Semana passada falei do desgaste sofrido por adjetivos como “asqueroso” e “grotesco” diante da frequência com que o Presidente da República dá declarações que exigem ser qualificadas assim.
Terminei propondo sinônimos raros para adiar o esgotamento da linguagem: nauseoso, horrípilo e quizilento.
Muita gente pensou que eu tivesse inventado essas palavras, mas não foi o caso: garimpei as três no “Houaiss”.
No entanto, é evidente que, mantido o atual ritmo de agravamento da verborreia presidencial, o léxico logo será insuficiente.
A retórica da barbárie vencerá? É possível que sim, mas não necessariamente. Se uma das atribuições dos escritores é zelar pelo justo encaixe entre palavras e coisas, situações extremas de anemia vocabular podem fazê-los recorrer a uma arma secreta: o neologismo.
Neologismo —palavra nova, inventada— é um recurso infinito. Querem ver? “Mórtigo, brúmbio, escosso, bilinhento, vômil, peçoncôrnio, neféstilo, nojúnculo, cloástico, peidófilo.” Fernanda Torres não precisou de mais de dez minutos para conceber essas belezuras.
A mensagem privada que a autora de “Fim” me enviou na última quinta (1°), alarmada com o esgotamento linguístico previsto em minha coluna, exigia resposta à altura. Neologismo gera neologismo.
Retruquei: “Escombruloso, remelético, xonho, gosmorrúnculo, viborongo, pustulibundo, espanta-mulho, esfornedor de bóstola, górgulo, nucuz.” Em meia hora, tínhamos dobrado a lista de sinônimos de “repulsivo”.
Era pouco. Logo eu disparava convites a outros escritores para garantir que nunca ficaremos à míngua de palavras equivalentes a “ignominioso”.
Antonio Prata, que vem tentando em vão mudar de assunto, foi o primeiro a responder: “Diminúnculo, tubértrico, metastofélico, mefistostático, mierdosta”. Empolgado, acrescentou: “Ainda veremos esse Bolsonaro piar na jarabiroca”.
Renato Terra engrossou o caldo: “Queirótico, diabundo, analtrofóbico, tripulsivo, todo-escroto”. A coisa estava indo bem, e eu ainda nem tinha recorrido a não colunistas da Folha. Hora de abrir o leque.
“Carniciliano, lambetrumpeiro, destruirento, fascisqueiro”, adiantou-se Paulo Scott, mesmo ocupado com o lançamento do romance “Marrom e Amarelo”.
“Carniciliano, lambetrumpeiro, destruirento, fascisqueiro”, adiantou-se Paulo Scott, mesmo ocupado com o lançamento do romance “Marrom e Amarelo”.
Acrescentou Leonardo Villa-Forte: “Anticéfalo, pistólatra, abrunto, cunhaz, trunlítico, tramoiético, pocilgono, histépodre, luciferôntico, vomíssuno, morxado”.
Alguns neologistas pediram anonimato. Uma escritora que já foi ameaçada de demissão por criticar Bolsonaro compareceu com “ascrachoso, depretífero, miliciondo, nojencéfalo, pavorível e senhumano”. Motivo semelhante alegou o tradutor que propôs “escrotibundo, hominhoso, patúfrio, mijérrimo, cagalhesco”.
Prolífico, o cronista Luiz Henrique Pellanda contribuiu com “putrecéfalo, flatófago, anemolento, jequitibundo, chorumentalista, arregolitoso, suga-sebo, rancorífico, furicocida, desmalmado, retróloquo, fecaficionado, falsicultor, borramínguas, jebólatra”.
O mesmo Pellanda lembrou que, no romance “Sargento Getúlio”, João Ubaldo Ribeiro prenunciou tudo isso ao fazer seu personagem declarar: “Perde a força os nomes quando eu lhe xingo e por isso vou inventar uma porção de nomes para lhe xingar...”.
E inventa coisas como “crazento da pustema”, “disfricumbado firigufico do azeite”, “carniculado da isburriguela”, “retrequelento do estrulambique”. Todas palavras excelentes. Quem quiser que invente outras.
Texto de Sérgio Rodrigues, na Folha de São Paulo.
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