"A Síria se transformou em um campo de batalha contra o poder unilateral dos EUA e da Europa que ultrapassa o Oriente Médio", afirma Georges Corm, cujo primeiro livro sobre o estudo das sociedades multiconfessionais abriu um campo de pesquisa complexo e essencial para entender o Oriente Médio. Nascido em Alexandria em 1940, estudante em Paris, esse intelectual libanês independente e corajoso é um dos melhores intérpretes dos intrincados conflitos não só da região, mas do mundo.
Corm é escritor, autor de uma novela - "La Mue" -, de numerosos livros, o último intitulado "O Novo Governo Mundial", sobre o empobrecimento da Europa, em breve nas livrarias espanholas, homem de letras e de arte. Seu escritório simples é decorado com belos óleos pintados por seu pai.
La Vanguardia: Há quase um ano o senhor se mostrou prudente ao julgar a situação na Síria, cauteloso na hora de avaliar as primaveras árabes. Qual é sua opinião hoje?
Georges Corm: Ganharam as revoluções pacíficas da Tunísia e do Egito, porque houve um movimento de união nacional. A primeira onda de protestos foi um êxito. O drama veio depois com as armas, as milícias violentas. A situação na Síria é terrível, lembra a guerra civil libanesa. Mas não se deve esquecer também a repressão em Bahrein, no Iêmen. A aliança fundamentalista árabe e o Ocidente fizeram abortar a revolução.
La Vanguardia: Qual é sua posição, como intelectual independente e laico, diante da polêmica em torno da atitude da esquerda árabe em relação à Síria?
Corm: Não é possível alinhar-se com o regime de El Assad nem com a aliança árabe-ocidental que promove a oposição armada. O drama dos grupos de esquerda árabes é que não estão inseridos no ambiente popular, como as ONGs islâmicas, e carecem de um discurso econômico válido. É preciso manter a chama da resistência da luta palestina contra a ocupação. Sou profundamente pessimista neste período histórico, porque a coalizão petro-monárquica parece invencível.
La Vanguardia: O senhor denunciou há anos corajosamente a política saudita que fomenta um islã tenebroso, seu poder sobre os meios de comunicação...
Corm: As redes de televisão e os jornais árabes estão a soldo agora tanto da Arábia Saudita quanto do Catar, que antes nem sempre coincidiram em seus objetivos. Quanto à imprensa estrangeira, se incrustou na Síria com os grupos rebeldes, como já aconteceu no Iraque, onde estiveram no meio do exército americano durante a guerra.
La Vanguardia: Como o senhor contempla o futuro da Síria?
Corm: Temo que se houver uma explosão do Estado o país fique dividido e preso em guerras intermináveis. No Iraque, apesar de tudo, ainda existe uma organização estatal, acima de xiitas, sunitas e curdos. O regime cometeu graves erros. A Síria se transformou em um campo de batalha contra o poder unilateral dos EUA e Europa que transborda o Oriente Médio. Na Síria, por trás de cada fuzil há uma potência estrangeira. Existe o risco de que a Síria seja destruída moral e fisicamente e depois comecem, como ocorreu no Líbano, as empresas de reconstrução. Não se deve esquecer, porém, o temperamento nacionalista de seus habitantes.
La Vanguardia: Com o enfraquecimento da Síria, poderia se reduzir a força do Hizbollah, a organização mais poderosa do Líbano?
Corm: Não creio em seu perigo de desaparecimento. Certamente a pergunta sobre o futuro do Hizbollah é a pergunta do milhão de dólares. Não se deve esquecer que conta com o apoio de importantes setores cristãos, como o dirigido pelo general Aun, partidos de esquerda, laicos, inclusive alguns grupos sunitas. Sem a ajuda da Síria, o Hizbollah pode continuar sendo uma força, evidentemente com o apoio do Irã e das organizações locais. Não há dúvida de que o Líbano pode ficar emaranhado na engrenagem da violência síria.
Por Tomas Alcoverro, para o La Vanguardia. Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves. Reproduzido no UOL.
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