ALEXANDRE VIDAL PORTO
"Direitos humanos são coisa de gringo". Ouvi esse argumento de um jurista, para quem os direitos humanos seriam produto da cultura ocidental e não se aplicariam universalmente.
A tentativa de promovê-los em termos globais representaria um instrumento de dominação imperialista das potências do Ocidente contra o resto do mundo.
Não se discute que os direitos humanos se desenvolveram no Ocidente. A ideia de que os indivíduos têm direitos inatos, protegidos contra abusos do Estado, foi articulada pela filosofia política clássica e refinada pelo Iluminismo europeu.
Tal fato, porém, não denota superioridade da civilização ocidental sobre as outras culturas. Muito pelo contrário.
Ao longo dos séculos, a história do Ocidente mostrou o que ocorre quando a autoridade estatal ignora os direitos individuais. O tráfico negreiro, a perseguição religiosa, o capitalismo predatório, entre outros abusos cometidos no mundo ocidental, evidenciaram a necessidade de garantir aos indivíduos direitos fundamentais invioláveis. Todas as pessoas são iguais em sua humanidade. Por isso, detêm direitos inatos, decorrentes dessa condição humana comum. O respeito a esses direitos é a contrapartida que as autoridades políticas assumem para governar em nome dos cidadãos. Tal princípio define os parâmetros éticos do modelo republicano e dá o grau da legitimidade do aparato estatal.
Essa ideia surgiu no Ocidente, mas se espalhou pelo mundo. A cultura ocidental, por suas características históricas, apenas revelou a "rationale" de sua universalidade.
A promoção dos direitos humanos tem potencial revolucionário forte. Em alguns países, implicaria modificações radicais na estrutura do poder político.
Em outros, contrariaria de maneira frontal interesses econômicos e de segurança nacional. À sua época, mesmo no Ocidente, a noção de que todos os homens são iguais e têm direitos inatos foi inovadora e considerada subversiva.
Desqualificar a validade universal dos direitos humanos com base em argumentos culturais é um equívoco. As culturas não são monolíticas. Configuram campos de batalha de ideias.
A cultura ocidental inclui de são Francisco de Assis a Hitler. O argumento relativista, que privilegia concepções tradicionais de uma cultura sobre padrões de respeito aos direitos humanos, reflete conservadorismo arraigado em relação a avanços sociais e à afirmação de ideais democráticos.
A proteção dos direitos humanos tem de ser universal porque os abusos ocorrem universalmente.
A negação da validade global dos direitos humanos é argumento de tiranos. Banaliza os abusos e desconsidera as vítimas, negando-lhes um vínculo comum de humanidade. Pergunte aos presos de consciência, aos torturados e aos perseguidos, em qualquer cultura do mundo, se seu sofrimento não se equivale de forma absoluta.
Direitos humanos são coisa de gringo, mas também são coisa de africano, de asiático e de europeu.
Violações não podem ser ignoradas. Têm de ser denunciadas e combatidas, onde quer que venham a ocorrer.
ALEXANDRE VIDAL PORTO, 45, mestre em direito pela Universidade Harvard (EUA), é diplomata de carreira e escritor.
Texto publicado na Folha de São Paulo, de 02/02/2011.
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