Ouço dizer que os corredores da alta cultura têm se ocupado com a discussão sobre se a sequência da morte de Mufasa, pai do herói do desenho “O Rei Leão”, em cartaz, é mais eficaz do que a da mãe de Bambi em, idem, “Bambi” (1942). A do leão, pisoteado por milhares de cascos e ainda caindo de um despenhadeiro, é mostrada em detalhes. A da corça não se vê. Nem precisa. Ouve-se um tiro, e só. É clássica.
A morte sempre foi importante para o cinema. Muitas das maiores sequências da história têm a ver com ela. A de “King Kong” (1933), em que o macaco, metralhado pelos aviões, despenca do edifício Empire State. A de “Sabotador” (1942), de Hitchcock, em que Robert Cummings tenta salvar o nazista Norman Lloyd de cair da estátua da Liberdade, segurando-o pelo paletó, mas os pontos da roupa vão se desfazendo. A espetacular morte de Anna Magnani em “Roma, Cidade Aberta” (1945), em que ela é fuzilada ao correr para seu marido.
A da velhinha na cadeira de rodas, que Richard Widmark, com uma diabólica risadinha, faz rolar da escada em “Beijo da Morte” (1947). A de James Cagney, no alto do gasômetro em chamas, em “Fúria Sanguinária” (1949), gritando: “Olha só, mamãe! Estou no topo do mundo!”. E qual diretor começaria uma comédia com uma chacina? Só Billy Wilder, em “Quanto Mais Quente, Melhor” (1959).
Adoro a morte de Jean-Paul Belmondo em “Acossado” (1959), caído na rua depois de levar vários tiros pelas costas e soltando a última baforada do cigarro. E a de Janet Leigh, no chuveiro, em “Psicose” (1960). Já a falsa morte do ET em “E.T.” (1982) é só uma das costumeiras trapaças sentimentais de Steven Spielberg.
Quanto ao leão morto que “volta” para o filho numa nuvem no final de“O Rei Leão” é um recurso manjado. Começou com Jeanette MacDonald e Nelson Eddy, que, depois de mortos em “Primavera” (1937), “ressuscitam” na nuvem, cantando “Ah, Sweet Mystery of Life”.
Texto de Ruy Castro, na Folha de São Paulo.
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