Bom dia, o sol já nasceu lá na fazendinha, diz a canção, e minha filha, que acorda às 5h25, junto com o bezerro e as galinhas. Sim, já tentamos instalar um blecaute. Não fez diferença. Acho que ela tem um informante lá fora. No primeiro raio de sol, mesmo que o quarto esteja um breu, ela abre seus olhos imensos e pergunta: “Quem qué bincá comigo?”. Parece adorável, e realmente seria, se não fossem 5h25.
(Claro, tudo poderia ser mais fácil se ainda houvesse horário de verão. Bolsonaro, queria que soubesses que todo pai e toda mãe de bebê, todo dia de manhã, durante o verão inteiro, te amaldiçoa. E o resto do ano também, por outros motivos)
Às 5h25, a gente bate par ou ímpar e um de nós “binca” até as 7h. A gente troca os turnos ou, no melhor dos casos, a avó que mora perto vem buscá-la, e então ambos dormem mais um pouco. Deus salve a avó que mora perto.
Janeiro significa férias da escolinha, e férias da escolinha significam papai e mamãe inventando 15 horas seguidas de brincadeira —com uma horinha de sono no meio que os pais geralmente usam pra ir ao banheiro e checar o Instagram.
Eis que domingo os avós mineiros vieram buscá-la para uma muito aguardada semana em Araguari. Deus salve os avós mineiros. Faz um mês que minha mulher e eu imaginávamos tudo o que poderíamos fazer com essa semana de férias dentro das férias. Pensei em voltar a tocar trombone, escrever um romance e sair pra beber todos os dias, além de ver todos os filmes indicados ao Oscar.
No primeiro dia, a euforia. Fui num samba, vi “Dois Papas”, liguei pro meu professor de trombone, marquei aulas. No segundo dia acordei às 5h35 sem despertador e não consegui mais voltar a dormir. Fui pro quarto dela e cheirei sua fronha.
A partir daí foi ladeira abaixo. Comecei a ver vídeos antigos dela e já faz cinco horas que me pergunto se ela ainda vai se lembrar de mim quando voltar.
Existem dois tipos de pais: os exaustos e os ausentes. E ambos estão culpados. O pai que dorme às sete horas da noite num sábado se lamenta por ter perdido a vida social. O pai que bebe no sábado e passa o domingo de ressaca se arrepende amargamente de ter bebido na véspera (poucas coisas são tão desesperadoras quanto o combo ressaca mais criança).
Não conheço quem tenha resolvido essa equação. Acho que paternidade em latim significa culpa. Não há nada a ser feito. Quer dizer, há sim. A volta do horário de verão. Volta, cacete.
Texto de Gregório Duvivier, na Folha de São Paulo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário