sábado, 31 de janeiro de 2015

Há 30 anos, tensão e pulsos cortados marcavam a gravação de "Legião Urbana"

Há 30 anos, chegava às lojas o álbum de estreia de uma banda de Brasília que gostava de ser chamada de punk, soava como Joy Division e tinha letras politizadas. A capa branca, com uma foto em preto-e-branco dos integrantes ao centro, era apenas uma janela para toda a ingenuidade, raiva e confusão de quatro adolescentes brasilienses: Renato Russo, Marcelo Bonfá, Dado Villa Lobos e Renato Rocha.
Lançado na primeira semana de janeiro de 1985, o primeiro álbum da Legião Urbana foi a pedra fundamental de uma nova fase no rock BR, mais poético e político, e o começo do fenômeno em que a banda se tornou. As sessões de gravação, no Rio de Janeiro, entre outubro a dezembro de 1984, no entanto, foram repletas de intempéries, com momentos tensos no estúdio, troca de produtores e Renato Russo cortando os pulsos.
"O primeiro disco era para ser gravado com o Renato como baixista. A Legião começou com essa cozinha, eu na bateria e o Renato no baixo. A gente se identificava muito bem", relembra o baterista Marcelo Bonfá, em entrevista ao UOL. Completava a formação Dado Villa Lobos, na guitarra. "Mas, nesse momento, o Renato cortou os pulsos dias antes de entrar no estúdio." 
Amigo próximo de Renato, Bonfá não acredita que houvesse uma razão pessoal e mais profunda para a tentativa de suicídio. "Eu posso especular. Ele tocava baixo e queria ficar mais solto. Ele queria ficar só cantando. Ele conseguia enxergar o cenário se formando, posso imaginar. Deu um nó na cabeça dele. Pode ter acontecido algo mais pessoal, mas estávamos muito juntos na época e não me lembro de um motivo a mais."
O susto apenas forçou a entrada de mais um componente na banda, o baixista Renato Rocha, que Bonfá conheceu em uma das festas de rock na cidade-satélite. A conversa foi direta. "'Vamos tocar, velho?'. 'Vamos'. 'Semana que vem?'. 'Vamos'. Ele era uma figura louca, um cara gente fina", lembra o baterista.
A gravadora EMI estava ansiosa para contratar a banda, após ver a Legião em ação no Circo Voador, no Rio de Janeiro. Havia, naquele momento, um burburinho em torno do rock de Brasília. Os Paralamas do Sucesso haviam acabado de gravar "Química", composição de Renato, no álbum de estreia da banda, "Cinema Mudo" (1983). Com a versão, Herbert Vianna pediu atenção para a cena que surgia na capital do país, distante da alegria e do colorido de bandas cariocas como Kid Abelha e Blitz, que tomavam as paradas.
A referência da Legião sempre fora outra, mais cinza, como a cidade de concreto de onde ela vinha. As novidades da música chegavam por lá por meio dos filhos de figurões, diplomatas e políticos que voltavam de viagem do exterior com a mala cheia de discos de grupos punks como Sex PistolsThe Clash e The Stooges.
"Nossa música era muito visceral, energética e tinha tudo a ver com o que estávamos passando ali. Entramos no estúdio com isso em mente. Eu queria que o disco fosse cru e pesado", relembra Bonfá.
A petulância que só a juventude traz rendeu embates no estúdio e dança da cadeira entre os produtores. Nomes como Rick Ferreira e Marcelo Sussekind chegaram a produzir o álbum, mas acabaram sendo substituídos. "Eles queriam algo mais country, e não era o que queríamos fazer. A gente teve problema também com o [crítico musical e diretor de produção do álbum] José Emilio Rondeau. Não tinha muita conversa, não dávamos nem a chance. Queríamos tirar um som grosseiro, e o técnico de som, por melhor que ele fosse, não estava acostumado com aquela sonoridade. Falávamos: 'Você quer isso que a gente tem? Então deixa com a gente'. Éramos muito jovens."
A última cartada da gravadora foi a chegada de Mayrton Bahia, que havia produzido discos de Elis Regina e 14 Bis. Diplomático, Bahia conseguiu a confiança dos músicos em conversas intermináveis na madrugada. Era o cara que tentava conciliar o desejo da Legião com o propósito da gravadora. Chegou-se, então, a um denominador comum.

"Para as pessoas entenderem nosso som, precisava da mão de alguém da gravadora. Não adiantava chutar o balde. Ainda bem que não estava só eu, senão seria um barulho só. Eu achava que tinha ser gravado ao vivo no estúdio, todo o mundo tocando junto", reconhece hoje Bonfá.  Mayrton Bahia acabaria se tornando um produtor fixo da banda até "O Descobrimento do Brasil" (1993).
"É direto isso aqui, não?"
Recheado de composições políticas, sem firulas, "Legião Urbana" é um registro da juventude entre o fim da ditadura militar e a lenta e difícil reabertura da democracia. Havia ali canções sobre relacionamentos, que se tornariam o foco da banda no futuro, como "Ainda É Cedo" e "Por Enquanto" –última música a entrar no álbum--, mas a temática do disco era ressoar o grito jovem das ruas. "Soldados", "Geração Coca-Cola", "O Reggae" e "Petróleo do Futuro" traduziam esse clima. Conta a lenda que Gonzaguinha estava na EMI quando mostraram a letra de "Geração Coca-Cola", da banda recém-contratada. "É direto isso aqui, não? Nada cifrado", teria comentado.
"Estava rolando uma oportunidade para isso. Lembro que um dia que eu estava na casa do Renato, estávamos na janela conversando, quando vimos um cara com a bandeira do Brasil correndo, e o camburão o seguindo. Desceram a porrada e colocaram o cara lá dentro. Até hoje você vê esse abuso de autoridade da polícia. Há um resquício ainda da ditadura. É muito louco", observa o baterista.
Muitas das canções do primeiro álbum ganharam um significado especial para Bonfá anos depois. Entre elas, o o primeiro grande hit, "Será" –música emblemática que abre o álbum, direta, contagiante e de forte imagem poética. "Eu fui muito admirador do Renato, como pessoa e como letrista. Ele era um cara que conseguiu uma sensibilidade que não me bateu na época, até porque eu nem estava focado nisso." E analisa: "É preciso mudar em você o que você quer mudar no outro. Não é isso que todo o mundo diz?".

Texto de Tiago Dias, no UOL .

Contra o machismo, a favor dos machos


Eu jamais serei a "esposinha", de codinome "mulher de fulano". Espinha dorsal de tábua de passar roupa, mãos sobrepostas com delicadeza nos joelhos, dentes à espera de bajular com largura qualquer besteira que seu homem diga. A facilitadora de um moço bem-sucedido: não complica, não engorda, não compete (principalmente!) e não esquece de colocar a camisa polo preta na mala. Vez ou outra é espertinha (afinal, é 2015 e pega mal nas festas ostentar um troféuzinho sem uma mísera centelha): a cada 12 dias ela replica uma piadota espirituosa, uma vez por bimestre se arrisca num duplo sentido, parece que foi vista sendo cínica no penúltimo Finados.
Mas não vou negar: por um bom e saliente osso firme de bacia quadrada, periga eu ajoelhar para catar meias do chão. Curto quando reclamo "da roupa de corrida guardada de volta na gaveta" e ele responde, quase num urro ogro "é cheiro de macho, pô!". Fica lá o shortinho suado, lançado sobre meus vestidos, manchando de testosterona o ar ensimesmado do closet. Acho ótimo.
Eu só sei fazer quatro pratos: frango grelhado, omelete, frango desfiado e ovos mexidos. Minhas unhas estão péssimas, porque até o final de fevereiro entrego dois seriados, dois longas metragens e um livro. Quem tem tempo de ostentar sobrancelhas depiladas, calcanhares macios e cabelos hidratados com um cérebro-martelo-24 horas e uma pastinha rosa transparente cheia de contas pra pagar? No entanto, vou te mandar um sincerão: continue bravo. Adoro homem sério. Continue me tratando um pouco seco no café da manhã: "eu acordo assim".
Leia o jornal na minha frente, não tem problema. Eu que pago a assinatura do jornal, eu que comprei essa poltrona de couro caríssima em que você está refestelado como um rei, eu que escrevo para o jornal. Mas, por obséquio, mantenha-se nessa postura de comandante absoluto do lar, lendo as notícias na minha frente e as descartando no chão, como se a uma mulher não importasse nada disso. É apenas um jogo e mais tarde usaremos isso a nosso favor.
Se bem que hoje não. Estou com a lombar abusada, estou com os axônios esfolados, escrevi para uns dez personagens e me explorei tanto para eles que sobrou pouco pra você. Perdão, mas prefiro isso a ser uma doce garota de glúteos enrijecidos por corredores de lojas. Prefiro isso a ser uma moçoila "puts, nunca soube direito o que fazer da vida", sempre disposta a ceder sua existência, uma vez que esperar pelo marido é o melhor que elas fazem de seu dia.
Prefiro essa pancinha desgraçada (talvez fruto de uma postura entregue ao computador, talvez resultado de uma queda de colágeno associada a uma compulsão desenfreada por doces a cada vez que a vida entedia demais) à obrigação de malhar diariamente para ter um corpo que agrade a um cônjuge-empregador. Para algumas comunidades do século antepassado, vulgo gente comum que mora a poucas quadras de mim, usar o salto certo, a altura da saia certa, a micro tatuagem sensual certa na nuca, é visto como um dom, um talento. Talento não deveria ser associado a uma vida própria e profissional?
Anterior a ser uma fêmea, tô nessas de "vida pra produzir algo que importe" (pra falar a verdade: que provoque). Às vezes, para sapiens mais inseguros, isso é visto como "que tipo de gênero você assinala nos formulários?". De qualquer forma, seja qual for o sexo, hoje não tem. Tô sem saco. Contudo, admiro seu andar pesado "de homem precisando se descarregar", sua coceira seca na garganta: "algo de minha química diz que eu deveria ter voz altiva, ao invés de angústia". E você me puxa e ordena. É na brincadeira, eu sei, mas lhe imploro: sigamos assim. Sou contra o machismo e absolutamente a favor do macho. Eu ordeno que você mande em mim.


Texto de Tati Bernardi, na Folha de São Paulo

O festival de asneiras em torno dos 88 bilhões de reais da Petrobras

Raras vezes tantas tolices foram publicadas e compartilhadas em cima de um número malcompreendido.
Entre no Twitter e digite Petrobras 88 bilhões, e você encontrará uma enxurrada daquilo que de mais imbecil a mente humana pode conceber.
A cifra de 88 bilhões de reais representaria aquilo que foi desviado por corrupção na Petrobras.
Para quem tem o mínimo de familiaridade com números, é um caso parecido com o do homem de oito metros.
Mas poucos tem, e a Folha, origem dos disparates, não está entre estes raros.
Foi a Folha que deu a “informação”. Ela estaria no balanço divulgado pela Petrobras.
Depois, a Folha corrigiu o erro, mas era tarde demais: a asneira já fora transmitida e incorporada por dezenas, centenas, milhares de analfabetos políticos que incluem suspeitos de sempre como Lobão e Danilo Gentilli.
Os 88 bilhões são um cálculo aproximado de ativos supervalorizados.
Imagine que, em vez da Petrobras, se tratasse da Abril. Suponha que a Veja, o principal ativo da casa, tivesse sido avaliada num balanço em 1 bilhão de reais.
Depois, se verificaria que o valor estava inflado em 50%, digamos. No ano seguinte, o balanço corrigiria o excesso, e a Veja surgiria com o valor de 500 milhões de reais.
É mais ou menos isso.
Dentro dos 88 bilhões, existe uma parcela associada aos desvios. Mas ninguém sabe quanto é.
Na reunião de diretoria que aprovou o balanço, chegou-se a cogitar – ou chutar — uma soma de 4 bilhões em desvios, com base nos 3% de taxa de propina de que falou o ex-diretor Paulo Roberto Costa.
Os 88 bilhões não fizeram a festa apenas de internautas sem noção de grandeza de números.
Numa rápida pesquisa no Twitter, encontrei o link de uma entrevista da CBN com um economista para falar dos “88 bilhões em desvios”.
Mesmo confessando não ter condição de analisar o balanço, ele concedeu uma entrevista de mais de seis minutos.
Pobres ouvintes da CBN. Uma rádio competente jogaria luzes onde há sombras. Mas a CBN cobre áreas cinzentas com ainda mais sombras.
Mas não se pode desprezar a contribuição da Petrobras para a confusão.
Tente entender o que a empresa quis dizer na sentença abaixo, que consta do balanço e é assinada por Graça Foster. Um determinado método foi descartado, e a explicação foi a seguinte:
“O amadurecimento adquirido no desenvolvimento do trabalho tornou evidente que essa metodologia não se apresentou como uma substituta ‘proxy’ adequada para mensuração dos potenciais pagamentos indevidos, pois o ajuste seria composto de diversas parcelas de naturezas diferentes, impossível de serem quantificadas individualmente, quais sejam, mudanças nas variáveis econômicas e financeiras (taxa de câmbio, taxa de desconto, indicadores de risco e custo de capital), mudanças nas projeções de preços e margens dos insumos, mudanças nas projeções de preços, margens e demanda dos produtos comercializados, mudanças nos preços de equipamentos, insumos, salários e outros custos correlatos, bem como deficiências no planejamento do projeto (engenharia e suprimento).”
Proust podia escrever parágrafos intermináveis, pelo talento excepcional em juntar palavras, mas nenhum redator de balanços pode fazer o mesmo.
Frases curtas, simples, fáceis de entender: eis o que um balanço deve conter, para ser compreendido para além dos números.
E então você tem o cruzamento de um jornal que admite o homem de oito metros com um balanço escrito numa linguagem não identificada – parecida, apenas, com o português.
Estava tudo pronto para um festival de asneiras nas redes sociais. Falsos gênios chegaram a fazer contas: com 88 bilhões de reais você compra x Fuscas e coisas do gênero.
Claro que o PSDB não poderia faltar.
Em sua conta no Twitter, o PSDB postou um quadro que dizia que “o prejuízo da Petrobras com corrupção pode chegar a 88 bilhões de reais.”
Neste caso, não é apenas erro. É má fé. É manipulação. É cinismo.
E uma tremenda duma mentira. O presidente do PSDB, Aécio, acaba de gravar um vídeo em que diz que Dilma mente.
Antes de ser julgada, a Petrobras tem que ser compreendida.
O barulho em torno dos 88 bilhões de reais mostra que a Petrobras, embora tão falada, é uma ilustre desconhecida para muitos brasileiros. Por isso, é fácil usá-la com propósitos canalhas por quem quer tudo — menos, efetivamente, contribuir para o bem dela.

Reprodução do Diário do Centro do Mundo

Por que a mídia desprezou um economista cultuado como Roubini em sua visita ao Brasil?

Nouriel Roubini é o que existe de mais próximo em celebridade no campo dos economistas.
Em Davos, poucos dias atrás, ele estava sempre cercado de jornalistas. Um vídeo em que ele fala sobre a economia americana com um jornalista da Bloomberg viralizou.
Todo mundo quer saber o que Noubini, iraniano radicado nos Estados Unidos, pensa.
Por fortes razões.
Credita-se a ele ter percebido, em primeiro lugar, o colapso econômico de 2008, do qual até hoje o mundo não se recuperou.
Tudo isto posto, Roubini esteve no Brasil, para uma palestra promovida ontem pelo banco Credite Suisse, e foi desprezado pela imprensa nacional, num momento em que só se fala de economia.
Burrice coletiva?
É sempre uma possibilidade, mas a explicação mais plausível para a mídia ignorar um economista com as credenciais mundialmente reconhecidas como Roubini é a seguinte.
Roubini não está falando as coisas que as empresas jornalísticas gostam de ouvir e transmitir a seu público – ou a suas vítimas, numa linguagem mais franca.
No encontro oferecido pelo Credite Suisse, Roubini disse que vê com “otimismo cauteloso” o governo Dilma neste começo de segundo mandato.
Ora, mas não está tudo errado? O apocalipse não é uma questão de horas, conforme os donos da mídia e seus porta-vozes dizem, repetem, berram?
Roubini rechaçou também comparações entre o caso brasileiro e o venezuelano. Não, disse ele, o Brasil não está se tornando uma república “bolivariana”, na acepção sinistra que a imprensa dá à palavra.
Gênios como Míriam Leitão, Carlos Sardenberg e Rodrigo Constantino – perto dos quais o que é Roubini? – monopolizam os microfones que são negados, no Brasil, a Roubini.
Assim funciona a mídia brasileira.
Você pega uma nulidade como Marco Antônio Villa e tenta transformá-lo em referência em política, economia, história e o que mais for.
Você lhe dá espaço em jornais, revistas, tevês. Basta que ele diga as coisas que diz.
É um entre múltiplos casos.
Roubini não serve – a não ser que preveja o colapso brasileiro. Aí você o verá nas páginas amarelas da Veja, no Roda Viva, nos programas da Globonews.
Do ponto de vista internacional, Roubini tem dito coisas abominadas pela mídia.
Em Davos, ele disse que os Estados Unidos vivem um regime de plutocracia – o governo dos ricos – e não democracia.
Com as doações milionárias a políticos em campanhas, disse Roubini, os ricos americanos acabam influindo decisivamente nas leis.
O povo? O povo que se dane.
Está aí, segundo ele, o principal fator do crescimento da desigualdade nos Estados Unidos.
Ele apoiou a intenção de Obama de taxar mais a plutocracia e diminuir a carga dos demais.
No Brasil, a semelhança é desconcertante. As doações milionárias de empresas dão no que dão.
Para piorar, um ministro do STF, Gilmar Mendes, se julga no direito de segurar um projeto sobre o tema por um ano – sem dar satisfações a ninguém.
“Bolivarianamente”, ele usurpa funções legislativas que não lhe cabem. Gilmar Mendes chegou ao STF mediante um único voto: o de FHC.
Tudo somado, é melhor esquecer que Roubini existe e está no país – pelo menos na ótica torta e viciada da mídia brasileira.

