Os Votos
Pois desejo primeiro que você ame e que amando, seja amado.
E que se não o for, seja breve em esquecer e esquecendo não guarde mágoa.
Desejo depois que não seja só, mas que se for, saiba ser sem se desesperar.
Desejo também que tenha amigos e que mesmo maus e inconsequentes sejam corajosos e fiéis.
E que em pelo menos um deles você possa confiar e que confiando não duvide de sua confiança.
E porque a vida é assim, desejo ainda que você tenha inimigos, nem muitos nem poucos, mas na medida para que algumas vezes você se interpele a respeito de suas próprias certezas.
E que entre eles, haja pelo menos um que seja justo para que você não se sinta demasiadamente seguro.
Desejo depois que você seja útil, não insubstituivelmente útil mas razoavelmente útil.
E que nos maus momentos, quanto não restar mais nada, essa utilidade seja suficiente para manter você de pé.
Desejo ainda que você seja tolerante, não com os que erram pouco, porque isso é fácil, mas com aqueles que erram muito e irremediavelmente.
E que essa tolerância nem se transforme em aplauso nem em permissividade, para que assim fazendo um bom uso dela, você dê também um exemplo para os outros.
Desejo que você sendo jovem, não amadureça depressa demais.
E que sendo maduro, não insista em rejuvenescer.
E que sendo velho não se dedique a desesperar.
Porque cada idade tem o seu prazer e a sua dor e é preciso deixar que eles escorram dentro de nós.
Desejo por sinal que você seja triste, não o ano todo, nem um mês e muito menos uma semana, mas apenas por um dia.
Mas que nesse dia de tristeza, você descubra que o riso diário é bom, o riso habitual é insosso e o riso constante é insano.
Desejo que você descubra com o máximo de urgência, acima e a despeito de tudo, talvez agora mesmo, mas se for impossível amanhã de manhã, que existem oprimidos, injustiçados e infelizes.
E que estão à sua volta, porque seu pai aceito conviver com eles.
E que eles continuarão à volta de seus filhos, se você achar a convivência inevitável.
Desejo ainda ue você afague um gato, que alimente um cão, e ouça pelo menos um joão-de-barro erguer trinfante seu canto matinal.
Porque assim você se sentirá bom por nada.
Desejo também que você plante uma semente por mais ridícula que seja e acompanhe seu crescimento dia a dia, para que você saiba de quantas muitas vidas é feita uma árvore.
Desejo, outrossim, que você tenha dinheiro, porque é preciso ser prático. E que pelo menos uma vez por ano você ponha uma porção dele na sua frente e diga: Isto é meu.
Só para que fique claro quem é o dono de quem.
Desejo ainda que você seja frugal, não inteiramente frugal, não obsecadamente frugal, mas apenas usualmente frugal.
Mas que essa frugalidade não impeça você de abusar quando o abuso se impor.
Desejo também que nenhum de seus afetos morra, por ele e por você. Mas que se morrer, você possa chorar sem se culpar e sofrer sem se lamentar.
Desejo por fim que, sendo mulher você tenha um bom homem, e que sendo um homem tenha uma boa mulher.
E que se amem hoje, amanhã, depois, no dia seguinte, mais uma vez e novamente de agora até o próximo ano acabar.
E que quando estiverem exaustos e sorridentes, ainda tenham amor para recomeçar.
E se isso só acontecer, não tenho mais nada para desejar.
Sérgio Jockymann - texto publicado no extinto jornal Folha da Tarde, de 30 de dezembro de 1978, em Porto Alegre. Copiado aqui por conta de Emílio Pacheco ter disponibilizado em seu blogue, em 11 de maio de 2006 o fác-símile das páginas da Folha da Tarde.
Uma colagem de textos de terceiros que eu ache interessante. Este blog sucede as cópias de texto que eram feitas em Voltas em Torno do Umbigo e em Ainda a Mosca Azul. 11/01/2011.
domingo, 27 de fevereiro de 2011
domingo, 6 de fevereiro de 2011
Bob Dylan e o grande segredo da indústria da música
“A edição musical é o grande segredo da indústria musical. É onde o dinheiro está.” As palavras pertencem ao biógrafo Colin Escott e constam do encarte da coletânea The Witmark Demos: 1962-1964, do compositor norte-americano Bob Dylan. Há aí uma profunda ironia: não é todo dia que um segredo de tal magnitude aparece explicitado e encartado dentro de um disco produzido por uma marca todo-poderosa como a Sony Music.
É difícil calcular o que significa uma ponta frágil da indústria musical atual (o conglomerado de gravadoras de discos) colocar sob holofote uma outra ponta, bem menos frágil (as gigantes editoras de música), mas igualmente pressionada por um bombardeio de transformações – nesse caso, no mundo dos direitos autorais. Até pouco tempo atrás, a maioria absoluta dos agentes envolvidos na cadeia produtiva da música preferia manter dentro do armário os temas da edição musical e do recolhimento de direitos autorais pela execução pública das músicas.
Hoje, uma mera coletânea de Bob Dylan pode se dar ao luxo de revelar pequenos segredos (ou “segredos”) sobre esse enigmático setor. Segundo Escott, por exemplo, o dinheiro arrecadado pela circulação da música de um criador como Dylan é comumente dividido meio a meio: metade para o autor em si, metade para a editora que o ajuda a disseminar suas criações mundo afora.
A história é intricada, mas precisa ser contada no encarte, talvez para justificar a existência de The Witmark Demos, que contém a totalidade das gravações demo feitas por Dylan para sua editora no intervalo iniciático 1962-1964, a Witmark (pertencente ao conglomerado Warner Brothers). Datam desse período clássicos como Blowin’ in the Wind, A Hard Rain’s a-Gonna Fall, Don’t Think Twice It’s All Right, The Times They’re a-Changin’ e Mr. Tambourine Man. Eles reaparecem aqui em versões despidas e despretensiosas, quase sempre à base de voz, violão e mais nada. No início, eram realizadas para mostrar a cantores diversos, de modo a convencê-los de gravar as música do jovem e então pouco conhecido Dylan.
Leia mais:
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Havia um Oceano Atlântico de distância entre eles dois
Quem nasceu primeiro? Bush, Eminem ou seus apoiadores? Bruce Springsteen já não canta que nasceu nos Estados Unidos
Evocando o passado, Bryan Ferry apresenta novas composições no estilo Roxy
Eis aí um dos segredos de polichinelo que fazem esta coletânea ser mais interessante pelo encarte que pelas canções em si (qualquer um que seja realmente fã de Dylan já ouviu as 47 faixas em um sem-número de versões diferentes e, não raro, melhores). Em 1962, quando a Witmark contratou Dylan, não existia ainda a figura que ele tornaria paradigmática, do compositor que canta e grava sua própria obra. Como Escott exemplifica, num disco de Nat King Cole havia 12 canções, de 12 autores diferentes. Num de Dylan (e de muitos após seu êxito espetacular), eram 12 canções e um autor.
O que interessava à Witmark era ver as canções de seu menino-prodígio gravadas no maior número possível de versões. Blowin’ in the Wind saiu ao mesmo tempo no segundo álbum de Dylan e num bem-sucedido single do trio folk Peter, Paul & Mary. Nos anos seguintes seria regravada por nomes tão diversos quanto Duke Ellington, Joan Baez, Stevie Wonder, Cher, Marianne Faithfull, Odetta, Diana Ross & The Supremes, o jamaicano Laurel Aitken etc.
Tal como logo aconteceria com a dupla britânica Lennon-McCartney, Dylan fabricava hits que seriam gravados à exaustão por Simon & Garfunkel, The Beach Boys, Johnny Cash, Bob Marley, The Byrds, Nancy Sinatra, Elvis Presley, Them, Jimi Hendrix, Johnny Rivers, Rod Stewart, The Isley Brothers, Bobby Womack, Bryan Ferry, Tina Turner... Isso se devia à força das composições, evidentemente, mas também ao trabalho corporativo de editora como a Witmark, para as quais quantidade era igual a dinheiro. A de Dylan, seria apenas uma das várias fortunas que sua obra amealharia. A máquina do direito autoral se azeitava como nunca antes na história daquele país da América do Norte, e a metodologia colonizaria rapidamente os quatro cantos do mundo. Nomes tropicais como Gal Costa, Zé Ramalho, Fagner e Ruy Maurity também gravariam o cancioneiro de Dylan.
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Orgia ou romantismo, o que Kylie Minogue está propondo?
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"Raridades"
O álbum duplo The Witmark Demos, de edição caprichada, constitui o nono volume da chamada Bootleg Series de Dylan, um caso exemplar do atual estágio da indústria fonográfica nos Estados Unidos. Em franco e contínuo decréscimo de vendagens, as gravadoras de lá encontram uma de suas boias salvadoras sob o rótulo “radidades” – os “bootlegs”, que, durante quase toda a história da indústria foram tratados como material de segunda categoria, pirateados por fãs obcecados por este e aquele artista, contrabandeados e vendidos clandestinamente em lojas e sebos musicais.
Dando existência oficial às ex-ilegalidades, a Sony começou as Bootleg Series em 1991, com três volumes de faixas raras e inéditas do jovem Dylan. Vieram então os três volumes mais impactantes da coleção, com gravações ao vivo de shows antológicos do artista, todos fartamente pirateados durante décadas antes que a Sony acordasse para seu valor. Em 1998, saiu The Royal Alber Hall Concert, de 1966; em 2002, veio à tona The Rolling Thunder Revue, a fabulosa turnê do fabuloso álbum Desire (1976); em 2004, foi a vez do Concert at Philharmonic Hall, registrado 40 anos antes.
The Witmark Demos simboliza, provavelmente, algum tipo de raspa de tacho no baú de raridades (e “raridades”) de Dylan, um artista que sem sombra de dúvida sabe valorizar o passado glorioso que possui, bem como o lucro polpudo que ainda pode extrair de tal passado – ah, se nossos medalhões e suas gravadoras se mirassem no exemplo... Se o baú ainda estivesse meio cheio, é improvável que, juntas, as logomarcas Dylan, Sony, Witmark e Warner fossem querer iluminar o lado delas próprias que mais apreciam manter obscuro.
Outro semissegredo que o texto de Escott destrincha é o significado profundo da chegada do autor-cantor Dylan, num ambiente até então controlado por organizações como a mitológica Tin Pan Alley, uma fábrica de hits de massa feitos em ritmo industrial por só-compositores, para serem interpretados por apenas-cantores. O pequeno e mirrado Dylan, segundo o biógrafo, foi o homem que começou a fazer ruir aquele modelo, rumo a um tempo de mudanças vertiginosas.
