segunda-feira, 21 de junho de 2021

A vida é bem mais difícil quando se odeia figurinhas de WhatsApp


O dia havia começado bem. O sol brilhava, os pássaros cantavam. Até que, do alto de minha incauta e tolinha sinceridade, escrevi nas redes sociais: "A vida é bem mais difícil quando se odeia figurinhas de WhatsApp". ENTER.

Não cheguei a contar dez segundos e as réplicas começaram. "Como assim, você não gosta de figurinhas?"

"Pois é, não uso figurinhas."

"Não coleciona figurinhas?"

"Não, não uso figurinhas."

"Não faz suas próprias figurinhas?"

"Já mencionei que não uso figurinhas?"

"Como ousa? Figurinha é arte!"

Eu sei. É neste parágrafo que perco você, que me lê e ama figurinhas. Acredito até que haja alguma perfeita para o desprezo que você agora sente por mim.

No entanto, não é que eu as odeie propriamente. Eu me referia à dificuldade de escrever esbarrando nelas no campo de digitação do celular. Eu ali, dando tudo de mim entre letras, vírgulas e crases, para obter como resposta apenas um bebê "bad boy" ou uma galinha se olhando no espelho

Pensando bem: eu odeio figurinha, sim.

O trauma começou numa conversa de trabalho, quando indaguei algo e recebi de volta o Homer Simpson desaparecendo numa moita. Atormentada por tamanha informalidade, marquei a sessão de análise da semana e fui confirmada por um pombo dando joinha. Tudo isso num dia que culminou, claro, com uma Ana Maria Braga dançando diante de uma casa indo pelos ares.

Quando me enviam alguma figurinha da Carreta Furacão, confesso que tremo nas bases. Quase favorito. Afinal, nada que é humano me é estranho, ainda que seja a imagem de um cachorro de óculos escuros, requebrando o popozão.

Só sei que me arrependi do desabafo, pois já são mais de 72 horas sendo cercada em todos os grupos. Cancelada e espezinhada por todas as caras e bocas da menininha coreana.

Tentei sair do 3G, botar o celular de lado, mas enquanto escrevia este texto, uma pedra estilhaçou minha vidraça. E embrulhado nessa pedra, um papelzinho com a figurinha do pitbull batendo panela.

O jeito, agora, é me agarrar ao impossível. Imaginar, por exemplo, Dr. Drauzio Varella incapaz de enviar fotinho de si mesmo com os dizeres "né, minha filha?".

Haveria outros como eu por aí? Desfigurados. Destituídos da Gretchen fazendo coraçãozinho com a mão. Talvez aqui —e somente aqui— caiba a figurinha da Nazaré confusa.





Texto de Bia Braune, na Folha de São Paulo. Ilustração de Marcelo Martinez. 

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