Reprodução do Diário do Centro do Mundo

'Assassino nº 1' do apartheid na África do Sul ganha liberdade condicional

O ministro sul-africano da Justiça concedeu nesta sexta-feira (30) liberdade condicional a Eugene de Kock, um coronel sul-africano da polícia do apartheid conhecido como o assassino número um do regime, responsável por sequestros, torturas e assassinatos de opositores.

"No interesse da reconciliação nacional, decidi colocar De Kock em liberdade condicional", declarou o ministro Michael Masutha, acrescentando que as condições para sua libertação não serão divulgadas.

De Kock foi condenado em 1996 a duas penas de prisão perpétua e a 212 anos de prisão por seu trabalho no comando de uma unidade antiterrorista da polícia, que reprimia os ativistas contrários ao regime segregacionista da África do Sul.

O ex-coronel reconheceu mais de 100 atos de assassinato, tortura e fraude diante da Comissão para a Verdade e a Reconciliação (TRC), que se estabeleceu em 1995 para esclarecer e, em alguns casos, perdoar os que confessaram crimes durante o apartheid, um regime que durou entre 1948 e 1994.

A TRC concedeu a ele anistia por muitos de seus crimes, incluindo os atentados com bomba e 12 assassinatos de militantes antiapartheid, mas a negou pelo assassinato de cinco homens em 1992, ao considerar que as vítimas não tinham nenhuma relação com a guerrilha antiapartheid e que os atos não tinham, portanto, nenhuma justificativa política.

Assim, De Kock continuou na prisão. Durante seu julgamento, assim como perante a TRC, classificou a si mesmo como um "assassino de Estado" e forneceu muitos detalhes sobre muitas atrocidades cometidas por sua unidade secreta, justificando seus atos no fato de que cumpria ordens políticas.

O debate sobre os crimes do regime do apartheid se reavivou nos últimos dias na África do Sul, à espera da decisão do ministro da Justiça.

Para muitos, os assassinatos, sequestros e torturas de De Kock eram crimes muito odiosos para ser perdoados.

Outros opinavam, no entanto, que o ex-oficial da polícia era, além de um prisioneiro arrependido, um bode expiatório para os muitos criminosos do apartheid que nunca foram punidos.


Reprodução do UOL Notícias via AFP

Eles lutavam por todos nós

Ninguém está falando sobre isso, mas 23 ativistas estão sendo processados por associação criminosa armada --embora não haja arma, nem crime, nem associação. Além da ausência de antecedentes criminais, os ativistas têm em comum apenas o fato de terem participado das manifestações de junho e, no ano seguinte, dos protestos contra a Copa. Só. A maioria se conheceu na cadeia.
Não se sabe qual o critério escolhido para prendê-los, já que milhões de pessoas protestaram entre junho de 2013 e junho de 2014 (dentre as quais eu), mas o critério parece ter sido o fato de serem, em sua maioria, professores.
Depois de meses de escuta telefônica em que até os advogados de defesa foram grampeados (isso, sim, é crime, senhor juiz) nada pode ser dito, de fato, contra os manifestantes.
Em um dos telefonemas, Camila Jourdan, professora da UERJ, pergunta se o amigo vai levar os "livros" e as "canetas". O código poderia ter passado desapercebido, mas a polícia fluminense, que anda vendo "Sherlock" demais na HBO, descobriu se tratar de uma mensagem cifrada. "Livros" seriam bombas e "canetas", armas.
Imediatamente após decriptar a intrincada linguagem anarquista, a polícia, sem mandado de busca e apreensão, invadiu e revistou a casa dos ativistas. Não encontrou nada.
Aliás, encontrou. Livros e canetas. Mas não só. As casas tinham uma quantidade suspeita de camisetas pretas. Em algumas, máscaras de gás e, em uma delas, encontraram uma garrafa de gasolina (aquele líquido usado para abastecer carros e geradores). Mesmo assim, sem flagrante, foram presos --para, algumas semanas depois, serem soltos.
A mesma sorte não teve o único preso que é analfabeto, Rafael Braga. Ele está preso até hoje por ter sido encontrado portando uma garrafa de desinfetante Pinho Sol. Mesmo soltos, os manifestantes tiveram seus direitos políticos cassados. Enquanto aguardam julgamento, não podem participar de nenhuma reunião pública nem abandonar sua comarca.
O julgamento ocorre nesta sexta (30) e, apesar de não terem cometido crime algum previsto no Código Penal, tudo indica que os manifestantes serão condenados pelo juiz Flávio Itabaiana. Notável reacionário que se orgulha de nunca ter absolvido alguém, Itabaiana tem em mãos um processo de 7.000 páginas.
O que é que o Itabaiana tem? Não tem torso de seda nem saia engomada --tampouco tem a lei a seu favor. A grande peça no tabuleiro de Itabaiana é a opinião pública. A mesma mídia que condenou as manifestações e que logo depois passou a festejá-las, voltou-se novamente contra elas quando da morte trágica do cinegrafista Santiago Andrade. (Não há qualquer ligação entre os 23 processados e a morte de Santiago.)
Graças ao investimento de parte da mídia que queria a reeleição de um governador, manifestar virou sinônimo de matar cinegrafistas e eis que o gigante adormeceu --a golpes de reportagens tendenciosas e manchetes repulsivas. Resultado: a polícia desceu o pau, a classe média aplaudiu e o Brasil voltou a ser aquele país sem revolta.
A muita gente interessa a calmaria: na calada da noite de Ano-Novo, aumentaram a passagem de ônibus em R$ 0,40. Se houve uma guerra, a máfia do ônibus saiu vitoriosa.
Vale tentar conscientizar de novo essa mesma opinião pública e lembrar que os 23 ativistas processados estavam lutando por nós. E querem continuar lutando --dando aulas, lendo livros, usando canetas. O aumento vertiginoso das passagens prova que a gente precisa deles, mais do que nunca.