O que o encarte não quer dizer é o mesmo “segredo” que hoje causa controvérsias mundo afora (temos aqui o exemplo do estardalhaço pró e contra causado pelo posicionamento aparentemente conservador do novo Ministério da Cultura em relação ao porco-espinho dos direitos autorais). Não só o momento da chegada de Dylan foi um tempo de transformações – o atual igualmente o é, à medida que a cada dia mais e mais artistas em formação descobrem que a internet é o mais próximo que poderm ter de uma Tin Pan Alley, e que, se eles não forem seus próprios editores, ninguém mais será.
Curiosamente, direito autoral não era um conceito assim tão arraigado antes da passagem por aqui de “revolucionários” de sobrenomes Disney e Dylan, entre milhares de outros. Significativamente, Disney começou seu império pirateando fábulas de Grimm, Esopo etc., tanto quanto Dylan o fazia com o tradicional cancioneiro folk norte-americano. Hoje, dizem, piratas somos todos nós que ouvimos música via internet (não explicam os porquês, pela televisão e pelo rádio pode) sem pagar dinheiros quaisquer a disneys, dylans e seus misteriosos editores.
Texto de Pedro Alexandre Sanches, no Opera Mundi, via blog do Luís Nassif.
É difícil calcular o que significa uma ponta frágil da indústria musical atual (o conglomerado de gravadoras de discos) colocar sob holofote uma outra ponta, bem menos frágil (as gigantes editoras de música), mas igualmente pressionada por um bombardeio de transformações – nesse caso, no mundo dos direitos autorais. Até pouco tempo atrás, a maioria absoluta dos agentes envolvidos na cadeia produtiva da música preferia manter dentro do armário os temas da edição musical e do recolhimento de direitos autorais pela execução pública das músicas.
Hoje, uma mera coletânea de Bob Dylan pode se dar ao luxo de revelar pequenos segredos (ou “segredos”) sobre esse enigmático setor. Segundo Escott, por exemplo, o dinheiro arrecadado pela circulação da música de um criador como Dylan é comumente dividido meio a meio: metade para o autor em si, metade para a editora que o ajuda a disseminar suas criações mundo afora.
A história é intricada, mas precisa ser contada no encarte, talvez para justificar a existência de The Witmark Demos, que contém a totalidade das gravações demo feitas por Dylan para sua editora no intervalo iniciático 1962-1964, a Witmark (pertencente ao conglomerado Warner Brothers). Datam desse período clássicos como Blowin’ in the Wind, A Hard Rain’s a-Gonna Fall, Don’t Think Twice It’s All Right, The Times They’re a-Changin’ e Mr. Tambourine Man. Eles reaparecem aqui em versões despidas e despretensiosas, quase sempre à base de voz, violão e mais nada. No início, eram realizadas para mostrar a cantores diversos, de modo a convencê-los de gravar as música do jovem e então pouco conhecido Dylan.
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De Menudo a pai: a jornada pessoal de Ricky Martin
Havia um Oceano Atlântico de distância entre eles dois
Quem nasceu primeiro? Bush, Eminem ou seus apoiadores? Bruce Springsteen já não canta que nasceu nos Estados Unidos
Evocando o passado, Bryan Ferry apresenta novas composições no estilo Roxy
Eis aí um dos segredos de polichinelo que fazem esta coletânea ser mais interessante pelo encarte que pelas canções em si (qualquer um que seja realmente fã de Dylan já ouviu as 47 faixas em um sem-número de versões diferentes e, não raro, melhores). Em 1962, quando a Witmark contratou Dylan, não existia ainda a figura que ele tornaria paradigmática, do compositor que canta e grava sua própria obra. Como Escott exemplifica, num disco de Nat King Cole havia 12 canções, de 12 autores diferentes. Num de Dylan (e de muitos após seu êxito espetacular), eram 12 canções e um autor.
O que interessava à Witmark era ver as canções de seu menino-prodígio gravadas no maior número possível de versões. Blowin’ in the Wind saiu ao mesmo tempo no segundo álbum de Dylan e num bem-sucedido single do trio folk Peter, Paul & Mary. Nos anos seguintes seria regravada por nomes tão diversos quanto Duke Ellington, Joan Baez, Stevie Wonder, Cher, Marianne Faithfull, Odetta, Diana Ross & The Supremes, o jamaicano Laurel Aitken etc.
Tal como logo aconteceria com a dupla britânica Lennon-McCartney, Dylan fabricava hits que seriam gravados à exaustão por Simon & Garfunkel, The Beach Boys, Johnny Cash, Bob Marley, The Byrds, Nancy Sinatra, Elvis Presley, Them, Jimi Hendrix, Johnny Rivers, Rod Stewart, The Isley Brothers, Bobby Womack, Bryan Ferry, Tina Turner... Isso se devia à força das composições, evidentemente, mas também ao trabalho corporativo de editora como a Witmark, para as quais quantidade era igual a dinheiro. A de Dylan, seria apenas uma das várias fortunas que sua obra amealharia. A máquina do direito autoral se azeitava como nunca antes na história daquele país da América do Norte, e a metodologia colonizaria rapidamente os quatro cantos do mundo. Nomes tropicais como Gal Costa, Zé Ramalho, Fagner e Ruy Maurity também gravariam o cancioneiro de Dylan.
Leia mais:
Annie Lennox e a curiosa galeria do pop natalino
Christina Aguilera, do Clube do Mickey ao Clube Militar
Orgia ou romantismo, o que Kylie Minogue está propondo?
Novo CD do LCD Soundsystem ataca fãs e heróis do espaço pop
Janelle Monáe discute guerras frias e quentes do pop atual com "Cold War"
"Raridades"
O álbum duplo The Witmark Demos, de edição caprichada, constitui o nono volume da chamada Bootleg Series de Dylan, um caso exemplar do atual estágio da indústria fonográfica nos Estados Unidos. Em franco e contínuo decréscimo de vendagens, as gravadoras de lá encontram uma de suas boias salvadoras sob o rótulo “radidades” – os “bootlegs”, que, durante quase toda a história da indústria foram tratados como material de segunda categoria, pirateados por fãs obcecados por este e aquele artista, contrabandeados e vendidos clandestinamente em lojas e sebos musicais.
Dando existência oficial às ex-ilegalidades, a Sony começou as Bootleg Series em 1991, com três volumes de faixas raras e inéditas do jovem Dylan. Vieram então os três volumes mais impactantes da coleção, com gravações ao vivo de shows antológicos do artista, todos fartamente pirateados durante décadas antes que a Sony acordasse para seu valor. Em 1998, saiu The Royal Alber Hall Concert, de 1966; em 2002, veio à tona The Rolling Thunder Revue, a fabulosa turnê do fabuloso álbum Desire (1976); em 2004, foi a vez do Concert at Philharmonic Hall, registrado 40 anos antes.
The Witmark Demos simboliza, provavelmente, algum tipo de raspa de tacho no baú de raridades (e “raridades”) de Dylan, um artista que sem sombra de dúvida sabe valorizar o passado glorioso que possui, bem como o lucro polpudo que ainda pode extrair de tal passado – ah, se nossos medalhões e suas gravadoras se mirassem no exemplo... Se o baú ainda estivesse meio cheio, é improvável que, juntas, as logomarcas Dylan, Sony, Witmark e Warner fossem querer iluminar o lado delas próprias que mais apreciam manter obscuro.
Outro semissegredo que o texto de Escott destrincha é o significado profundo da chegada do autor-cantor Dylan, num ambiente até então controlado por organizações como a mitológica Tin Pan Alley, uma fábrica de hits de massa feitos em ritmo industrial por só-compositores, para serem interpretados por apenas-cantores. O pequeno e mirrado Dylan, segundo o biógrafo, foi o homem que começou a fazer ruir aquele modelo, rumo a um tempo de mudanças vertiginosas.
O que o encarte não quer dizer é o mesmo “segredo” que hoje causa controvérsias mundo afora (temos aqui o exemplo do estardalhaço pró e contra causado pelo posicionamento aparentemente conservador do novo Ministério da Cultura em relação ao porco-espinho dos direitos autorais). Não só o momento da chegada de Dylan foi um tempo de transformações – o atual igualmente o é, à medida que a cada dia mais e mais artistas em formação descobrem que a internet é o mais próximo que poderm ter de uma Tin Pan Alley, e que, se eles não forem seus próprios editores, ninguém mais será.
Curiosamente, direito autoral não era um conceito assim tão arraigado antes da passagem por aqui de “revolucionários” de sobrenomes Disney e Dylan, entre milhares de outros. Significativamente, Disney começou seu império pirateando fábulas de Grimm, Esopo etc., tanto quanto Dylan o fazia com o tradicional cancioneiro folk norte-americano. Hoje, dizem, piratas somos todos nós que ouvimos música via internet (não explicam os porquês, pela televisão e pelo rádio pode) sem pagar dinheiros quaisquer a disneys, dylans e seus misteriosos editores.
Texto de Pedro Alexandre Sanches, no Opera Mundi, via blog do Luís Nassif.
sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011
Quais são os dez sites mais bloqueados pelas empresas?
Quais são os dez sites mais bloqueados pelas empresas? |
Entre principais responsáveis pela queda de produção estão as redes sociais, jogos e e-mail pessoal Na tentativa de evitar que os funcionários percam tempo navegando na web durante o trabalho, algumas companhias optam pelo bloqueio de alguns sites. O principal alvo de preocupação das empresas são as redes sociais, e-mails pessoais e jogos online. Um estudo publicado pela OpenDNS revelou a lista dos dez sites mais bloqueados pelas empresas. Entre eles, estão páginas como a rede social preferida dos brasileiros, o Orkut, além do site de mensagens instantâneas, Meebo. Confira a lista abaixo: 1. Facebook.com (23%) 2. MySpace.com (13%) 3. YouTube.com (11.9%) 4. Ad.Doubleclick.net (5.7%) 5. Twitter.com (4.2%) 6. Hotmail.com (2.1%) 7. Orkut.com (2.1%) 8. Ad.Yieldmanager.com (1.8%) 9. Meebo.com (1.6%) 10. eBay.com (1.6%) Ainda de acordo com a pesquisa, quando questionados sobre os conteúdos online bloqueados no ambiente das empresas, 85% delas não permitem o acesso a pornografia, 76,2% a serviços de proxy, 58% a sistemas de apostas e 57,3% a questões relacionadas a drogas. Texto do Olhar Digital. |
Vida, tempo e aniversário
Vida, tempo e aniversário
O que é uma vida produtiva? Trabalhar muito. Trabalhar sempre. Acumular bens supérfluos. Nunca tirar férias.
E se trabalhar demais tornasse a vida improdutiva?
Michel Houellebecq, em “O mapa e o território”, pensando em gente como Bill Gates e Steve Jobs, faz a pergunta que considera essencial a partir de um certo estágio existencial: por que o homem trabalha?
Minha resposta: porque não sabe brincar. Meu amigo Philippe Joron publicou um livro intitulado “A vida improdutiva”. Não é de hoje que o culto ao produtivismo encontra oposição intelectual de peso. Paul Lafargue, genro de Karl Marx, era a favor do direito à preguiça. Atenção, nada de preconceitos com o cara. Era uma tese.
