O que há de comum entre crises financeiras e epidemias de drogas? Ambas seguem um roteiro mais ou menos conhecido de repetições históricas, mas nem por isso somos capazes de evitá-las.
No caso das drogas, tudo começa com a fase de lua de mel, em que o novo fármaco é visto como uma bênção. Em pouco tempo verifica-se que as coisas não eram tão simples e que, pelo menos para algumas pessoas, o produto pode ser bem destrutivo. Aí declara-se guerra à droga em questão, e os resultados são ainda piores, já que o usuário patológico passa a ser ele próprio criminalizado, tendo de lidar não apenas com a dimensão sanitária de seu problema como também com a legal.
Foi assim com o tabaco, a partir do século 16, e com a primeira epidemia de opioides nos EUA, no início do século 19. É assim que está sendo agora, com a segunda epidemia de opioides na virada do 20 para o 21. Carl Erik Fisher detalha essas e várias outras histórias em "The Urge" (a compulsão). O detalhe, que torna o livro diferente de um competente apanhado histórico de epidemias, é que Fisher, psiquiatra especializado em drogas, narra sua própria experiência como dependente de álcool e anfetaminas e seu processo de recuperação.
Fisher não tem medo da complexidade. Mostra que a dependência está relacionada a fatores tão variados como genética, química cerebral, personalidade, inserção social e contexto histórico, mas que é impossível reduzi-la a uma causa única. Algo parecido vale para o tratamento. Todos os casos são únicos e não existe receita que valha para todos. Para alguns, como o próprio Fisher, a saída está na abstinência. Para outros, a redução de danos é o que funciona melhor.
Só o que não funciona é a tal da guerra às drogas. Para Fisher, a dependência nada mais é do que uma forma de ser diante dos prazeres e das dores da vida. Declarar guerra a isso é declarar guerra à própria natureza humana.
Texto de Hélio Schwartsman, na Folha de São Paulo.
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