No texto em que informa a morte de Peter Fonda, ocorrida na sexta, a família fala de um “doce e gracioso homem”. Foi essa, com efeito, a imagem que Peter projetou. Mesmo em “Os Anjos Selvagens”, de 1966, onde comanda com o codinome Blue uma violenta gangue de motoqueiros, é essa a imagem que nos chega: doce e gracioso. Elegante também.
E olha que os anjos selvagens, de que fala o título, são bem diferentes dos motoqueiros pacíficos de “Sem Destino”. Eles atacam mexicanos, estupram jovens negras, invadem hospitais, destroem igrejas, envolvem um comparsa morto na bandeira nazista e, depois de tudo, alegam que “queremos ser livres”.
O filme é de Roger Corman, que se gaba de ter inaugurado com ele a saga dos filmes sobre gangues de motociclistas (o que é uma meia verdade, basta lembrar de “O Selvagem” (1953), com Marlon Brando; mas eram outros tempos). Por magnífico que seja, “Os Anjos Selvagens” ficou restrito aos limites das produções Corman, ainda que tenha participado da mostra oficial do Festival de Veneza.
Foi, em todo caso, o trampolim para o filme que, em 1969, melhor representou essa época conturbada da Guerra do Vietnã: “Sem Destino” ("Easy Rider"). Ali, Fonda parece ter entendido até onde pode ir uma motocicleta. Além de ator foi roteirista do longa dirigido por Dennis Hopper, que é, aliás, parceiro de viagem ao longo da trama.
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Estávamos ali no registro do filme de estrada. Mas, mais do que isso, a ideia de liberdade era bem diferente da dos Hells Angels neonazis do filme de Corman. Tratava-se de estar na estrada, atravessar o país de lado a lado, de viver as aventuras do caminho, de ser americano rompendo com as convenções, negando o militarismo e o nacionalismo cego.
A imagem de Peter, que forçava certa dureza em “Os Anjos Selvagens”, mas deixava perceber a sensibilidade por trás da máscara neonazi, agora parecia completa: havia determinação e certa felicidade em seu comportamento. Havia herdado do pai, Henry Fonda, o porte altivo e a maneira tão própria de andar, com passos largos e decididos.
Esperava-se de Peter uma carreira tão sólida quanto a do pai, começando por sua indicação ao Oscar. Não ganhou, mas... Por certo seguiria os passos da irmã mais velha, Jane, que desde “A Vida Íntima de Quatro Mulheres” (George Cukor, 1962) já pintava como atriz mais que promissora, e desde “Barbarella” (1968, Roger Vadim), como estrela. Ambas as promessas se consolidariam logo.
Em “A Noite dos Desesperados” (1969, de Sydney Pollack), viu-se que sentia o “ar do tempo” tão bem quanto o irmão: como ele, foi indicada ao Oscar daquele ano e, como ele, não ganhou. Ganharia por “Klute”, de 1971, quase ao mesmo tempo em que Peter Fonda decepcionava em sua estreia como diretor em “Pistoleiro sem Destino”.
Desde então, Peter apagou-se. Nunca foi abandonado por Hollywood, nunca lhe faltaram papéis, quase sempre em filmes fracos. “O Ouro de Ulisses” (1997) voltou a colocá-lo brevemente em destaque: era quase sessentão, mas mantinha o mesmo porte e dignidade dos tempos de “Easy Rider”. A doçura, certa graça e o gosto pela liberdade que tanto marcaram a passagem do clã Fonda por Hollywood não o haviam abandonado. Como pede a família em seu comunicado fúnebre: que se erga um brinde a ele. Feito.
Texto de Inácio Araújo, na Folha de São Paulo.
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