Tentar definir o homem é uma velha ambição. Já se disse que o homem era antes de tudo “faber”, “homo faber”.
Homem da produção, do trabalho, da labuta. O historiador holandês Johan Huizinga saiu por outro caminho. Para ele o homem é “ludens”. Homem do jogo, do lúdico, da brincadeira, da festa. Passamos a vida esperando as horas livres do trabalho para gozar. Daí nossa paixão pelos jogos e pelos que trabalham jogando.
Alguns fazem do trabalho o seu jogo. Mas aí pode ser um jogo perverso, um jogo que devora o jogador. Edgar Morin meteu o pé na porta: o homem nunca é uma coisa só. Nem “faber” nem “ludens”. Mas “faber”, “ludens” e “demens”. Como já diz Caetano Veloso, de perto ninguém é normal. Foi isso que ele disse, não? Não venham me dizer, por favor, que estão achando esta conversa difícil por causa de umas palavrinhas em latim e uns nomes de pensadores.
É barbada. Até os eleitores do Tiririca podem entender.
Faça o teste para saber se você é “faber”, “ludens” ou “demens”.
Você vive para trabalhar ou trabalha para viver?
Sente taquicardia domingo à tarde de saudade do escritório? Sente falta de preencher formulários e de fazer reuniões de trabalho sábados à tarde? Vibra quando o despertador toca na segunda às seis da manhã?
Sente-se nu quando está sem o seu crachá? Define-se pela sua posição socioprofissional?
Vê no seu chefe um modelo a ser seguido? Inventa desculpas para não tirar férias?
Leva trabalho para fazer na praia? Pensa nas suas planilhas quando está folheando a Playboy com a Cléo Pires nua? Considera que trabalhar menos de 12 horas por dia é coisa de preguiçoso? Veste a camisa da empresa?
A resposta é definitiva e cristalina. Se respondeu sim a todas as questões acima, você não é “ludens”. Nem será. Caso perdido. Divertimento para você é perda de tempo. Salvo como negócio. Você é daqueles que só leram um romance na vida e viram alguns filmes porque caía no vestibular. Tudo precisa ser útil. Sexo só para reprodução ou para recuperar a energia produtiva. Aposto que está pensando que é “faber”. Não. O diagnóstico é irrefutável. Você é “demens”. Uma vida só pode ser produtiva se tiver muitos momentos de “improdutividade”. É preciso saber consumir. Mais importante ainda é saber “se consumir”. Seja produtivo na vida: caia na gandaia.
Dia de aniversário é dia de refletir, repensar, fazer balanço e tocar em frente.
E se trabalhar demais tornasse a vida improdutiva?
Michel Houellebecq, em “O mapa e o território”, pensando em gente como Bill Gates e Steve Jobs, faz a pergunta que considera essencial a partir de um certo estágio existencial: por que o homem trabalha?
Minha resposta: porque não sabe brincar. Meu amigo Philippe Joron publicou um livro intitulado “A vida improdutiva”. Não é de hoje que o culto ao produtivismo encontra oposição intelectual de peso. Paul Lafargue, genro de Karl Marx, era a favor do direito à preguiça. Atenção, nada de preconceitos com o cara. Era uma tese.
Tentar definir o homem é uma velha ambição. Já se disse que o homem era antes de tudo “faber”, “homo faber”.
Homem da produção, do trabalho, da labuta. O historiador holandês Johan Huizinga saiu por outro caminho. Para ele o homem é “ludens”. Homem do jogo, do lúdico, da brincadeira, da festa. Passamos a vida esperando as horas livres do trabalho para gozar. Daí nossa paixão pelos jogos e pelos que trabalham jogando.
Alguns fazem do trabalho o seu jogo. Mas aí pode ser um jogo perverso, um jogo que devora o jogador. Edgar Morin meteu o pé na porta: o homem nunca é uma coisa só. Nem “faber” nem “ludens”. Mas “faber”, “ludens” e “demens”. Como já diz Caetano Veloso, de perto ninguém é normal. Foi isso que ele disse, não? Não venham me dizer, por favor, que estão achando esta conversa difícil por causa de umas palavrinhas em latim e uns nomes de pensadores.
É barbada. Até os eleitores do Tiririca podem entender.
Faça o teste para saber se você é “faber”, “ludens” ou “demens”.
Você vive para trabalhar ou trabalha para viver?
Sente taquicardia domingo à tarde de saudade do escritório? Sente falta de preencher formulários e de fazer reuniões de trabalho sábados à tarde? Vibra quando o despertador toca na segunda às seis da manhã?
Sente-se nu quando está sem o seu crachá? Define-se pela sua posição socioprofissional?
Vê no seu chefe um modelo a ser seguido? Inventa desculpas para não tirar férias?
Leva trabalho para fazer na praia? Pensa nas suas planilhas quando está folheando a Playboy com a Cléo Pires nua? Considera que trabalhar menos de 12 horas por dia é coisa de preguiçoso? Veste a camisa da empresa?
A resposta é definitiva e cristalina. Se respondeu sim a todas as questões acima, você não é “ludens”. Nem será. Caso perdido. Divertimento para você é perda de tempo. Salvo como negócio. Você é daqueles que só leram um romance na vida e viram alguns filmes porque caía no vestibular. Tudo precisa ser útil. Sexo só para reprodução ou para recuperar a energia produtiva. Aposto que está pensando que é “faber”. Não. O diagnóstico é irrefutável. Você é “demens”. Uma vida só pode ser produtiva se tiver muitos momentos de “improdutividade”. É preciso saber consumir. Mais importante ainda é saber “se consumir”. Seja produtivo na vida: caia na gandaia.
Dia de aniversário é dia de refletir, repensar, fazer balanço e tocar em frente.
quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011
A Espanha deporta? Deportemos!
A Espanha deporta? Deportemos
NUNCA É DEMAIS repetir: ao tempo em que os europeus exportavam sua gente para outras terras, a Espanha mandou para o Brasil perto de 1 milhão de imigrantes. (A Itália mandou 1,5 milhão.) Passou o tempo, e a polícia espanhola continua perseguindo brasileiros que desembarcam em Madri.
Há três anos, uma física que estava a caminho de um congresso em Lisboa foi detida por 53 horas e embarcada de volta. Há poucos dias, Denise Severo, pesquisadora do Núcleo de Estudos em Saúde Pública da Universidade de Brasília, foi detida por 15 horas pela meganha do aeroporto de Barajas e deportada. Retornou sem a bagagem.
Denise Severo botou seu trombone na internet:
"Havia cerca de dez pessoas presas nesta situação e todas elas eram latinas e/ou negros da África!!! Ou seja, é xenofobia pura!!!! Mas xenofobia contra latinos e negros!!!! Puro preconceito !!! (...) Vou recorrer ao Itamaraty, vou fazer uma queixa oficial na Embaixada da Espanha no Brasil, vou à Secretaria de Política para Mulheres e Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, vou a todos os órgãos que puder para lutar contra esta arbitrariedade!!!"
A brasileira informa que tinha consigo a comprovação de emprego, emitida pelo Ministério da Cultura, passagem de ida e volta, reserva de hotel (em nome de uma amiga, que chegara em outro voo, informação confirmada pelo estabelecimento) e até cópia da escritura de sua casa. Isso tudo e mais o cartão Travelmoney do Banco do Brasil, bem como os comprovantes da transação dos euros necessários para custear a viagem.
O embaixador da Espanha em Brasília, Carlos Alonso Zaldivar pode procurar no arquivo alguns casos anteriores e verá que sua turma só mudou (um pouco) o tratamento dado aos brasileiros depois que a Polícia Federal, em muito boa hora, começou a deportar seus patrícios.
Em março de 2008, foram devolvidos oito, com os mesmos argumentos oferecidos aos brasileiros em Madri.
Infelizmente, as dificuldades econômicas da Europa estão estimulando a busca de empregos no além-mar. Nessa hora, Pindorama volta a ser um porto seguro. Recentemente, diplomatas de diversos países procuraram o Ministério do Trabalho para discutir uma política de concessão de vistos de serviço para seus cidadãos. Bem que o ministro Carlos Lupi poderia discutir esses pleitos mostrando uma tabelinha de deportações arbitrárias impostas a brasileiros em cada país europeu.
Há brasileiros e brasileiras presos na Espanha por prostituição, tráfico de drogas, sequestros-relampago e falsificação de documentos. Problema deles, que violaram as leis locais. O ano de 2010 terminou com 163 espanhóis encarcerados no Brasil, 52 a mais do que em 2009. A má conduta de uns não permite que os outros sejam tratados como suspeitos. Ademais, a preferência da meganha pela deportação de mulheres jovens revela que é a polícia espanhola quem tem um problema na cabeça, não suas vítimas.
Em pelo menos um caso de exercício da xenofobia, um governo europeu recuou quando soube que o Brasil estava disposto a discutir uma agenda ampla, negociando inclusive a suspensão da reciprocidade da isenção de vistos de turista. Seria o caso de o chanceler Antonio Patriota perguntar ao embaixador Zaldivar se o seu governo pretende mudar as regras do jogo.
NUNCA É DEMAIS repetir: ao tempo em que os europeus exportavam sua gente para outras terras, a Espanha mandou para o Brasil perto de 1 milhão de imigrantes. (A Itália mandou 1,5 milhão.) Passou o tempo, e a polícia espanhola continua perseguindo brasileiros que desembarcam em Madri.
Há três anos, uma física que estava a caminho de um congresso em Lisboa foi detida por 53 horas e embarcada de volta. Há poucos dias, Denise Severo, pesquisadora do Núcleo de Estudos em Saúde Pública da Universidade de Brasília, foi detida por 15 horas pela meganha do aeroporto de Barajas e deportada. Retornou sem a bagagem.
Denise Severo botou seu trombone na internet:
"Havia cerca de dez pessoas presas nesta situação e todas elas eram latinas e/ou negros da África!!! Ou seja, é xenofobia pura!!!! Mas xenofobia contra latinos e negros!!!! Puro preconceito !!! (...) Vou recorrer ao Itamaraty, vou fazer uma queixa oficial na Embaixada da Espanha no Brasil, vou à Secretaria de Política para Mulheres e Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, vou a todos os órgãos que puder para lutar contra esta arbitrariedade!!!"
A brasileira informa que tinha consigo a comprovação de emprego, emitida pelo Ministério da Cultura, passagem de ida e volta, reserva de hotel (em nome de uma amiga, que chegara em outro voo, informação confirmada pelo estabelecimento) e até cópia da escritura de sua casa. Isso tudo e mais o cartão Travelmoney do Banco do Brasil, bem como os comprovantes da transação dos euros necessários para custear a viagem.
O embaixador da Espanha em Brasília, Carlos Alonso Zaldivar pode procurar no arquivo alguns casos anteriores e verá que sua turma só mudou (um pouco) o tratamento dado aos brasileiros depois que a Polícia Federal, em muito boa hora, começou a deportar seus patrícios.