Texto de Gregório Duvivier, publicado na Folha de São Paulo

sexta-feira, 30 de janeiro de 2015

Será que (só) eu sou neurótica?

Por que você está tão carinhoso? Está com culpa no cartório? O que você andou aprontando? E os chocolates que você trouxe? Quer que eu engorde?
Quem é aquela periguete que curtiu sua foto no Facebook? Foi a sua ex que te deu essa camisa horrorosa? Por que você está olhando para a minha bunda? Está fiscalizando as celulites e estrias? Está me achando gorda?
Por que você não atendeu o celular na hora do almoço? Com quem você almoçou? Por que você não retornou minhas ligações? Você contou para sua mãe que reclamei da comida dela? Por que ela estava tão estranha comigo? Você reparou que sua irmã me ignorou a noite toda?
Por que você deu um presente tão caro para sua filha? Você vai me dar um cartão de crédito? Você não me ama? Você não confia em mim? Você já teve vontade de me trair?
Você vai me abandonar quando eu ficar velha? Você acha que envelheci muito? Você acha que eu fico ridícula de minissaia? Será que eu ainda posso usar biquíni? Você acha que engordei muito depois que casamos? Por que você está olhando para aquela loura peituda?
Qual vestido você prefere: o azul marinho, o azul turquesa ou o azul royal? Como você pode ser tão bobo e infantil? Por que você concordou com os comentários machistas do seu irmão?
O que você está fazendo no computador? Por que você está rindo tanto? Com quem você está falando? Qual a senha do seu computador? Por que você decidiu fazer musculação? Que perfume é este?
Você lembra com quantas mulheres já transou? Está contando as prostitutas? Você só tem amigos galinhas? Meu peito está muito caído? Você acha que devo colocar silicone? Quantos anos parece que tenho?
Por que você está tão estranho hoje? No que você está pensando? Perdeu o tesão em mim? Você tem fantasias com outras mulheres?
Por que você nunca me ajuda com as coisas da casa? Você acha que eu sou sua empregada? Por que você vive dizendo que sou difícil e exigente? Será que você não consegue nem lavar uma louça direito? Por que você faz tudo errado? Já tomou banho e escovou os dentes?
Por que você não me beija mais na boca? Você quer uma esposa ou uma mãe? Porque você não me chama mais de meu amor? Você vai ficar me criticando a noite inteira?
Será que (só) eu sou neurótica?


Texto de Mirian Goldenberg, na Folha de São Paulo

Imigrante mexicano fez a vida em NY, mas agora não pode voltar

Imigrante mexicano fez a vida em NY, mas agora não pode voltar

Luzes, enfim

Uma das propostas do partido grego Syriza, que venceu as eleições gregas neste domingo, consiste em religar a luz das casas que tiveram a eletricidade cortada por falta de pagamento. Só entre janeiro e setembro de 2013, 240 mil residências tiveram sua eletricidade cortada. Hoje, 1 milhão estão com a conta de luz atrasada, ou seja, 10% da população da Grécia.
Esta é uma bela metáfora do que pode significar a vitória do primeiro partido de esquerda radical na história a governar um país da Comunidade Europeia.
A dita racionalidade econômica aplicada na crise grega levou boa parte da população de volta à era das trevas, isto enquanto a banca internacional aplaudia as "reformas" implementadas pelo antigo governo conservador de Antonis Samaras com sua taxa de 25% de desemprego.
Pouco importa se as políticas de "austeridade" e de "responsabilidade fiscal" jogam a população no breu e na fome, desde que as obrigações das dívidas sejam todas corretamente pagas aos bancos internacionais --os mesmos que costumam extorquir seus países quando entram em rota de falência.
Syriza será a primeira expressão, na forma de um governo, de um radical sentimento de recusa a este capitalismo de espoliação e acumulação rentista.
É fruto de um movimento de indignação que apareceu a partir de 2009, que passou pela Primavera Árabe e pelos Occupy.
Trata-se de um partido que não tem nenhuma semelhança com os partidos tradicionais de esquerda. Não é por acaso que o Partido Comunista Grego os odeia.
Sua lógica não é dirigista, nem centralista. Ela é uma frente multipolar composta por múltiplos grupos, de ecologistas a trotskistas, maoístas, nacionalistas e sociais-democratas radicais.
Se há algo na história da esquerda próximo à vitória grega é a experiência chilena de Allende com sua frente de Unidade Popular.
Quarenta anos depois, a história de um socialismo democrático e transformador será jogada novamente. Dessa vez, será aos pés do monte Olimpo.
Representante de uma nova geração política, Syriza tem neste momento a tarefa de sobreviver e ser bem-sucedido contra as tentativas de impedir que o fantasma do descontentamento que assombra a Europa saia de sua forma meramente espectral e ganhe, enfim, corpo político. Um corpo que poderá contaminar outros países e modificar o cenário de inanidade atual.
A favor dos gregos, há o espírito do tempo e o desejo de todos os que cansaram da escuridão, do medo e da miséria, seja miséria econômica, seja miséria de ideias.

