Desde que o tempo é tempo, bravos príncipes salvam donzelas em apuros, presas em torres ou envenenadas por maçãs batizadas. A história, tal qual um conto de fadas, assim se repetiu, até tomar um rumo diferente, com o nascimento de um príncipe em terras britânicas.
Mal chegou ao mundo, o infante já tinha seu destino traçado: ser o terceiro na linha de sucessão da coroa. Era uma posição ingrata, já que, em pleno século 20, príncipes não morriam mais por golpes de espada ou tuberculose.
É lógico que pertencer à família real tem suas vantagens. Não precisa se preocupar com boletos ou limpar uma calha entupida. Porém, uma vida fadada a frequentar chás da tarde pode ser um pouco enfadonha. Isso sem contar a maior das desventuras, mais hostil do que dragões medievais, a imprensa marrom inglesa.
Tudo mudou com a chegada de uma bela donzela vinda da Califórnia. Diferentemente das princesas dos contos antigos, essa não estava presa em uma torre, tampouco comeu uma maçã batizada. Era uma atriz de sucesso, feminista, ativista e, pasmem, divorciada. Também não era parente direta de nobres, mas de escravos das plantações de algodão do sul dos Estados Unidos. Alguns, coincidentemente, trazidos a mando do heptavô do príncipe. Mundo pequeno.
O encontro do jovem herdeiro com a plebeia tinha tudo para ser um conto de fadas. Todavia, ninguém fala sobre o que vem depois do “felizes para sempre”. Principalmente quando se é a única negra na família real.
Em pouco tempo, o dragão da imprensa marrom cuspiu críticas à princesa. Atacaram suas roupas, seu perfume, seu cabelo, até a aparência do seu filho.
Mas os dragões estão acostumados a atacar princesas indefesas. Ali não era o caso. Nossa heroína (sim, se você chegou até aqui e não entendeu quem é a heroína da história é porque não prestou atenção) é uma guerreira, do tipo que não leva desaforo para casa.
Durante um dos chás da tarde, ela se levantou e bradou: “Olha aqui, queridinhos, para cima de mim, não!”. Pegou seu príncipe, sua criança e voltou para a América.
Esqueçam os antigos sonhos de princesa. Nos novos contos de fada, quem precisa ser salvo é o príncipe.
E viveram felizes para sempre.
Texto de Flavia Boggio, na Folha de São Paulo.
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