Em março de 2008, foram devolvidos oito, com os mesmos argumentos oferecidos aos brasileiros em Madri.
Infelizmente, as dificuldades econômicas da Europa estão estimulando a busca de empregos no além-mar. Nessa hora, Pindorama volta a ser um porto seguro. Recentemente, diplomatas de diversos países procuraram o Ministério do Trabalho para discutir uma política de concessão de vistos de serviço para seus cidadãos. Bem que o ministro Carlos Lupi poderia discutir esses pleitos mostrando uma tabelinha de deportações arbitrárias impostas a brasileiros em cada país europeu.
Há brasileiros e brasileiras presos na Espanha por prostituição, tráfico de drogas, sequestros-relampago e falsificação de documentos. Problema deles, que violaram as leis locais. O ano de 2010 terminou com 163 espanhóis encarcerados no Brasil, 52 a mais do que em 2009. A má conduta de uns não permite que os outros sejam tratados como suspeitos. Ademais, a preferência da meganha pela deportação de mulheres jovens revela que é a polícia espanhola quem tem um problema na cabeça, não suas vítimas.
Em pelo menos um caso de exercício da xenofobia, um governo europeu recuou quando soube que o Brasil estava disposto a discutir uma agenda ampla, negociando inclusive a suspensão da reciprocidade da isenção de vistos de turista. Seria o caso de o chanceler Antonio Patriota perguntar ao embaixador Zaldivar se o seu governo pretende mudar as regras do jogo.
‘Fazenda de conteúdo’ semeia respostas e colhe capitalização
Na última quarta-feira, 26, a Demand Media abriu seu capital na Bolsa de Nova York. Ao final do processo, o mercado avaliou a empresa em pouco mais de US$ 150 milhões de dólares.
É mais ou menos o que vale a empresa holding do New York Times, na mesma bolsa.
Empresas de internet estão procurando a bolsa para atrair mais capital já faz alguns meses. Os negócios são mais sólidos do que eram no tempo da corrida dos anos 1990. Mas, no caso da Demand Media, a polêmica não é pequena e envolve de forma profunda a maneira como a internet funciona.
No jargão do Vale, a turma da Demand faz uma ‘content farm’, criação de conteúdo no atacado, não raro de baixa qualidade.
Seu modelo é sofisticado tecnicamente mas é simples no conceito. Eles analisam buscas através de um software que criaram e que tenta compreender três elementos. Querem saber que tipo de informação as pessoas mais procuram quando digitam algo no Google. Não basta: de tudo o que é procurado, descobrem também aquilo que a internet menos oferece em conteúdo. Busca comum que tem muita resposta não vale, é preciso ser raro. Por fim, entra o valor do tema.
Porque o dinheiro, nesta brincadeira, está no AdSense, a propaganda do Google. Todo mundo que tem um site pode colocar um código na página que exibe publicidade servida pelo Google. O site de buscas fica com um naco do dinheiro e passa o resto para o dono do site. Esse dinheiro varia de acordo com a demanda de quem paga pela propaganda. Palavras pouco procuradas são baratinhas, outras têm o preço lá em cima.
O software da Demand Media responde o que é muito buscado, tem pouco na internet e rende mais em AdSense. Então, a empresa paga alguns tostões para um grupo de freelancers que escrevem artiguetes sobre o assunto. Eles têm muitos sites, o mais conhecido é o eHow.com. E, agora, o conjunto vale oficialmente US$ 150 milhões.
O site DailyFinance.com publicou uma lista com o tipo de artigo que a Demand publica: como vestir uma sunga, como calcular a idade de uma pessoa a partir de sua data de nascimento, tipos de chapéus para crianças, como comprar cerveja, o que desejam mulheres ucranianas.
Pois é.
O apelido ‘content farm’ não é um elogio. O conteúdo que publica é de má qualidade e, no entanto, aparece bem nas buscas do Google. É assim que se faz dinheiro. Apesar disso, o New York Times chegou a cogitar comprar a empresa. O negócio não foi fechado, hoje não dá mais.
Para a turma da Demand, o negócio é bom. E para o Google? Uma resposta é: 30% da receita do Google vem do AdSense e a Demand Media é seu maior cliente. Quanto mais a empresa faz sucesso, mais dinheiro entra no caixa do Google.
Só que não é bem assim. Quanto mais respostas chegam bem cotadas na busca via Demand, mais conteúdo ruim aparece como resposta sem ajudar o principal cliente do Google: seu usuário.
Assim como uma empresa jornalística, o Google tem uma divisão rígida entre Igreja e Estado. Quem faz propaganda não influencia os engenheiros responsáveis pela qualidade da busca. Estes engenheiros têm um chefe, Matt Cutts.
Cutts tem escrito em seu blog, nas últimas semanas, sobre as tentativas de combater as respostas lixo nos resultados de busca. Embora não diga textualmente, todos entendem que a abertura de capital da Demand tem a ver com o movimento do Google de mexer em seu algoritmo para derrubar as ‘content farms’.
Essa será uma briga boa.
Texto do blog do Pedro Dória.
É mais ou menos o que vale a empresa holding do New York Times, na mesma bolsa.
Empresas de internet estão procurando a bolsa para atrair mais capital já faz alguns meses. Os negócios são mais sólidos do que eram no tempo da corrida dos anos 1990. Mas, no caso da Demand Media, a polêmica não é pequena e envolve de forma profunda a maneira como a internet funciona.
No jargão do Vale, a turma da Demand faz uma ‘content farm’, criação de conteúdo no atacado, não raro de baixa qualidade.
Seu modelo é sofisticado tecnicamente mas é simples no conceito. Eles analisam buscas através de um software que criaram e que tenta compreender três elementos. Querem saber que tipo de informação as pessoas mais procuram quando digitam algo no Google. Não basta: de tudo o que é procurado, descobrem também aquilo que a internet menos oferece em conteúdo. Busca comum que tem muita resposta não vale, é preciso ser raro. Por fim, entra o valor do tema.
Porque o dinheiro, nesta brincadeira, está no AdSense, a propaganda do Google. Todo mundo que tem um site pode colocar um código na página que exibe publicidade servida pelo Google. O site de buscas fica com um naco do dinheiro e passa o resto para o dono do site. Esse dinheiro varia de acordo com a demanda de quem paga pela propaganda. Palavras pouco procuradas são baratinhas, outras têm o preço lá em cima.
O software da Demand Media responde o que é muito buscado, tem pouco na internet e rende mais em AdSense. Então, a empresa paga alguns tostões para um grupo de freelancers que escrevem artiguetes sobre o assunto. Eles têm muitos sites, o mais conhecido é o eHow.com. E, agora, o conjunto vale oficialmente US$ 150 milhões.
O site DailyFinance.com publicou uma lista com o tipo de artigo que a Demand publica: como vestir uma sunga, como calcular a idade de uma pessoa a partir de sua data de nascimento, tipos de chapéus para crianças, como comprar cerveja, o que desejam mulheres ucranianas.
Pois é.
O apelido ‘content farm’ não é um elogio. O conteúdo que publica é de má qualidade e, no entanto, aparece bem nas buscas do Google. É assim que se faz dinheiro. Apesar disso, o New York Times chegou a cogitar comprar a empresa. O negócio não foi fechado, hoje não dá mais.
Para a turma da Demand, o negócio é bom. E para o Google? Uma resposta é: 30% da receita do Google vem do AdSense e a Demand Media é seu maior cliente. Quanto mais a empresa faz sucesso, mais dinheiro entra no caixa do Google.
Só que não é bem assim. Quanto mais respostas chegam bem cotadas na busca via Demand, mais conteúdo ruim aparece como resposta sem ajudar o principal cliente do Google: seu usuário.
Assim como uma empresa jornalística, o Google tem uma divisão rígida entre Igreja e Estado. Quem faz propaganda não influencia os engenheiros responsáveis pela qualidade da busca. Estes engenheiros têm um chefe, Matt Cutts.
Cutts tem escrito em seu blog, nas últimas semanas, sobre as tentativas de combater as respostas lixo nos resultados de busca. Embora não diga textualmente, todos entendem que a abertura de capital da Demand tem a ver com o movimento do Google de mexer em seu algoritmo para derrubar as ‘content farms’.
Essa será uma briga boa.
Texto do blog do Pedro Dória.
Pão, PIB e Pobreza no Egito
Pão, PIB e pobreza no Egito
OS PRIMEIROS RELATOS melhores e locais da revolta no Egito dão conta de uma história muito diferente do conto de fadas "tech" de jovens estudantes trocando mensagens pela internet, "em rede", convocando "smart mobs". Em vez de investigar o que de específico na sociedade e no momento egípcios levou multidões a enfrentar a polícia, observadores ocidentais inventam uma fábula centrada no que entendem, em termos culturais e geracionais, quase uma fábula etnocêntrica: houve uma revolução porque os jovens lidam com gadgets de uma das indústrias de ponta dos Estados Unidos.
Mas esse estudante da revolta egípcia é mais comumente membro de, para nós, exóticas famílias extensas, quase sempre muito pobres, sustentadas por alguns poucos adultos mais bem empregados, e que inclui alguns jovens que concluíram seus estudos, mas não têm emprego, além de uma grande quantidade de "primos" menos instruídos, desempregados ou subempregados. Não se trata de um universitário ocidental clichê, munido de iPhone e dado a ficar teclando em seu quarto.
Esses filhos algo mais educados do grande boom demográfico egípcio veem de perto a miséria dos seus parentes vivendo nas muitas quase favelas do Cairo, quando eles mesmos não vivem por ali. Essa geração, de resto sem perspectivas pessoais, cresce num período de aumento da desigualdade econômica, coincidente com anos de crescimento mais acelerado da economia egípcia e de aumento forte do custo de vida para os mais pobres: não é muito simplório dizer que falta pão.
Num quadro muito geral da ordem ou desordem das coisas, um dos fatores imediatos da revolta no norte da África é efeito da mundialização acelerada pela China. Ou seja, do aumento do consumo e do preço de matérias-primas em países emergentes, países que se beneficiam também da transferência de unidades produtivas do mundo "rico", setores que não são mais capazes de concorrer com as fábricas do complexo China e cia.
Tal efeito China beneficiou quase todo o mundo pobre, mas de maneira desigual (tanto inter como intranacionalmente). O crescimento econômico se acelerou até na África, mas houve aumento de desigualdade sem redução de pobreza, e a vida de quem vegeta na subsistência, à base de pão ou similar, piorou. Note-se, além do mais, que a inflação da comida causada pela demanda forte foi ainda impulsionada pela especulação com commodities no mercado financeiro mundial e pelos biocombustíveis feitos com grãos.