Texto de Vladimir Safatle, na Folha de São Paulo

segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

Lei canadense sobre propaganda de prostituição causa resistência


As iniciativas de reforma do governo conservador mais prejudicam do que ajudam as prostitutas que eles pretendem proteger.
Em dezembro, uma nova lei sobre prostituição entrou em vigor no Canadá. A Lei de Proteção de Comunidades e Pessoas Exploradas, ou Lei C-36, criminaliza a compra (mas não a venda) de serviços sexuais, e restringe a propaganda de serviços sexuais e a comunicação em público para promover a prostituição. A lei substitui uma legislação, derrubada em dezembro de 2013 pelo Supremo Tribunal do Canadá, que criminalizava os atos associados com a venda de serviços sexuais. Em sua decisão de 2013, o Tribunal considerou que essas leis violavam os direitos à proteção e à segurança dos trabalhadores do sexo, e deu ao governo conservador do primeiro-ministro Stephen Harper um ano para implementar uma nova legislação.
Muitos esperavam que estava fosse a chance do Canadá de imitar a Nova Zelândia, onde a compra e venda de sexo consensual entre adultos foi descriminalizada em 2003, e cláusulas foram introduzidas para proteger a saúde e a segurança dos trabalhadores do sexo. Na Nova Zelândia, certificados válidos são exigidos para empresas de prostituição com mais de quatro funcionários; sua localização e publicidade pode ser regulada. Revisões a cada cinco anos não encontraram provas de que a descriminalização tenha aumentado o tamanho da indústria do sexo. Trabalhadores sexuais passaram a achar mais fácil recusar um cliente, sentiram-se mais protegidos de ataques e seguros para relatar abusos. E os benefícios de saúde são claros: um estudo da ONU de 2012 concluiu que a abordagem da Nova Zelândia aumentou o "acesso ao HIV e aos serviços de saúde sexual e está associada a taxas bastante altas de uso de preservativo."
Em vez de implementar essas políticas testadas, a Lei C-36 – como disse o ministro da Justiça Peter MacKay, que apresentou o projeto de lei, ao comitê do Senado em setembro – efetivamente torna a prostituição "ilegal pela primeira vez no Canadá". Ela não só reproduz o que muitos dos estatutos derrubados pelo Supremo Tribunal em 2013, como vai além, tornando um crime a compra de serviços sexuais. A premiê de Ontário, Kathleen Wynne, expressou uma "séria preocupação", e pediu formalmente ao promotor-geral para decidir sobre a constitucionalidade da lei. Mas as leis estão aí para ficar, pelo menos por algum tempo: Alan Young, advogado à frente do caso em 2013, estima que posso levar de cinco a seis anos para um novo desafio chegar ao Supremo Tribunal.
No Canadá, permanece um crime lucrar com a prostituição de outras pessoas, ou comunicar-se em certos espaços públicos com o objetivo de vender sexo. Mas a Lei C-36 agora torna ilegal pagar por sexo, e também que terceiros anunciem a venda de serviços sexuais em jornais ou online. Em geral, o resultado de leis como esta é desalojar trabalhadores do sexo que atuam nas ruas para áreas mais remotas, com frequência pouco seguras, para que os clientes possam evitar a detecção da polícia. Mesmo aqueles que têm acesso a espaços privados provavelmente se sentirão mais ameaçados: de acordo com a Lei C-36, é ilegal pagar por sexo em qualquer lugar, inclusive em ambiente privado fechado. E as restrições sobre a publicidade e a comunicação limitam a possibilidade de os trabalhadores do sexo buscarem clientes ou negociar transações. É claro, este era exatamente o ponto. "Não queremos que a vida fique segura para as prostitutas", disse o senador conservador Donald Plett ao Senado em setembro, "queremos nos livrar da prostituição".
Se abolir a prostituição é a meta de alguns legisladores canadenses, o precedente sugere que é improvável que a nova medida tenha sucesso. A Lei C-36 segue o exemplo da Suécia, Noruega e Islândia, onde a compra - mas não a venda - de sexo foi criminalizada na lei aprovada desde o final dos anos 90. Os proponentes do chamado "modelo nórdico" (também implementado, sob diversas formas, na Coreia do Sul, Finlândia, Israel e Inglaterra), argumentam que a indústria do sexo segue os princípios de mercado da oferta e da demanda, assim, atacar a demanda fará com que a oferta diminua.
Mas dificilmente existe um consenso quanto a isso. Os defensores do modelo nórdico observam que a criminalização da compra de sexo reduziu a prostituição nas ruas da Suécia. Em 2008, no entanto, o Conselho Nacional de Saúde e Bem-Estar da Suécia informou que, embora as taxas de prostituição tenham caído imediatamente após a implementação da lei de criminalização em 1999, elas se recuperaram em cerca de dois terços em poucos anos. Um relatório de 2012 da Comissão Mundial sobre HIV e Legislação revelou que o "comércio sexual da Suécia continua nos níveis anteriores à lei"; ele "simplesmente passou a ser feito de forma mais velada" ou online.
E o modelo nórdico tem efeitos normalmente prejudiciais para a saúde e a segurança dos trabalhadores do sexo. Uma relatório de 2010, publicado pelo Instituto Sueco, revelou que a criminalização resultou em assédio elevado aos profissionais do sexo, que se sentiam "caçados" pela polícia e tratados como "pessoas incapacitadas" cujos "desejos e escolhas não são respeitados". O relatório da Comissão Mundial de 2012 revelou que a criminalização torna as vidas deles "menos seguras e bem mais arriscadas em termos de HIV."
No Canadá, esses efeitos serão sentidos de forma mais profunda pelas mulheres indígenas. Em grande proporção na indústria do sexo do país, elas têm taxas mais altas de estigmatização e violência, e já são insuficientemente protegidas pela polícia: em 2012, a Comissão de Investigação de Mulheres Desaparecidas da Colúmbia Britânica citou a relação ruim entre os trabalhadores do sexo e a polícia, influenciada pelas leis de prostituição do Canadá, como um fator responsável pelos desaparecimentos e assassinatos de mulheres indígenas. A nova legislação provavelmente vai piorar a situação.
A Lei C-36 aloca US$ 17 milhões em cinco anos - uma quantidade relativamente pequena - para ajudar os trabalhadores do sexo a deixar a prostituição. Mas essa utilização de recursos fará pouco para melhorar a vida dos trabalhadores sexuais para aqueles que não podem, ou não querem, deixar a profissão. Em vez de tentar acabar totalmente com a prostituição, o Canadá deve, assim como a Nova Zelândia, dedicar seus recursos para garantir que os trabalhadores do sexo tenham acesso adequado à saúde e outros serviços sociais, e que não sejam traficados ou explorados de outras formas.
No Canadá, a aprovação da Lei C-36 causou resistência. Vancouver tem indicado sua intenção de priorizar as diretrizes municipais para os trabalhadores do sexo adotadas em 2013, enquanto aplicar a lei é "um último recurso". A revista semanal NOW, de Toronto, recusou-se a cumprir a proibição da propaganda; se o governo reclamar, isso pode levar ao primeiro teste da constitucionalidade da lei.
Nas audiências do Senado em setembro, Kerry Porth, uma ex-profissional do sexo e presidente da Pivot Legal Society, um grupo de defesa canadense, argumentou que a Lei C-36 levaria a "mais exploração, mais violência, e mais desespero." Infelizmente, em vez de aproveitar esta oportunidade para aprovar reformas verdadeiramente significativas, o Canadá apenas substituiu uma política equivocada por outra.

