Estou perdidamente apaixonado. Perdoem a redundância. A única coisa que a gente faz perdidamente é se apaixonar. Ninguém diz: estou perdidamente esfomeado. Não se fica perdidamente gripado, nem se canta perdidamente uma canção. Até o Google sabe disso. Escrevam "estou perdidamente" e ele completará: "apaixonado". O contrário também é verdade: só nos apaixonamos se for perdidamente. Quem se apaixona encontradamente não se apaixonou.
A parte mais esquisita da minha paixão perdida é que nem sequer conheço a pessoa. Quer dizer, ainda não conheço. Ainda assim, faz alguns meses que penso nela todos os dias, e sonho com ela, e não tem nenhum dia que seja igual ao dia que passou, porque agora falta um dia a menos pro nosso encontro.
Hoje falta menos de um mês e meio pra gente se conhecer. Pode ser que ela chegue antes. Tomara que não muito antes. Pode ser que chegue um pouco depois. Mas certamente não muito. E, nesse dia, sei que vou me apaixonar por essa desconhecida, mesmo que ela não faça ideia de quem eu sou, e eu não faça ideia de quem ela é —e ela faça menos ideia ainda de tudo o que ela pode vir a ser. Vai demorar mais alguns anos pra que a gente se conheça de verdade. Vai demorar uma vida toda.
Minha paixão perdida não tem rosto, mas já tem nome: Celeste. E é um nome bonito porque me lembro dela todo dia, porque ele está em toda parte. Se chove, penso nela, e se faz sol também. E quando falam em céu-da-boca, ou no céu de Santo Amaro, ou no céu de um azul celeste celestial.
Como é bom esperar por alguém que ainda não nasceu. É o contrário da saudade. Já amei pessoas que partiram: avós, amigos, professores. O amor por alguém que ainda vai chegar é o contrário desse sentimento, mas se parece muito com ele, porque é amar alguém que não existe —mais ou ainda— fora da gente.
No meio do colapso, enche de alegria pensar que alguns amores da nossa vida ainda estão sendo fabricados.
Outros ainda estão sendo concebidos, projetados, sonhados, ou nem isso.
O mundo virou essa festa estranha com gente esquisita. Mas muita gente ainda tá pra chegar. Não sei vocês, mas eu só arrumo a casa quando recebo visita. E esses convidados dão um gás novo pra gente arrumar o mundo —começando pelo quarto do bebê.
Texto de Gregório Duvivier, na Folha de São Paulo.
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