O Egito é um caso emblemático da combinação do efeito China com inércia social e autoritarismo político. Houve "reformas liberais" precárias e limitadas, combinadas à manutenção de um assistencialismo muito rudimentar. A elite que comanda a autocracia ou vive de seus favores foi capaz de apropriar os frutos da privatização limitada combinados aos benefícios derivados do consumo de China e emergentes. Mas não houve renovação da estrutura econômica. Não há perspectivas para a massa que acaba de ficar adulta e teve um pouco mais de escola. Não há canais políticos para dar voz aos largados na lata do lixo da história do assistencialismo, para os 40% de pobres do país, ainda mais pobres nos últimos dois anos simplesmente porque o pão ficou mais caro.
Mas esse estudante da revolta egípcia é mais comumente membro de, para nós, exóticas famílias extensas, quase sempre muito pobres, sustentadas por alguns poucos adultos mais bem empregados, e que inclui alguns jovens que concluíram seus estudos, mas não têm emprego, além de uma grande quantidade de "primos" menos instruídos, desempregados ou subempregados. Não se trata de um universitário ocidental clichê, munido de iPhone e dado a ficar teclando em seu quarto.
Esses filhos algo mais educados do grande boom demográfico egípcio veem de perto a miséria dos seus parentes vivendo nas muitas quase favelas do Cairo, quando eles mesmos não vivem por ali. Essa geração, de resto sem perspectivas pessoais, cresce num período de aumento da desigualdade econômica, coincidente com anos de crescimento mais acelerado da economia egípcia e de aumento forte do custo de vida para os mais pobres: não é muito simplório dizer que falta pão.
Num quadro muito geral da ordem ou desordem das coisas, um dos fatores imediatos da revolta no norte da África é efeito da mundialização acelerada pela China. Ou seja, do aumento do consumo e do preço de matérias-primas em países emergentes, países que se beneficiam também da transferência de unidades produtivas do mundo "rico", setores que não são mais capazes de concorrer com as fábricas do complexo China e cia.
Tal efeito China beneficiou quase todo o mundo pobre, mas de maneira desigual (tanto inter como intranacionalmente). O crescimento econômico se acelerou até na África, mas houve aumento de desigualdade sem redução de pobreza, e a vida de quem vegeta na subsistência, à base de pão ou similar, piorou. Note-se, além do mais, que a inflação da comida causada pela demanda forte foi ainda impulsionada pela especulação com commodities no mercado financeiro mundial e pelos biocombustíveis feitos com grãos.
O Egito é um caso emblemático da combinação do efeito China com inércia social e autoritarismo político. Houve "reformas liberais" precárias e limitadas, combinadas à manutenção de um assistencialismo muito rudimentar. A elite que comanda a autocracia ou vive de seus favores foi capaz de apropriar os frutos da privatização limitada combinados aos benefícios derivados do consumo de China e emergentes. Mas não houve renovação da estrutura econômica. Não há perspectivas para a massa que acaba de ficar adulta e teve um pouco mais de escola. Não há canais políticos para dar voz aos largados na lata do lixo da história do assistencialismo, para os 40% de pobres do país, ainda mais pobres nos últimos dois anos simplesmente porque o pão ficou mais caro.
Texto de Vinicius Torres Freire, na Folha de São Paulo, de 1º de fevereiro de 2011.
Dia do Jogo Justo registrou sete games vendidos por minuto
Dia do Jogo Justo registrou sete games vendidos por minuto
Por Luiz Mazetto, IDG Now!
Publicada em 03 de fevereiro de 2011 às 08h30
Iniciativa disponilizou títulos de Xbox 360, PS3 e Wii pela metade do preço no final de semana; ao todo, foram 5 mil unidades foram vendidas.
O Dia do Jogo Justo, promoção do projeto que busca reduzir os preços dos games importados no País, registrou números impressionantes no último sábado, 29/1, ao vender cinco mil unidades dos três games em promoção, uma média de sete vendas por minuto – considerando-se as 12h de vendas. Somente a cota do Walmart (não revelada), por exemplo, esgotou-se em sete minutos.Como resultado dessa grande procura, sites de estabelecimentos participantes caíram várias vezes, enquanto as lojas físicas já tinham filas muitas horas antes da abertura. “Levamos cerca de três meses para realizar toda a operação. Mas valeu a pena, pois com essa iniciativa conseguimos mostrar a força do mercado brasileiro de games”, explica o criador do movimento Jogo Justo, Moacyr Alves Jr.
E o sucesso foi tanto que ele planeja um próxima edição ainda maior do evento. “Queremos fazer algo maior, com mais jogos e parceiros e também mais organizado, para que os clientes não enfrentem problemas na hora da compra. Estamos negociando. Será uma mega operação no País todo”, diz Alves.
Apesar do sucesso do evento, o criador do Jogo Justo explica que as empresas participantes não ganharam nada com a promoção. Pelo menos não agora. “Na verdade, elas não ganham nada. Elas só perdem. Tanto que algumas lojas pequenas não quiseram participar porque explicamos que não haveria lucro nenhum. Pelo contrario, ainda teriam de pagar os funcionários. Por isso que nosso slogan era 'leve seu jogo de graça, só pague o imposto'. As lojas que participaram ficaram interessadas nessa visibilidade. Para ganhar no futuro, é preciso perder no início.”
Velho conhecido
O alto preço dos jogos é um velho conhecido dos gamers no Brasil. Segundo Alves, por aqui os impostos chegam a 124% nos títulos e até 146% nos consoles, o que faz com que games vendidos no exterior por 60 dólares custem em média 200 reais no País e que consoles como o PS3, que custa 300 dólares nos EUA, saia por 2 mil reais por aqui. Já em mercados como Japão e os EUA, o imposto sobre os games é de cerca de 5%, de acordo com Alves.
Para Alves Jr, a pirataria e contrabando chegam a índices astronômicos no Brasil – de cada 10 games vendidos aqui, 9 são ilegais. "Isso também dificulta estimar o tamanho do mercado de jogos no país", disse.
O criador do projeto ainda cita o México como um exemplo a ser seguido no Brasil. “Lá eles cortaram os impostos de 60% para 15% e registraram cerca de 80% de crescimento do mercado de games nos últimos dois anos. Acredito que podemos chegar nesta taxa se cortarmos os impostos para 10% ou 15%.”
Notícia do IDGNow!
quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011
A religião como farsa
A religião como farsa
Há algo de patético em parte dos analistas internacionais e nacionais que, diante da revolta no Egito, só conseguem se lembrar do risco do advento de um governo islâmico. Parece que de nada adianta lembrar que o que se ouve na Tunísia e no Egito são palavras de ordem pedindo democracia, fim do arbítrio, liberdade.
Palavras vindas, principalmente, de jovens que não veem futuro em regimes que misturaram ditadura e liberalismo econômico.
Também não adianta lembrar que, na Tunísia, o maior movimento organizado por trás da revolta é um sindicato (União Geral dos Trabalhadores da Tunísia) e, no Egito, o grupo religioso Irmandade Muçulmana é apenas uma dentre as várias organizações presentes nas manifestações.
Organização que não está na origem das manifestações e que sequer tem um líder capaz de capitalizar os protestos.
Na verdade, precisamos desesperadamente da narrativa que consiste em dizer que, no mundo árabe, só pode haver ou regimes teológicos-políticos ou "autocracias" amistosas.
Afinal, como justificar que durante 30 anos nós, arautos dos direitos humanos, apoiamos um regime despótico, com eleições de fachada, assassinato de opositores, censura rígida e plutocracia? Só mesmo inventando que, se não fosse isso, teríamos que engolir o fundamentalismo islâmico.
Mas vejam que engraçado.
Se há um regime no mundo árabe que impôs à vida social um código jurídico totalmente religioso, regime onde os direitos das mulheres, das minorias e as liberdades individuais são massacrados, esse é a Arábia Saudita.
Comparado aos sauditas, os iranianos vivem numa democracia escandinava. Mas você nunca ouviu uma liderança ocidental criticar o regime saudita. O problema do Ocidente não é com a junção reacionária entre religião e política. O problema é com a distinção, digna de Carl Schmitt, entre "amigo" e "inimigo".
O que talvez certos governos ocidentais realmente temam é o aparecimento de um governo laico, democrático, de grande participação popular, mas que não está disposto a submeter-se aos interesses econômicos e geoestratégicos das potências que sempre viram aquela região do mundo como seu "protetorado".
No entanto é isso o que realmente pode acontecer no momento. As comparações com a queda da cortina de ferro no Leste europeu são justificadas. Só que, nesse caso, os árabes usam nossos valores para mostrar que ninguém no Ocidente os levava a sério.
Senão, como explicar uma pérola como a fornecida pelo vice-presidente dos Estados Unidos, Joe Biden: "Não podemos chamar Mubarak de ditador". Bem, Joe, e como você prefere chamá-lo? De grande amigo e estadista com mãos sujas de sangue?
Há algo de patético em parte dos analistas internacionais e nacionais que, diante da revolta no Egito, só conseguem se lembrar do risco do advento de um governo islâmico. Parece que de nada adianta lembrar que o que se ouve na Tunísia e no Egito são palavras de ordem pedindo democracia, fim do arbítrio, liberdade.
Palavras vindas, principalmente, de jovens que não veem futuro em regimes que misturaram ditadura e liberalismo econômico.
Também não adianta lembrar que, na Tunísia, o maior movimento organizado por trás da revolta é um sindicato (União Geral dos Trabalhadores da Tunísia) e, no Egito, o grupo religioso Irmandade Muçulmana é apenas uma dentre as várias organizações presentes nas manifestações.
Organização que não está na origem das manifestações e que sequer tem um líder capaz de capitalizar os protestos.
Na verdade, precisamos desesperadamente da narrativa que consiste em dizer que, no mundo árabe, só pode haver ou regimes teológicos-políticos ou "autocracias" amistosas.
Afinal, como justificar que durante 30 anos nós, arautos dos direitos humanos, apoiamos um regime despótico, com eleições de fachada, assassinato de opositores, censura rígida e plutocracia? Só mesmo inventando que, se não fosse isso, teríamos que engolir o fundamentalismo islâmico.
Mas vejam que engraçado.
Se há um regime no mundo árabe que impôs à vida social um código jurídico totalmente religioso, regime onde os direitos das mulheres, das minorias e as liberdades individuais são massacrados, esse é a Arábia Saudita.
Comparado aos sauditas, os iranianos vivem numa democracia escandinava. Mas você nunca ouviu uma liderança ocidental criticar o regime saudita. O problema do Ocidente não é com a junção reacionária entre religião e política. O problema é com a distinção, digna de Carl Schmitt, entre "amigo" e "inimigo".
O que talvez certos governos ocidentais realmente temam é o aparecimento de um governo laico, democrático, de grande participação popular, mas que não está disposto a submeter-se aos interesses econômicos e geoestratégicos das potências que sempre viram aquela região do mundo como seu "protetorado".