Brasil se despede de uma das suas damas do teatro


Brasil se despede de uma das suas damas do teatro

Maria Della Costa morreu nesse sábado, no Rio de Janeiro
A atriz Maria Della Costa, considerada uma das damas do teatro brasileiro, morreu aos 89 anos no sábado passado. Ela estava internada no Hospital Samaritano, em Botafogo, na zona Sul do Rio de Janeiro, e teve um edema pulmonar agudo. O corpo da atriz Maria Della Costa foi velado no Theatro Municipal do Rio. Familiares e amigos — entre eles atores como Nathalia Timberg — compareceram ao local para prestar as últimas homenagens a uma das maiores atrizes do teatro brasileiro. “Uma gaúcha poderosa e linda, sem nenhum tipo de estrelismo.” Essa é a lembrança que fica para o ator Ney Latorraca.

Depois seu corpo foi levado a Paraty, onde também foi velada na Câmara dos Vereadores da cidade e posteriormente enterrada no Cemitério Municipal de Paraty. Com a carreira iniciada aos 18 anos, em 1944, ela interpretou papéis em obras como “Anjo Negro”, de Nelson Rodrigues. Ao lado de seu segundo marido, Sandro Polloni, ela fundou em 1948 o Teatro Popular de Arte, no Rio de Janeiro, origem da Companhia Maria Della Costa, sediada em São Paulo, que se tornou, com a inauguração da própria casa de espetáculos em 1954, uma referência preciosa no teatro no Brasil. Na televisão, interpretou papéis nas novelas “Beto Rockfeller” e “Estúpido Cupido”, entre outras. No cinema atuou em diversos filmes: “O Cavalo 13” (1946) e “O Malandro e a Grã-fina” (1947), ambos sob a direção de Luiz de Barros; “Inocência” (1949); e “Caminhos do Sul” (1949). Ela não tinha filhos.

