Para a economia, o risco Brasil é um indicador relacionado ao ambiente de negócios. Para os negros brasileiros, o risco país é algo bem diferente e nada conceitual. Fruto de uma equação tão sofisticada quanto antiga e perversa, equivale ao que pode ser chamado de risco melanina, um marcador negativo associado à cor da pele.
Repleto de nuances e sutilezas muito bem engendradas, é o tipo de ameaça que há séculos impacta de maneira nociva e implacável a vida de milhões de pessoas. Ainda assim, consegue manter margem para negação de sua existência entre parcela considerável da sociedade.
Talvez porque seus efeitos mais deletérios são sentidos na pele e na alma de quem é negro e não possui dinheiro, poder ou influência. Afinal, o risco melanina não é cobrado em títulos, ações ou papel moeda, mas em vidas pretas e pardas interrompidas em circunstâncias absurdas.
Pode ser por uma bala perdida que encontra o peito de uma jovem grávida que transita na rua com a avó no Rio, no mergulho no ar dado por um menino que encontra a morte no solo em que a mãe passeia com a cadela da patroa em Pernambuco, ou no espancamento de um homem no estacionamento de um Carrefour no Rio Grande do Sul.
A cartela é diversificada, mas o desfecho costuma ser funesto. Em 2018, 75,7% das vítimas de homicídio no Brasil eram negras, segundo o Atlas da Violência. O risco de um homem negro morrer assassinado é 74% maior que o de um branco. Para mulheres negras, o percentual é de 64,4%.
Isso sem falar na série de outros fatores que integram o risco melanina, como falta de acesso a oportunidades, marginalização, hipersexualização, usurpação da infância e desumanização. Fatos que
Sofrem os pobres em geral, mas os negros pobres padecem ainda mais. Um triste exemplo é a maioria negra (66,1%) entre as crianças e adolescentes em situação de trabalho infantil. A questão é: até quando o Brasil vai tolerar o risco melanina?
Texto de Ana Cristina Rosa, na Folha de São Paulo.
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