No entanto é isso o que realmente pode acontecer no momento. As comparações com a queda da cortina de ferro no Leste europeu são justificadas. Só que, nesse caso, os árabes usam nossos valores para mostrar que ninguém no Ocidente os levava a sério.
Senão, como explicar uma pérola como a fornecida pelo vice-presidente dos Estados Unidos, Joe Biden: "Não podemos chamar Mubarak de ditador". Bem, Joe, e como você prefere chamá-lo? De grande amigo e estadista com mãos sujas de sangue?
Texto de Vladimir Safatle, na Folha de São Paulo, de 1º de fevereiro de 2011.
Comentário: Talvez o autor pudesse ter dado o título de “A Religião como Desculpa”.
A religião do chefe
A religião do chefe
SOU UMA fonte de desilusões. Convidam-me para almoçar, oferecem-me os petiscos mais caros do cardápio, fazem-me elogios estratosféricos e francamente imerecidos. No final, o verdadeiro propósito do repasto: um convite "irrecusável" para chefiar uma publicação portuguesa. Eu, como sempre, agradeço e recuso.
É então que o interlocutor faz um esgar de náusea como se eu tivesse insultado a mulher dele. Limpa os cantos da boca com impaciência, atira o guardanapo para cima da mesa e dispara: "Mas por quê?"
Eu tento explicar-lhe. Cinco, dez minutos de humildade sincera que não convencem ninguém.
O almoço termina em clima azedo e eu, com sentimento de culpa, prometo repensar o assunto (mentira: o assunto já está pensado e repensado). Despedimo-nos na rua com um aperto de mão. Gélido, apressado.
A minha experiência não mente: só existe uma coisa pior do que a vontade de poder, é a ausência da vontade de poder. Sobre a primeira, escreveram-se tratados, ensaios, exortações ou lamentos. Só a segunda nunca teve o seu Darwin (1809-1882), o seu Nietzsche (1844-1900). O seu Warren Buffett.
Injusto. A vontade de poder pode ser ofensiva para certos espíritos sofisticados. Mas a ausência dessa vontade ainda é mais.
Quando a exibo em público com uma displicência natural, de preferência perante o olhar pasmado de quem rastejou toda a vida pela simples possibilidade de "mandar" (repugnante verbo), sinto que cometo uma blasfêmia contra a única religião que sobreviveu intacta. A religião do chefe.
Tem sido assim no curso de uma vida. Várias vezes lugares de poder vieram bater-me à porta. Na universidade. No jornalismo. E até na política, onde aparece sempre alguém a "sondar-me": "Não estaria interessado em ser deputado? Diretor-geral? Eventualmente pertencer a um futuro governo como futuro ministro?".
Escuto os convites levemente divertido e, no caso da política, procuro imaginar onde errei para que alguém se tivesse lembrado de mim. Depois, recuso as benesses, sem a mínima hesitação.
Ninguém se convence. Ninguém acredita. A ausência da vontade de poder não é apenas uma ofensa e uma blasfêmia. É a origem de mil suspeitas. Se recusamos um convite, isso significa que esperamos outro. Maior. Melhor. Com mais poder.
Iniciam-se conspirações para saber ao certo o que escondemos na manga. Fazem-se telefonemas a amigos ou inimigos.
E a paranoia dos paranoicos aumenta à medida que nada se sabe e nada se descobre. Deixamos de ser pessoa confiável; passamos a ser um hipócrita e um manipulador. Passamos de bestial a besta. De convidado a acossado.
Ainda me lembro quando, anos atrás, recusei ser editor de um caderno qualquer num jornal de Lisboa. A estupefação foi tal que o próprio diretor se sentiu ameaçado. Se eu não queria editar, eu queria dirigir. Se eu queria dirigir, eu queria tomar conta do jornal. Se eu queria tomar conta do jornal, eu queria tomar conta do mundo.
Acabei por me demitir, depois de meses de inferno, com telefonemas histéricos e algumas ameaças pelo meio.
Chego à casa depois do almoço solene. Deixo passar uma hora, duas, três. Finalmente, telefono para repetir o que havia dito antes: "Obrigado, mas não, obrigado".
Faz-se um silêncio do outro lado da linha e a voz, impaciente e quase irada, replica com prontidão: "Mas afinal o que é que tu queres?". Ó Deus, cá vamos nós novamente.
É então que o interlocutor faz um esgar de náusea como se eu tivesse insultado a mulher dele. Limpa os cantos da boca com impaciência, atira o guardanapo para cima da mesa e dispara: "Mas por quê?"
Eu tento explicar-lhe. Cinco, dez minutos de humildade sincera que não convencem ninguém.
O almoço termina em clima azedo e eu, com sentimento de culpa, prometo repensar o assunto (mentira: o assunto já está pensado e repensado). Despedimo-nos na rua com um aperto de mão. Gélido, apressado.
A minha experiência não mente: só existe uma coisa pior do que a vontade de poder, é a ausência da vontade de poder. Sobre a primeira, escreveram-se tratados, ensaios, exortações ou lamentos. Só a segunda nunca teve o seu Darwin (1809-1882), o seu Nietzsche (1844-1900). O seu Warren Buffett.
Injusto. A vontade de poder pode ser ofensiva para certos espíritos sofisticados. Mas a ausência dessa vontade ainda é mais.
Quando a exibo em público com uma displicência natural, de preferência perante o olhar pasmado de quem rastejou toda a vida pela simples possibilidade de "mandar" (repugnante verbo), sinto que cometo uma blasfêmia contra a única religião que sobreviveu intacta. A religião do chefe.
Tem sido assim no curso de uma vida. Várias vezes lugares de poder vieram bater-me à porta. Na universidade. No jornalismo. E até na política, onde aparece sempre alguém a "sondar-me": "Não estaria interessado em ser deputado? Diretor-geral? Eventualmente pertencer a um futuro governo como futuro ministro?".
Escuto os convites levemente divertido e, no caso da política, procuro imaginar onde errei para que alguém se tivesse lembrado de mim. Depois, recuso as benesses, sem a mínima hesitação.
Ninguém se convence. Ninguém acredita. A ausência da vontade de poder não é apenas uma ofensa e uma blasfêmia. É a origem de mil suspeitas. Se recusamos um convite, isso significa que esperamos outro. Maior. Melhor. Com mais poder.
Iniciam-se conspirações para saber ao certo o que escondemos na manga. Fazem-se telefonemas a amigos ou inimigos.
E a paranoia dos paranoicos aumenta à medida que nada se sabe e nada se descobre. Deixamos de ser pessoa confiável; passamos a ser um hipócrita e um manipulador. Passamos de bestial a besta. De convidado a acossado.
Ainda me lembro quando, anos atrás, recusei ser editor de um caderno qualquer num jornal de Lisboa. A estupefação foi tal que o próprio diretor se sentiu ameaçado. Se eu não queria editar, eu queria dirigir. Se eu queria dirigir, eu queria tomar conta do jornal. Se eu queria tomar conta do jornal, eu queria tomar conta do mundo.
Acabei por me demitir, depois de meses de inferno, com telefonemas histéricos e algumas ameaças pelo meio.
Chego à casa depois do almoço solene. Deixo passar uma hora, duas, três. Finalmente, telefono para repetir o que havia dito antes: "Obrigado, mas não, obrigado".
Faz-se um silêncio do outro lado da linha e a voz, impaciente e quase irada, replica com prontidão: "Mas afinal o que é que tu queres?". Ó Deus, cá vamos nós novamente.
Texto de João Pereira Coutinho, na Folha de São Paulo, de 1º de fevereiro de 2011.
terça-feira, 1 de fevereiro de 2011
Vida de prisioneiro para os que buscam asilo na Alemanha
Vida de prisioneiro desespera os que buscam asilo na Alemanha
Dialika Krahe
Sete vezes por dia, um ônibus verde e branco para em uma estrada perto da aldeia de Horst, no estado de Mecklenburg-Pomerânia Ocidental, norte da Alemanha. Contra um pano de fundo de florestas e campos, ele despeja os recém-chegados ao país de suas esperanças e sonhos. Mulheres somalianas descem do ônibus juntamente com homens da Macedônia, crianças da Sérvia e idosos, alguns trazendo apenas um pente no bolso.
Eles concluíram longas viagens, a pé, em caminhões, em botes infláveis, trens e aviões. Deixaram para trás guerras, bombas e perseguição. Em muitos casos, seu único motivo para fugir foi escapar da fome. Ali Reza Samadi, do Afeganistão, desceu do ônibus nessa parada, depois de viajar por dois anos. Jamshid, do Irã, ficou ali de pé olhando para o campo. E para Prince, de Gana, aquela não era a Alemanha que esperava.
Todos acreditavam que em um país com tal abundância, prosperidade, segurança e direitos humanos seria fácil encontrar um lugar para viver. Em vez disso, acabaram em um campo de refugiados na Estrada Nacional 5, em Mecklenburg-Pomerânia Ocidental. Seu novo lar está sob o comando de Wolf-Christoph Trzeba, um homem que, na visão dos estrangeiros, ergueu uma cerca entre eles e o paraíso.
"Um negócio muito complicado"
Trzeba, 50 anos, está sentado em uma sala fortemente iluminada no Escritório Federal de Migração e Refugiados, com uma garrafa térmica cheia de café sobre a mesa e as mãos cruzadas na frente do peito. "Este é um negócio muito complicado", ele diz.
Um homem magro com uma boca peculiar e óculos redondos, Trzeba é o diretor do campo de refugiados Nostorf-Horst. O negócio a que ele se refere tem a ver com ordem, com as 25 nacionalidades diferentes que se chocam em seu campo e com controle e deportação.
Recentemente, ele teve de justificar seus atos em diversas ocasiões. Pode-se notar isso em sua voz, que parece ao mesmo tempo cansada e irritada, ou em seu rosto, que é tenso e quase nunca se suaviza enquanto ele fala. Os jornais escreveram sobre seu campo, ele diz, os políticos falaram sobre ele, organizações de direitos dos refugiados realizaram demonstrações diante de seus portões e ele foi várias vezes confrontado com palavras como "desumano", "isolamento" e "prisão".
Trzeba serve-se de uma xícara de café. Uma chuva pesada cai no pátio lá fora, onde uma jovem afegã empurra um bebê em um carrinho enquanto um menino cigano chapinha com sandálias. "Eles vêm para cá, por isso têm de aceitar as condições daqui", diz Trzeba. As pessoas sempre podem alegar que cada residente deveria ter um quarto individual com banheiro, ele diz. "Mas onde você traça a linha?"
O apelido é "Guantánamo"
O campo de Nostorf-Horst fica escondido em uma área de floresta em um antigo quartel do exército da Alemanha Oriental, perto do que foi a fronteira da Alemanha Ocidental. No passado, soldados cujo dever era proteger uma Alemanha da outra marchavam pelo pátio aqui.
