termos se os julgados fossem os seus adversários.
Apoiariam o STF e aplaudiriam os seus avanços.
Em contrapartida, a mídia que está aplaudindo o STF agora e os intelectuais que repudiam o atual manifesto certamente assinariam outro nos mesmos termos se os julgados pelos atuais critérios e procedimentos fossem os seus aliados.
Em bom português, os aplausos e as críticas parecem de conveniência.
As posturas, em todos os casos, parecem escandalosamente ideológicas.
Coisa de torcida organizada, de luta política, de ódios que não podem ser calados.
A corrupção, que deve ser combatida implacavelmente, torna-se, para esquerda e direita, um pretexto para combater o inimigo pelos seus erros, pelos seus acertos, por estar no poder, por querer se perpetuar no poder, por suas contradições e artimanhas.
Mas e o STF?
Está errado?
Não.
Em princípio, está certo.
Certíssimo.
Mas precisará confirmar isso mais tarde.
Kant, o grande filósofo moderno da universalização das normas, entendia que só é defensável moralmente aquilo que alguém, propondo seja aplicável a outros, aceitaria e pediria que fosse aplicado rigorosamente a si.
Só faça aos outros aquilo que aceitaria que fizessem com você.
Os que assinam hoje manifesto contra o STF, em defesa do PT, teriam de assinar, nas mesmas condições, manifesto em defesa do PSDB. Tucanos, que vibram com a postura atual do STF, terão de fazer o mesmo no julgamento do mensalão mineiro.
O STF se consagrará se aplicar em todos os casos os mesmos critérios.
Será a confirmação de uma nova jurisprudência, de um novo olhar, de um novo método.
O Brasil precisa de regras claras, aplicáveis a todos, sem casuísmos.
A política não é assim? É campo de luta, de exploração dos erros dos adversários e de encobrimento dos próprios erros?
Pode ser. A justiça, com certeza, é o espaço de superação dessas incongruências.
As suspeitas que recaem agora sobre o STF se dissiparão se a corte se mantiver coerente.
Os comentaristas de hoje, se disserem amanhã o que falam agora, também se consagrarão.
Os próximos capítulos poderão ser emocionantes.
Só resta saber quando a novela irá ao ar.
Joaquim Barbosa, se mantiver a postura de agora, poderá tornar-se o grande herói nacional.
A hipocrisia será desmascarada?
Tudo está na mão do Supremo.
Bastará ser kantiano e o Brasil ficará bem melhor.
Melhor ainda ficará quando os inquéritos evoluírem e for possível condenar, em todos os casos, com prova material.
Mas aí já é utopia.

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