Reprodução do Correio do Povo

sábado, 24 de janeiro de 2015

Leblon, sábado, calor do cão, porta do Bracarense

– Ei, Joca!
– Caralho, Armínio!
– O Edmar ta vindo aí. Que surpresa! Achei que você tava direto em Brasília…
– Pois é. Fiquei de novembro até agora. Como o pontapé inicial tá dado, vim pegar um sol de fim de semana.
– Foi no estádio?
– Não… O Fogão vai me dar uma dor de cabeça que eu não preciso agora.
– Mas me conta, como anda a coisa lá? A mulher pega muito no pé?
– Nada…
– Ei, ó o Edmar chegando. Vem com o Ilan.
– Pô, Ilan, tu perdeu peso, mas não a barriga, hein?
– Mas tu aluga, hein, Joca?…
– Gente, peraí. O Joca ta me contando aqui como anda a coisa por lá. Diz aí, Joca, tu já entrou pro PT?
– Deus me livre, Mínio, Deus me livre. Além de tudo, não carece…
– Mas como tá lá?
– Tá ótimo. Nem uma contrariedade, nem nada. Cheguei, falei pra presidente…
– Tu não chama ela de presidentA?
– Fala sério! Pra mim é presidente e acabou.
– E ela não chia?
– Sei lá, pra mim, não…
– Mas vai, conta.
– Então, cheguei lá, no primeiro dia e ela me chamou. Tava ela e aquele gaúcho…
– O Miguel?
– Isso, o Miguel e o Aloísio. Aí eu falei, sabe, presidente, a senhora me chamou, mas eu tenho uma linha. E aí ela me cortou…
– Eu sabia. Ela corta, berra, xinga…
– Tá maluco? Nada disso. Ela me cortou pra dizer assim. Seu Joaquim. Ela me chama de seu Joaquim. Seu Joaquim, nós chamamos o senhor…
– Senhor? Ela te chama de senhor?
– Tudo na moral, no maior respeito. Seu Joaquim, nós chamamos o senhor porque sabemos qual sua orientação e damos carta branca. A coisa tá feia, o mercado ta arisco, o investimento caiu e nós não podemos brincar em serviço. O senhor indique quem tem de indicar, faça o que tem de ser feito e nós vamos conversando aí…
– Como é que é?
– É, cara. Senti que os caras tão no mato sem cachorro e querem que eu resolva.
– Sei. O Mr. Wolf, do Pulp Fiction. “I solve problems”.
– Pensei isso na hora. Fazem a merda, lambuzam tudo e aí chamam Mr. Wolf. Quase falei “I solve problems”…
– Mas o Aloísio, todo metido a desenvolvimentista, todo Unicamp, todo, todo, não chiou?
– Edmar, deixa eu te falar. Esse é o que menos chia. Ninguém ali chia. Eles estão apavorados com o mercado, com a balança comercial, com a queda dascommodities, com a China, com a transmissão disso no emprego, com o teto da meta e o caralho. Tão com o cu na mão, se me entende. Fizeram uma campanha tosca, sabem que mentiram pra cacete e tão se borrando todos. Topam qualquer coisa!
– Topam tudo?
– Acho que menos beijar na boca! Se o Aécio tivesse levado, Mínio, aí você ia ver o que é bom pra tosse. O Serra – que ta meio gagá – ganhou força com a eleição. Ia fazer aquela demagogia de política industrial, investimento etc. Aqui não tem disso. Querem resolver problemas.
– Mas e aquele abaixo assinado, o Belluzzo, a Conceição, a Unicamp?
– Fala pra mim, Ilan: quem no governo quer saber deles? Quantos votos têm?
– E o esporro que ela deu no Nelson?
– Mas o Nelson é meio PT, ela não respeita muito o Nelson. Ele cagou com aquele negócio do salário mínimo e teve o troco. Eu não entro nessa. De mais a mais, resolvi testar.
– Testar?
– É, testar.
– Peraí, antes de você contar, vamos pedir alguma coisa? Caipirinha de vodka pra todo mundo? E aquele bolinho de carne seca invencível?
– Pede lá. Então, logo que fui nomeado, quis fazer um teste. E fui pesado. Falei pra presidente – coisa que o Nelson não fez – , olha, vamos fazer um superávit baixo, mas não podemos sangrar o empresariado, se não, não dá nem para começar o trabalho.
– Você é um filho da puta, hahahahaha!
– Calma, Edmar. Isso é só o intróito… Falei, vamos ter de mudar algumas coisas aí no seguro-desemprego, nas pensões e tal. E ela pulou.
– Pulou, como?
– Ficou puta da vida, disse que tinha falado na campanha que não mexeria e tal, aquela história da vaca tussa e o cacete. E aí veio o Aloísio e serenou os ânimos.
– Esse topa tudo!
– Topa, Mínio, topa. Eu entrei com um argumento baixo – números -, mas é o que ela gosta. Olha lá, clima tenso, ela chiando, o Aloísio tentando acalmá-la. E eu soltei a bomba: vamos economizar R$ 18 bilhões só nisso, presidente. E não vamos mexer com quem está na ativa, com quem tem poder de mobilização. Vai ter uma semana de chiadeira e acaba.
– Eu falo, tu é um filho da puta! Rárárárá!! E ela topou?
– Na hora, Edmar! Esse foi o teste. Se o PT que é o PT topa mexer com os assalariados, o resto sai na urina. Abrir o capital da Caixa, arredondar para menos o reajuste do mínimo – que ninguém nota, pois são dois reais, mas dá um puta efeito -, aumentar os juros da casa própria… Tudo vem na banguela, na descida…
– Tu tem carta branca, então?
– Mais do que você teria, Mínio. E depois que o Rui, na reunião do diretório lá deles falou que minha nomeação era assunto encerrado, acabou!
– E você ainda veio com aquela de “patrimonialismo”… Rááráráráárárárá!!!
– Pois é… Coloquei na última hora no discurso. E isso fodeu com o Guido, que engoliu seco. Ele e o PT, o Lula e o escambau. Mas eles adoram. Adoram tudo o que faço. E ela fez comigo uma coisa que não faz nem com o PMDB: me deu o ministério de porteira fechada. Vou nomear todos vocês!
– Não fode, Joca.
– E agora?
– Agora é isso, já avisei, Ilan. Dois anos de ajuste pesado, vai ter solavanco, vai ter porrada, a base pode chiar um pouco, a CUT vai gritar, mas a vida é assim. Eu falo de novo: eles estão fodidos, cagados, com o cu na mão. E não tem meio ajuste. É até o talo. Vamos abrir mais empresas, vender o que dá para ser vendido, mexer na CLT, aprovar a terceirização e deixar o pessoal gritar. Sangue frio eu tenho, vocês sabem. E eles não têm culhão para ir pra cima do empresariado, dos bancos…
– E ela?
– Ela fez a escolha dela. E agora não tem volta atrás.
– Putz, você é mesmo um filho da puta, Joca, um grande filho da puta. E sabe que com o Aécio, eu teria mais dificuldade, até pela oposição do PT…
– Pois é, Mínio. Anulamos quem poderia se opor.
– Agora, vem cá… E essas alas do PT. E a esquerda?
– No PT não tem mais nada. Só tenho receio de um cara de esquerda, que de vez em quando, ainda conversa com a presidente… E pode criar confusão…
– Quem? O chefe lá do MST? O garoto do Sem Teto? Os malucos do PSOL e do PSTU?
– Cê ta na lua, mesmo, né, Ilan? Nada disso. Esses tão fora!
– O Lula?
– Puta que o pariu! Vocês não lêem nem jornal. Ficam nessa história de mercado, mercado e não sabem o que acontece no mundo.
– Então quem, porra?
– O Delfim, o cara mais à esquerda que ela ainda ouve…
(Estupor geral)
– O Delfim.
(Gargalhadas estrepitosas, enquanto chegam as caipirinhas e os bolinhos)

Texto de Gilberto Maringoni, visto no Diário do Centro do Mundo.