Hoje os oficiais são homens vestidos de terno, como Trzeba, membros do órgão de asilo e guardas uniformizados. Suas ordens são para proteger a fronteira entre afluência e dificuldade, riqueza e pobreza, campos de refugiados e sonhos. Seu trabalho é pôr ordem na imigração e monitorar os estrangeiros que chegam à Alemanha - todos os afegãos, iranianos e kosovares. Eles incluem pessoas como Ali Reza, um alfaiate do Afeganistão, o ganense Prince, 22 anos, um torcedor fanático do time de futebol St. Pauli de Hamburgo, e o iraniano Jamshid, que cola pedaços de papel com palavras em alemão na porta de seu armário. Sua função é abrigar essas pessoas, investigar suas histórias e deportá-las. Os moradores chamam o campo de "Guantánamo".
As cercas do campo cortam a paisagem, fazendo-a parecer uma área militar restrita. Situado do outro lado da estrada do órgão de asilo, o campo abriga cerca de 450 refugiados. Os moradores - homens, mulheres e crianças - vivem em quartos de 16 metros quadrados, quatro pessoas por quarto. Os móveis são escassos - pouco mais que um armário e uma cadeira em cada quarto - e os quartos não são maiores que as celas de prisão. Qualquer pessoa que queira entrar ou sair tem de se registrar com o guarda no portão e mostrar sua carteira de identidade. Ninguém tem permissão para deixar o distrito administrativo onde se localiza o campo.
Trzeba recosta-se na cadeira. "Humano", ele diz. "Absolutamente humano."
Debate público
As pessoas que buscam asilo tornaram-se novamente um tema de debate público na Alemanha, desde que começaram a fugir das zonas de guerra no Iraque e no Afeganistão e que a exigência de visto para países como Sérvia e Macedônia foi abolida. O debate é alimentado pelo fato de que o número de candidatos a asilo na Alemanha voltou a subir, 49,5% em 2010. A discussão gira em torno de questões como moradia adequada para os que buscam asilo, o espaço que um refugiado deve ter, a qualidade das refeições e se os detidos devem ter acesso a armários com fechadura.
As principais perguntas são quanto tempo se pode esperar que as pessoas fiquem em campos e o que se deve fazer com as pessoas que a Alemanha não quer: elas podem ser deportadas, e nesse caso, para que países? Por exemplo, o ministro do Interior alemão, Thomas de Maizière, recentemente decidiu que os refugiados não podem mais ser enviados de volta para a Grécia, porque os procedimentos de asilo de lá não estão de acordo com os padrões de direitos humanos alemães.
Também tem a ver com duas visões de mundo que se chocam. A primeira é a dos candidatos a asilo, para os quais a Alemanha tem tanto de tudo - segurança, prosperidade, direitos humanos - que pode ser generosa. A segunda é a daqueles que dizem que a Alemanha só pode preservar sua segurança e prosperidade se aceitar apenas as pessoas que podem ser úteis para o país. Todas as outras deveriam ser colocadas em centros de detenção, deportadas ou "toleradas" (termo que se refere aos estrangeiros que não têm o direito de ficar na Alemanha, mas cuja deportação foi temporariamente suspensa).
Essas visões levam a duas conclusões opostas: ou os candidatos a asilo esperam demais do país ou a Alemanha lida com eles com demasiada dureza.
Não é melhor que a prisão
Algumas semanas atrás, candidatos a asilo na Alemanha chamaram a atenção para sua situação fazendo uma greve de fome em hospedarias e campos em lugares como Augsburg, Böbrach e Denkendorf. Alguns fizeram greve de fome em Nostorf-Horst, o que tornou conhecido o nome de seu campo. Os manifestantes lembraram aos alemães que eles existem, cerca de 50 mil buscadores de asilo que tentam obter a entrada em um país no meio de um debate acalorado sobre como pescar os imigrantes mais inteligentes, melhores e mais ricos nas correntezas da migração global.
Ali Reza Samadi, o alfaiate afegão, foi o primeiro a fazer greve de fome no campo de Nostorf-Horst. Ele mora em um dos vários prédios em forma de U pintados de cinza e branco, em um quarto num longo corredor bem iluminado. Ele divide o quarto com outros dois homens, e dorme em uma cama de metal marrom-escuro com um colchão fino. Não tem nada além de alguns artigos de roupa em seu armário, e a esperança que às vezes o transporta além dos limites do campo.
Nada durante seis dias
Ele geralmente fica parado junto da cerca, usando sandálias e jeans, e com olheiras escuras embaixo dos olhos, um rapaz que parece muito mais velho do que é. Perto da hora do almoço, famílias ciganas, kosovares e etíopes, carregando xícaras e colheres, se reúnem perto da entrada do refeitório. Mas Ali Reza não quer mais esperar na fila pela comida, nem hoje nem amanhã. Ele não come há seis dias - nem pão nem batatas, nada.
"A Somália também está participando", um afegão grita do outro lado do pátio. Jamshid, o iraniano, se une a Ali na cerca, assim como Alef de Jalalabad e Prince de Gana - uma comunidade global atrás das grades. Os caminhos que os trouxeram à Alemanha são tão diferentes quanto os motivos que eles deram às autoridades para ter fugido. Ali Reza diz que fugiu das bombas em Kandahar. Uma ameaça de morte obrigou Prince a deixar Gana, escondido em um navio de contêineres. Os taleban acusaram Alef de ser um espião, e Jamshid contou aos alemães que as autoridades islâmicas o perseguiam no Irã. Todos esses refugiados embarcaram em suas jornadas em busca de uma nova vida em um lugar seguro.
A vida que encontraram na Alemanha não é melhor que a prisão, segundo eles.
"Por que alguém existe no mundo quando não há um lugar para ele?", diz Ali Reza. É uma pergunta em que ele não consegue parar de pensar.
Cada vez menos esperança
Três meses e vinte dias atrás, ele conta, depois de passar dois anos correndo e se escondendo, chegou à Alemanha de ônibus e pensou que seu futuro estivesse prestes a começar. Ficou na estação rodoviária de Hamburgo, carregando uma mochila e alguns artigos de roupa. Disse que quis vir para a Alemanha porque o país, "conhecido por seus direitos humanos", o atraiu.
Ele foi ao Departamento de Registros de Candidatos a Asilo em Hamburgo. Os oficiais lhe deram uma passagem de trem para Nostorf-Horst. Sentado no trem, ele viu os prédios da cidade lá fora lentamente desaparecerem e dar lugar a campos e florestas.
Nostorf-Horst é conhecido como um centro de recepção inicial, dos quais existem cerca de 20 na Alemanha. Quando Ali Reza apresentou seu pedido de asilo, o intérprete lhe disse que ele só precisaria ficar três meses. Quando chegou ao campo, recebeu um conjunto de roupas da loja do campo, incluindo roupa de baixo, sandálias e camisetas - o uniforme de um refugiado. Ele tentou se sentir em casa nos 4 metros quadrados de espaço que lhe couberam. Logo percebeu que não havia chave para trancar a porta e que seus companheiros de quarto tentavam manter a comida fresca no peitoril da janela. Ele compreendeu que receberia uma mesada de 40,90 euros (cerca de R$ 106,00).
Ali Reza descobriu que muitos estavam no campo há mais tempo do que previam. Havia Alef de Jalalabad, um rapaz de 22 anos com o rosto marcado por cicatrizes e olhos tristes, que estava em Nostorf-Horst há oito meses. E havia Prince, de Gana, também 22 anos, que já estava ali havia 11 meses. Ele ouviu falar sobre outros que eram obrigados a viver no campo por um ano e meio. A cada dia e a cada nova história que escutava, Ali Reza sentia cada vez menos esperança.
Matando o tempo
Trzeba sabe quem é Ali Reza, ele diz, mas acrescenta que não sabe nada "sobre uma greve de fome de verdade". Ele nos leva em uma excursão pelos corredores. "Não temos nenhuma área proibida aqui", diz. Há famílias de ciganos paradas nos corredores e crianças que andam de um quarto para outro de meias. "Apesar do espaço reduzido, conseguimos ter uma vida comunitária ordenada", diz Trzeba. "Ordenado" é uma palavra que ele aprecia.
Um dia na vida de um morador do campo começa cedo, de maneira "ordenada". A hora de levantar é 7, quando os moradores correm para conseguir um lugar na sala de chuveiros. Há três salas com azulejos brancos no final de cada corredor, com sanitários, pias e chuveiros. O odor forte de urina paira no ar diante dos banheiros, que dezenas de pessoas compartilham. As cabines de chuveiro são abertas. Qualquer um que deseje ser limpo em Nostorf-Horst não pode se preocupar demais com a privacidade. "Os africanos não se importam", diz o funcionário do banheiro, "mas as pessoas do mundo árabe não gostam muito." Elas têm chuveiros separados, ele explica.
O desjejum é servido às 7h30, e qualquer um que não estiver lá na hora, que pena! Centenas de pessoas de até 25 países diferentes fazem fila diante do balcão de comida. Muitas vezes as filas se formam do lado de fora, e quando as coisas demoram, dizem os refugiados, a espera pode levar até uma hora. Às vezes há altercações. Recentemente, por exemplo, houve uma discussão a gritos entre somalianos e afegãos, que acabaram se atacando com facas.
Os moradores recebem pão, geleia e chá para o desjejum. Então voltam para seus quartos, onde não há nada a fazer além de voltar para a cama, olhar para a parede e matar o tempo. A maioria dos refugiados do campo é jovem, de 20 a 25 anos, e também há algumas crianças, que normalmente teriam de frequentar a escola. Os refugiados adultos estão em um momento da vida em que deveriam estar aprendendo, trabalhando e formando famílias. Mas não há escola para frequentar nem trabalho para fazer. É como se a vida tivesse se tornado uma sala de espera.
Jardim de infância trancado
O diretor Trzeba diz que há um curso de alemão que os moradores podem fazer. Um professor vem ao campo dois dias por semana, das 13h30 às 14h30 - uma hora de aula para centenas de pessoas.
Trzeba também diz que há uma área de exercícios. A sala acarpetada, do tamanho de um quarto de criança, contém algumas peças de equipamento de halterofilismo - para centenas de pessoas.
Ele menciona um quarto cheio de brinquedos, que é chamado de jardim de infância. Mas as portas estão trancadas. "Temos mais de 130 crianças", diz o gerente do jardim de infância, "mas não é possível cuidar anos de tantas" - e por isso o jardim de infância fica fechado.
Em consequência, a vida cotidiana no campo é modulada principalmente pelas refeições. Mulheres de face rosada usando toucas e empunhando colheres, atrás do balcão de alimentos, anunciam "batatas", "ovos", "carne" para os que esperam na fila. As mulheres servem dos caldeirões de alumínio porções generosas nos pratos dos refugiados. O jantar é às 17 horas, e qualquer um que sentir fome depois disso terá de esperar a manhã seguinte. Alguns moradores vão dormir às 19, em vez de passar a noite sentindo fome. Eles não têm permissão para cozinhar em seus quartos.
Durante a greve de fome, os grevistas usaram lençóis para fazer faixas que diziam: "Abaixo Horst" e "Onde estão os direitos humanos?" Eles falavam pashto, dari e inglês, gritavam através da cerca, mostravam seus documentos de asilo e alguns apontavam para seus ferimentos de guerra. Foi uma pequena revolta, uma demonstração de sua perplexidade e desespero pelo fato de serem alimentados e guardados em um campo, em vez de poderem viver em liberdade.
"Inexplicável", diz Trzeba. "Afinal, eles vêm nos procurar porque dizem ser perseguidos politicamente."
A decisão de fugir
Alguém como Ali Reza está mais interessado em uma cama e uma refeição quente. Ele vem de Kandahar, a capital da província no sul do Afeganistão que os taleban e as tropas da Otan disputam há anos. É o tipo de lugar onde homens-bomba estão constantemente explodindo e balas perdidas cortam o ar. "Quando saía de minha casa de manhã, não sabia se uma bomba ia explodir ao meu lado a qualquer momento", diz Ali Reza. Ele conta que presenciou a morte de um amigo em uma explosão.
Ele morava com sua mãe e trabalhava como alfaiate em uma pequena oficina no mercado. Então veio a guerra e sua cidade desmoronou. Não havia mais trabalho, nem vida comum - só medo. Ali Reza decidiu fugir.
Primeiro pegou um ônibus até a fronteira iraniana e então a atravessou a pé. Tinha levado uma mochila com roupas e US$ 1.500 para o passador, e havia costurado outros US$ 200 em um espaço sob a gola de seu paletó. Na cidade de Urmia, ele se uniu a um grupo de 25 pessoas, entre as quais muitas crianças, que partiu para as montanhas em direção à Turquia.
O passador o revistou, diz Ali Reza, e encontrou e tomou o dinheiro que levava escondido no paletó. "Se eu tivesse me defendido, ele apenas teria me deixado para trás", diz. Ali Reza conta que pensou muito em morrer. As montanhas eram perigosas; havia ursos, e também o risco de ser alvo dos tiros de guardas de fronteira. Ele diz que tinha ouvido histórias sobre refugiados que foram sequestrados, estranhas histórias sobre pessoas que arrancariam seu rim ou fígado para vender.
Ele se separou do grupo em Istambul, onde dividiu um quarto com outros afegãos. Trabalhou em bicos durante seis meses para ganhar os US$ 3.500 de que precisava para chegar à Itália. Precisaria de ainda mais dinheiro para alcançar a Noruega, onde tinha parentes que esperava que o ajudassem.
Melhores condições na Noruega
Ali Reza é um das dezenas de milhares de refugiados que chegam à Europa através da fronteira entre Turquia e Grécia todos os anos. Quase 90% dos imigrantes ilegais que entram na União Europeia passam pela Grécia. Eles incluem afegãos, iranianos e norte-africanos. Os campos gregos estão superlotados há muito tempo, e o governo agora pretende construir uma cerca em parte da fronteira.
Ali Reza conseguiu chegar a Roma, e dali foi para a França. Viajou de trem, constantemente temendo ser revistado. Ele lembra que se fartou com um "kebab" na estação ferroviária de Hamburgo. Então rumou para Oslo, onde pediu asilo.
Foi colocado em um campo lá. "Era completamente diferente daqui em Nostorf-Horst", diz. "Deram-nos panelas para cozinhar, havia um ônibus circular e cada refugiado recebia 300 euros por mês." Reza teve aulas de norueguês e se dedicou aos estudos. Em breve ele conta que pôde ajudar outros afegãos fazendo traduções. À noite, porém, era dominado pelo medo quando a polícia vinha apanhar os refugiados que seriam deportados. Tudo correu bem durante os primeiros meses. Então, quase um ano depois de sua chegada, eles iriam buscá-lo. Seu pedido de asilo fora rejeitado. Desta vez o medo levou Ali Reza para a Alemanha.
Ele combateu o tédio em Nostorf-Horst até que, depois de três meses, uma autoridade veio ao seu quarto e lhe entregou um cartão amarelo. Todos em Nostorf-Horst sabem o que isso significa. Amarelo é ruim. Amarelo significa até um ano e meio no campo. Esse era o tempo que as autoridades passariam tentando mandar o refugiado de volta para a Noruega. Ele é um caso dos chamados "Dublim 2", por causa do regulamento da UE de 2003 que atribui a responsabilidade pelo processo de asilo ao primeiro país a que o refugiado chegou (a Noruega, que não é membro da UE, também é signatária dessa resolução). Como Ali Reza já tinha pedido asilo na Noruega, a Alemanha podia mandá-lo de volta. A Alemanha quase não deporta ninguém para o Afeganistão hoje em dia, mas a Noruega sim. Uma transferência para a Noruega significaria o fim da viagem de Ali Reza.
Ele quis falar com alguém que pudesse responder a suas perguntas. Mas não tinha habilidade suficiente com o idioma, nem um intérprete, e não havia ninguém para lhe explicar as coisas. Depois de três meses e 20 dias em Nostorf-Horst, Ali Reza decidiu parar de comer. "Não queremos muito", ele diz. "Apenas queremos viver em nossos quartos, aprender alemão, consultar um médico, cozinhar, poder nos defender."
Visita noturna
Quando se pergunta a Trzeba por que essas coisas não são possíveis em seu campo, ele responde que o centro de recepção inicial não se destina a permitir que os candidatos a asilo se envolvam em esforços de integração significativos. "O candidato a asilo não está aqui para conhecer pessoas, mas para fazer seu caso avançar", diz Trzeba, acrescentando que os legisladores alemães não pretendiam que fosse diferente.
Alguém que será deportado recebe uma carta dizendo que ele ou ela tem duas semanas para encontrar um advogado e apelar. Esta única exigência, mesmo que eles pudessem compreendê-la, é suficiente para destruir as perspectivas da maioria dos que buscam asilo. Onde eles poderiam encontrar um advogado? Viajar até uma cidade como Hamburgo, onde haveria ajuda de organizações como o conselho de refugiados da cidade ou o Café Exil, um café onde voluntários ajudam os buscadores de asilo a lidar com a burocracia alemã, é proibido. Deixar o distrito administrativo onde se situa o campo é considerado uma infração. Uma advogada independente vai ao campo duas vezes por semana: uma mulher para 450 moradores.
À noite, os oficiais vão aos quartos, tiram da cama os que foram escolhidos para deportação e os levam para o aeroporto. Na linguagem burocrática de Trzeba, a operação é chamada de "execução da ordem de deportação". "Alguns deixam o território alemão voluntariamente", ele diz, "enquanto outros precisam de uma certa quantidade de incentivo."
Quando perguntado o que deveria mudar em seu campo, Trzeba diz: "Não há planos para mudar as circunstâncias, porque as circunstâncias não precisam de mudança". Ele simplesmente faz o que lhe mandam e somente vê o que é considerado politicamente desejável: organizar o campo de tal maneira que seus internos desenvolvam o desejo de voltar para onde vieram.
Direito jurídico
Essa não foi a intenção quando a Constituição da Alemanha, conhecida como Lei Básica, foi aprovada depois da era nazista e do fim da Segunda Guerra Mundial. O Artigo 16, Seção 2 da Constituição afirma: "As pessoas perseguidas por motivos políticos devem ter o direito de asilo". O direito de asilo estava mais firmemente enraizado na lei alemã do que nas leis de quase qualquer outro país. O asilo não deveria ser um ato de compaixão, mas um direito jurídico, e hoje esse direito é o motivo por trás do demorado processo de asilo da Alemanha.
Enquanto os refugiados vinham basicamente de países socialistas, o direito de asilo permaneceu inconteste. Em meados da década de 1980, o número de refugiados começou a aumentar acentuadamente. Entretanto, não eram mais as pessoas "perseguidas por motivos políticos" citadas na Constituição, e sim pessoas das regiões em crise no mundo: migrantes econômicos ou refugiados da pobreza ou de desastres naturais. As leis de asilo não tinham sido escritas para essas pessoas. Em 1985, 55 mil pessoas se inscreveram para obter asilo na Alemanha, e em 1991 o número havia subido para 256 mil. E quanto maior o número menos candidatos eram admitidos.
Quando a lei de asilo foi emendada em 1993, foi aprovada uma nova regra que exigia que as autoridades alemãs devolvessem os refugiados para "um terceiro país seguro" se eles tivessem entrado na Alemanha por aquele país. Os campos de espera foram estabelecidos em parte como elementos de dissuasão. Os números diminuíram, assim como os índices de admissão. Em 2010 o número voltou a crescer acentuadamente, pela primeira vez em vários anos, em parte porque as exigências de visto tinham sido suspensas para alguns países da Europa Oriental. Sérvios, montenegrinos e macedônios podiam agora entrar nos países da zona Schengen sem visto, e muitos aproveitaram a nova liberdade de viagem para pedir asilo na Alemanha. Em novembro, a UE ameaçou abolir novamente a isenção de visto. Em consequência, o número de pedidos voltou a diminuir nos últimos dois meses.
Entretanto, em 2010 houve 50% pedidos a mais que em 2009, num total de 41 mil. E as antigas perguntas continuam sem resposta: Quem deve ter permissão para viver na Alemanha? Como deve ser sua vida olá? Quem deve fazer parte da sociedade alemã?
"Prefiro morrer a voltar"
Algumas semanas depois da greve de fome, muitos dos refugiados foram libertados do campo de Nostorf-Horst. Prince foi mandado por 12 meses para um campo em Parchim, no nordeste da Alemanha. O amigo de Ali, o iraniano Jamshid, foi transferido para Wismar, no mar Báltico, onde tem aulas de alemão todos os dias. "Tudo está muito bem", ele diz em alemão coloquial quando perguntado sobre sua nova vida. Alef, de Jalalabad, recebeu seu aviso de deportação. Dezenas de outras pessoas foram distribuídas para outras instalações. Mas Ali Reza continuou no campo de Nostorf-Horst.
Um avião esperava em Hamburgo sob a neve num dia de dezembro. Ele seria deportado para a Noruega e de lá para o Afeganistão. Um advogado que um conselho de refugiados tinha encontrado para ele deu a notícia. Ali Reza desmaiou e foi admitido em uma clínica psiquiátrica, onde os médicos concluíram que é suicida, tem depressão severa e não pode ser transferido. "Prefiro morrer a voltar", ele diz.
Um jovem iraniano agora dorme na cama de Ali em Nostorf-Horst. Ele viveu em Plymouth, no Reino Unido, durante cinco anos, onde trabalhava e frequentava festivais de música. Quando ia ser deportado, algumas semanas atrás, decidiu que estava na hora de deixar a Inglaterra.
Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves
Texto do Der Spiegel, reproduzido no UOL.
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